• Nenhum resultado encontrado

4 OS POSTULADOS GARANTISTAS E AS IMPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

5.2 Aspectos relevantes do funcionalismo penal

5.2.1 Ordem pública, funcionalismo e proteção da vigência da norma

Um dos pontos que diferencia o funcionalismo penal segundo Roxin e o apregoado por Jakobs é que, para o primeiro, o direito penal se destina a proteger os bens jurídicos. Já para o segundo, o direito penal tem por desiderato a proteção da vigência da norma. Jakobs213 afirma que só por um raciocínio bastante forçado se pode afirmar que o direito penal protege os bens jurídicos. O direito é a estrutura da relação entre pessoas e a doutrina da proteção aos bens jurídicos em nada contribui para a antecipação da punibilidade, erigindo como prevalente e superior a tutela preventiva do crime. Portanto, o direito penal quer, na verdade, proteger e preservar a dita estrutura de relação interpessoal. O crime é uma lesão à vigência da norma e a pena é a sua eliminação; por consectário, a reafirmação da vigência.

Tais ideias traduzem a intenção de regulação de interação de sujeitos, que se dão, simultaneamente e em número excruciante, nos espaços urbanos e mesmo virtuais da contemporaneidade, se aproximando a toda evidência do conceito de segurança pública214, predisposta à proteção da conservação das pessoas e de seus patrimônios e direitos, ou a preservação e/ou reconstituição de uma vivência em plena ordem pública, nos moldes traçados alhures, concebida como situação ideal de pacífica convivência social isenta de violência215. Claro, falar em um conceito de ordem pública demanda sempre cautela, pois como alvitra Eugênio Pacelli216, a expressão “garantia da ordem pública” tem sido adotada para justificar ações de perigoso controle da vida social, própria de estados totalitários.

212 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Câncio. Direito penal do inimigo : noções e críticas. 4ª ed. atual. e

ampl. - Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010, p. 56.

213 JAKOBS, Günther. ¿Que protege el derecho penal: bienes juridicos o la vigencia de la norma?. In: LYNETT,

Eduardo Montealegre(Coord.). El funcionalismo en derecho penal - livro homenaje al profesor Günther Jakobs, vol. I. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003, pp. 41-56.

214 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33ª edição, revista e atualizada. São Paulo :

Malheiros, 2010, p. 778.

215 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33ª edição, revista e atualizada. São Paulo :

Malheiros, 2010, p. 777-778.

216 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7ª ed. - rev. , atual. e ampl. Belo Horizonte : Del

Mas ínsita à ideia de ordem pública, está a proteção à comunidade, coletivamente considerada. Tal proteção pode se dar em um âmbito fático217, quando, por exemplo, há risco de repetição da conduta tida como criminosa, ou, de certa maneira, psicológico, quando a gravidade do crime causa tal estado de intranquilidade coletiva que devem ser adotadas medidas imediatas pelas autoridades, para afastar o sentimento de desordem, de negação do direito.

Portanto, é inegável que a descrição de Jakobs quanto às expectativas de condutas a serem adotadas pelos cidadãos na confirmação reiterada da existência e vigência de um ordenamento se coaduna com a ideia de proteção da comunidade e da ideia de ordem, de funcionamento e concreção das estruturas que regulam relacionamentos interpessoais.

No Habeas corpus nº 2011.000007-3218, quadragésima segunda decisão examinada no decurso deste estudo, o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas manteve a prisão em razão da repercussão gerada pelo crime na sociedade maceioense.

O impetrante alegou que o paciente foi preso preventivamente em 28 de maio de 2010, pela suposta prática do crime de homicídio qualificado. Na visão da impetração, a prisão se estendia por prazo excessivo, além da inocência do paciente, bem como a favorabilidade de suas condições pessoais. Aí a violência à liberdade de locomoção do paciente, vez que ausentes motivos que justifiquem a segregação cautelar.

Ao prestar as informações, a autoridade apontada como coatora declinou que a medida constritiva foi decretada e fundamentada na garantia da ordem pública. Além disso, a defesa teria atravessado três pedidos de relaxamento de prisão, o que conformaria a razoabilidade do prazo decorrido para a tramitação regular do feito.

Ao manter a prisão, o relator, seguido à unanimidade pelo Tribunal, se pronunciou nos termos seguintes:

No caso em tela, verifiquei diante dos documentos acostados aos autos, que o Magistrado de Primeiro Grau manteve a custódia cautelar do Acusado com

217 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7ª ed. - rev. , atual. e ampl. Belo Horizonte : Del

Rey, 2007, p. 436.

218 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Alegação de

preenchimento dos requisitos da liberdade provisória. Prisão mantida com fundamento na garantia da ordem pública. Paciente cometeu homicídio após a prática de outros delitos. Alegação de excesso de prazo. Inocorrência. Atraso decorrente da complexidade do feito. Aplicação do princípio da razoabilidade. Não demonstrada, com prova inequívoca, a inércia estatal. Alegações baseadas em conjecturas. Ajuizamento de três pedidos de liberdade provisória e um aditamento à denúncia. Dilatação do prazo não imputável apenas ao Judiciário, mas também à defesa. Incidência da Súmula n° 64 do STJ. Situação fática e jurídica em que não se constata constrangimento ilegal. Ordem denegada. Por unanimidade. Habeas corpus nº 2011.000007-3. Impetrante Altair Oliveira Costa. Impetrado Juíz de Direito da 7ª Vara Criminal da Capital. Paciente Luiz Paulo Félix do Nascimento. Relator Otávio Leão Praxedes. Acórdão em habeas corpus n. 301022011.

fundamento na garantia da ordem pública, motivado pela grande repercussão que o crime gerou na cidade, além da gravidade concreta do delito, destacando que “o acusado teria ceifado a vida da vítima após ter praticado um roubo contra outras duas vítimas”.

Veja-se que, neste julgado, tudo o que se pretende é comunicar à sociedade que existe ordem, e que ela atuará para que as regras de convívio social continuem a ser preservadas. A credibilidade das instituições, nesta senda, é afirmada como instrumento de amparo ao convívio pacífico em sociedade. Trata-se de ação legítima, segundo ótica funcionalista e, como citado alhures, hegeliana, pois a reafirmação do convívio social liberto de ações criminosas, é levada a efeito através do ato de constrição da liberdade do paciente. Interessa advertir, contudo, que os pressupostos de Hegel e de Jakobs são diferentes, embora o segundo não negue seu interesse pelo primeiro.