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1. A DEFESA

1.7 Tipos de Defesa

1.7.1 Defesa Técnica

Por defesa técnica entende-se aquela feita no processo penal exclusivamente por atuação de advogado regularmente inscrito para o exercício da profissão. O advogado atua representando os interesses de quem está sendo processado, sendo considerado pela CF indispensável à administração da justiça (art. 133). A indicação é feita perante o juiz que, na ausência, anunciará a possibilidade de convocação de um defensor público para o encargo.

A defesa técnica é tida pela doutrina como indisponível por ser imprescindível à efetividade do princípio do contraditório. Almeja-se no processo o equilíbrio entre a acusação e a defesa no que tange à disponibilidade de instrumentos para construção das teses. É a chamada condição de paridade de

armas,112 expressão que encontra guarida no princípio da igualdade – em que se

quer garantir a igualdade de oportunidades às partes no processo.

Luiz Flávio Gomes113 assevera, na mesma linha, que a capacidade postulatória é da essência da defesa técnica por ser inerente aos advogados. Com isso pressupõe-se que eles têm conhecimento técnico capaz de assegurar a eficácia da igualdade no processo com o órgão acusatório – em geral, um representante do Ministério Público, presumível portador de conhecimento específico em atuação acusatória processual penal. Em regra, o acusado não é habilitado ao ponto de optar pela dispensa do causídico.

Pelo nosso sistema processual penal há uma exceção que admite que o

112 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Ibidem. Esta expressão também é lembrada por Francisco

Gérson Marques de Lima, op. cit., p. 189.

113 PIOVESAN, Flávia e GOMES, Luiz Flávio. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos

próprio acusado faça sua defesa pessoalmente: quando ele é habilitado para tanto. Ou seja, todo aquele que for advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e que esteja sendo acusado em processo penal pode elaborar sua própria defesa, também chamada de defesa técnica.

O CPP, já na sua edição de 1941, veio com a expressa exigência da figura do advogado na atuação da defesa, apregoando que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. A ausência da nomeação de defensor ao réu presente enseja a irremediável nulidade do processo, classificada como absoluta, podendo o juiz assim declarar por sua própria iniciativa e em qualquer fase do processo, acarretando a necessária repetição de todos os atos contaminados pelo vício.114

Há argumentos chamados à evidência de senso comum, que manifesta inolvidável importância na defesa técnica: o processo, como conjunto de atos técnicos, é demasiadamente complexo para um leigo e não prescinde de conhecimento específico. A experiência na prática forense tem sua indiscutível importância para que se evitem enganos que possam prejudicar a própria atuação defensiva.

Por certo, a qualidade da defesa técnica depende de fatores processuais e extraprocessuais. A prova colhida é fundamental, pois o mais qualificado advogado não teria como, tecnicamente, evitar uma condenação se os elementos probatórios existentes no processo levassem, necessariamente, a um seguro juízo condenatório. Por outro lado, a preparação intelectual do advogado aliada à experiência na atividade forense viabiliza maior possibilidade de obtenção de melhores resultados.115

Luigi Ferrajoli116 enfatiza que a defesa consiste precisamente no contraditório entre hipótese de acusação e hipótese de defesa e entre as respectivas provas e contraprovas. A perfeita igualdade das partes é essencial para que a disputa se desenvolva lealmente. Afirma ainda que a defesa técnica obrigatória não constitui uma obrigação para o imputado, mas sim um direito seu a

114 Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal editou súmula em sessão plenária ocorrida em

dezembro de 1969, com a seguinte redação: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.”

115 Neste ponto, muitas vezes há incidentes processuais que a defesa promove que dão efeitos

esperados.

116 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer

Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 564.

que pode livremente renunciar para que surja para o Estado a obrigação de fornecer um defensor gratuito em caso de falta de condições de pagamento.117

Antônio Scarance Fernandes118 preconiza que, para ser ampla como exige o texto constitucional, a defesa técnica apresenta-se no processo penal como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva. O autor entende que o advogado será necessário para equilibrar a defesa com a acusação, uma vez que esta, em regra, é feita por membros do Ministério Público altamente qualificados, além de contarem com polícia técnica especializada em investigação criminal.

Assim, é facultado ao acusado constituir advogado de sua confiança. Caso não o faça, o juiz deve obrigatoriamente nomear um defensor para o exclusivo patrocínio da defesa, podendo ser defensor público em caso de declaração de que inexiste, para o acusado, a possibilidade de remunerar o causídico. 119

Mas Scarance destaca que o réu não pode renunciar à defesa. Não se pode dela declinar, portanto. Tal regra está assim na Constituição Italiana: “Art. 24, § 2º. La difesa è diritto inviolabile in ogni stato e grado del procedimento.” 120 Sobre a efetividade da defesa, o autor salienta a imperiosa necessidade de ser fundamentada, mesmo se feita por defensor público ou dativo. A falta de defesa adequada pode levar à anulação do processo.

O direito do acusado de indicar defensor deve ser respeitado, salvo nos casos em que o indicado for negligente em qualquer das fases obrigatórias do processo. Neste caso, o juiz faculta a indicação de outro defensor, podendo nomear outro em caso de inércia do réu. Carnelutti121 referiu que “as pessoas enxergam ao advogado como um técnico, ao qual se pede uma obra, que quem solicita não seria capaz de realizar sozinho.” Para ele, o preso é, essencialmente, um necessitado e o próprio nome do advogado soa como um pedido de ajuda: advocatus, vocatus ad, chamado a socorrer.

Francesco Carnelutti refere-se ao contraditório como um duelo que serve ao juiz para superar eventual dúvida instalada no processo. As armas de que se utilizam a acusação e a defesa são as razões, ambos dotados de parcialidade para

117

Ibidem, p. 565.

118 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: RT, 2005, p. 284. 119 A assistência judiciária gratuita é direito previsto na Constituição de 1988, Art. 5º, LXXIV.

120 FERNANDES, ibidem, p. 286.

121 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Tradução de Isabela Cristina Sierra.

que o juiz se mantenha afastado em posição de neutralidade em relação a eles.122 Fernando de Almeida Pedroso123 entende que a defesa pode ser compreendida tanto no sentido subjetivo quanto no objetivo. O primeiro seria a faculdade de contrariar a ação penal e o que nela se deduz, em abstrato; a segunda seria a defesa efetiva exercida no processo, em concreto. Sobre tipos de defesa, diz que ela pode ser pessoal, quando o próprio réu conduz fatos e elementos que possam favorecê-lo participando dos atos ativamente, diferentemente da autodefesa, que só seria definida quando o acusado tem habilitação para atuar como advogado, fazendo sua própria defesa técnico-jurídica. A defesa pessoal exigiria a nomeação de advogado para que fosse garantida a defesa técnica.

Além disso, o autor ressalta que a defesa pessoal seria inadequada, uma vez que o acusado não habilitado para advocacia correria os riscos pela falta de conhecimento das particularidades do processo e conseqüências jurídicas de seus atos. Seria a defesa técnica o reflexo da própria capacidade postulatória emitido do processo civil para a órbita do processo penal.

Não parece adequada a distinção entre defesa pessoal e autodefesa. O vernáculo orienta sobre o segundo termo uma indiscutível amplitude do conceito a que o processo penal dos EUA se referem como self.124 Ademais, a palavra auto já traduz, de senso comum, o significado das expressões “por si próprio” ou “de si mesmo”.

José Barcelos de Souza125 opta por classificar a defesa penal em sentido estrito e amplo. Pela primeira, a defesa consiste em alegações, escritas ou orais, como, e. g., as alegações preliminares – a também chamada defesa prévia –, as alegações finais escritas ou as produzidas oralmente nos debates em audiência, inclusive do júri, pelo defensor do réu, atos privativos do advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil; pela segunda, tudo o que o defensor, o procurador ou o próprio réu pratica no curso do processo em favor de sua defesa constitui ato de defesa no sentido mais amplo.

Ele distingue a defesa em direta, a chamada defesa de mérito, isto é, a feita diretamente contra o pedido consubstanciado na denúncia ou queixa, e a

122

Ibidem, p. 40.

123 PEDROSO, ibidem, p. 35.

124 Exemplo disso, importante não olvidar, é que a expressão “legítima defesa” tem a tradução

inglesa self defense, ou seja, a defesa de si mesmo, ou autodefesa.

125 SOUZA,José Barcelos de. A defesa na polícia e em juízo – Teoria e prática do processo penal. 6

indireta, em que o mérito é atingido indiretamente. Para esta última, o autor dá os exemplos da prescrição e decadência – de cunho material, conhecidas por meio de questionamento preliminar e prejudicial do mérito, extinguindo o processo. Outras são as de cunho processual, em que se procura a extinção da relação processual com a prática de atos intuitivamente peremptórios ou dilatórios, ou exame de elementos essenciais como os pressupostos processuais e as condições da ação.

José Barcelos de Souza lembra ainda que direito de defesa garantido pela Constituição engloba muitos atos, inclusive distintos do mérito da causa. São desde meros requerimentos até impugnações mais complexas, recursos, procedimentos incidentais, recursos em geral, dentre outros. Além disso, também não esquece o autor que o inquérito policial – como procedimento composto de conjunto de atos administrativos preparatórios da ação penal – contém momentos em que a defesa deve ser exercida em toda a sua plenitude, a exemplo das provas que são nele produzidas e não são repetidas em juízo, e terão forte impacto na sentença final. É o caso de perícia em vestígios de acidentes de trânsito. 126

Francesco Carrara127, comentando sobre a necessidade de defesa técnica do réu revel, enfatiza que o Estado deve exercer indistintamente o direito de todos, quando do exercício do magistério penal. Ele deve defender os homens honestos contra os culpados, punindo estes últimos; também deve defender os homens honestos contra acusações injustas; mas deve ainda defender os próprios culpados contra o zelo exagerado dos agentes do poder quando estes pretenderem fazer recair sobre os ombros do réu pena mais severa que a desejada pela lei.

Assim, a defesa técnica não prescinde de profissional habilitado para o seu exercício, ficando o réu, se quiser, numa função de assistência, prestando as informações importantes e necessárias para sua defesa. O defensor não é parte nem sujeito processual, nem, tampouco, substituto processual, agindo apenas como um representante técnico da parte, podendo, pela posição majoritária da doutrina, exercitar a defesa mesmo contra a vontade do réu, já que o direito de defesa é indisponível. 128

126

Ibidem, p. 2.

127 CARRARA, ibidem, p. 352.

128 MOREIRA, Rômulo de Andrade, Direito ao Devido Processo Legal. SCHMITT, Ricardo Augusto

(Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à luz da Constituição Federal. Salvador: Podium, 2007, p. 130.

Víctor Moreno Catena129 é preciso quando assevera que “el defensor

interviene en el proceso com la finalidad de conseguir la absolución de su defendido, poniendo a disposición de este objetivo todos sus conocimientos jurídicos.” Já Valdir Sznick130 entende que a defesa técnica tem, de início, a função

de evitar o erro judiciário, assim como também o têm o magistrado e o membro do Ministério Público. Chega a defender que é impossível exercer a justiça sem a presença do defensor. Mas aponta três características: a defesa deve ser plena (ininterrupta), perdurando por todo o transcurso do processo – inclusive no recurso; a defesa deve ser real (efetiva), em que a atuação do defensor não pode ser deficiente por apatia; a defesa é irrenunciável, pois nenhum réu pode abrir mão dela, considerando que há um interesse público inerente a esse direito como garantia da justiça, interesse da sociedade.