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A família representa o contexto primordial de influência no processo de socialização, educação, aprendizagem e desenvolvimento dos filhos (Rodrigo & Palacios, 1998), e por consequência, constitui o núcleo fundamental de toda a sociedade como referência social para cada um dos seus membros (Camacho, León, & Silva, 2009), através da qual se constroem membros ativos e competentes da sociedade.

Nesta perspetiva, a família como primeiro grupo social a que pertencemos, através do qual adquirimos um conjunto de valores, crenças, normas e comportamentos, socialmente aceites e adequados a um determinado contexto social em que estamos inseridos, permite-nos o contacto com diferentes elementos de uma dada cultura, que se revelam fundamentais, quer pelas normas que devem ser reconhecidas, quer pelos parâmetros que conduzem ao êxito social dos indivíduos (Musitu & Cava, 2003).

Nas últimas décadas, a investigação científica desenvolvida tem vindo a demonstrar que apesar das constantes e significativas mudanças nas sociedades desenvolvidas, a família continua a ser o contexto mais apropriado para responder às necessidades evolutiva-educativas infantis, constituindo o meio privilegiado para o seu crescimento e desenvolvimento (Lorence, 2008; Rodrigo & Palacios, 1998;).

Apesar do seu caráter normativo, nem todas as famílias são iguais, em virtude da pluralidade e diversidade dos sistemas familiares, quer ao nível da sua composição, quer ao nível da quantidade e qualidade das experiências que nela têm lugar (López, 2006). Neste sentido, podemos afirmar que nem todos os estilos de vida familiar ou de interação são igualmente funcionais, na medida em que existem famílias que não possuem as condições necessárias para cumprir de forma adequada as suas funções, podendo algumas delas, por diversas razões, configurar um ambiente de ameaça para o bem-estar infantil ou constituir perigo para a sua integridade física e psicológica, deparando-nos com a presença de famílias em situação de risco psicossocial.

A caracterização das famílias em risco psicossocial constitui uma tarefa exigente e complexa, que requer a sua investigação, conhecimento, análise e aprofundamento dos fatores e características (Gómez, Muñoz, & Haz, 2007), com vista a permitir a compreensão sobre o seu funcionamento e dinâmica familiar.

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Rodrigo e colaboradores (2008) definem as famílias em risco psicossocial como aquelas em que os responsáveis pelos cuidados, atenção e educação das crianças, por circunstâncias pessoais e relacionais, assim como por influências adversas do meio, negligenciam as suas funções parentais ou fazem um uso inadequado das mesmas, comprometendo ou prejudicando o desenvolvimento pessoal e social das crianças e dos adolescentes, sem contudo, configurar a gravidade que justifique a separação do menor da sua família. Trata-se, portanto, de um grupo de famílias, nas quais se observa uma variabilidade de risco para o desenvolvimento e bem-estar da criança ou jovem, que contudo não alcança a gravidade suficiente para que seja determinado o afastamento e a separação dos menores do seu agregado familiar.

Atendendo à abordagem das famílias em situação de risco psicossocial, consideramos fundamental o recurso a referenciais teóricos, que permitam compreender as dinâmicas específicas que caracterizam estes sistemas familiares. Numa revisão teórica da literatura desenvolvida por Gómez e colaboradores (2007), com o propósito de caracterizar as famílias em risco, os autores identificaram quatro eixos descritivos, interrelacionados entre si, designaram, a) poli-sintomatologia e crises recorrentes, b) desorganização estrutural e comunicativa, c) isolamento social, e também, d) o abandono das funções parentais. Neste sentido, a poli- sintomatologia refere-se ao conjunto de problemas e fatores de stresse, nomeadamente, negligência, maus tratos infantis, violência conjugal, insucesso escolar, delinquência, consumo de substâncias aditivas, depressão, entre outros (Gómez, Cifuentes, & Ross, 2009; Matos & Sousa, 2004; Sousa, 2005), que afetam os membros da família, em particular, o desenvolvimento e bem- estar infantil.

A desorganização é considerada uma característica destas famílias, que remete para disfunções ao nível da sua estrutura, funcionamento e comunicação (Gómez et al., 2007; Ribeiro et al., 2004; Sousa, 2005). O isolamento social ou “falta de apoio social” remete para o distanciamento físico e emocional das suas redes de apoio social informal e formal, que afetam negativamente os seus recursos psicossociais e económicos disponíveis (Sousa, 2005). No que diz respeito ao abandono das funções parentais, estas famílias podem apresentar, em muitos casos, incompetência e negligência parental (Gómez et al., 2009; Rodríguez, Camacho, Rodrigo, Martín, & Máiquez, 2006), que pode implicar a separação da criança do seu agregado familiar e dificultar posteriormente uma reunificação bem-sucedida (Pereira & Alarcão, 2010).

Na verdade, as famílias em risco psicossocial têm de lidar com múltiplas adversidades nas suas trajetórias e circunstâncias de vida atuais, que comprometem a sua capacidade para o exercício de uma parentalidade adequada, denotando-se o crescente interesse sobre o seu estudo

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Diversas investigações de âmbito nacional (Macedo, Nunes, Costa, Ayala-Nunes, & Lemos, 2013; Nunes et al., 2011; Nunes & Ayala-Nunes, 2015; Nunes, Lemos, Ayala-Nunes, & Costa, 2013; Sousa, 2005; Sousa, & Ribeiro, 2005; Sousa & Rodrigues, 2009) e internacional (Arruabarrena & De Paúl, 2002; Fernandez, 2007; Garrido & Grimaldi, 2010; Hidalgo, et al., 2009; López & Sánchez, 2001; Martín et al., 2004; Menéndez, Arenas, Pérez, & Lorence, 2012; Menéndez et al., 2010; Moreno, 2002; Rodrigo et al., 2006; Rodríguez et al., 2006;Trigo, 1998) têm-se centrado em determinar o perfil psicossocial das famílias em situação de risco psicossocial, que colocam em evidência alguns resultados e conclusões, que importa ter em consideração, tendo por base o propósito da presente investigação. Porém, é de salientar que a grande maioria destes estudos tem procurado investigar, em particular, as características sociodemográficas destas famílias, razão pela qual dispomos de menos evidências científicas e informação sobre as suas dimensões de natureza psicológica.

De uma forma geral, as famílias em risco psicossocial evidenciam um perfil sociodemográfico heterogéneo, que apesar da sua diversidade e variabilidade, apresentam características comuns, que frequentemente tendem a identificar os seus contextos fortemente marcados pela precariedade e adversidade. As famílias em situação de risco constituem um grupo social específico caracterizado por importantes níveis de stresse como consequência das suas trajetórias e circunstâncias adversas de vida, quer a nível pessoal, quer ao nível do contexto em que estão inseridas (Lorence, Hidalgo, & Dekovic, 2013).

As investigações têm demonstrado que estas situações englobam um conjunto alargado de famílias caracterizadas por circunstâncias muito diversas que geralmente se convertem em contextos muito difíceis para o adequado desenvolvimento das funções parentais (Hidalgo et al., 2010; Rodrigo et al., 2008), particularmente afetadas por circunstâncias pessoais e relacionais que vivenciam, suscetíveis de comprometer o exercício das suas competências parentais (Jiménez, Dekovic, & Hidalgo, 2009; Menéndez, Hidalgo, Jiménez, Lorence, & Sánchez, 2010; Moreno, 2002; Rodrigo, Martín, Máiquez, & Rodríguez, 2007; Sousa & Rodrigues, 2009). Para além, das suas competências parentais e estilos comunicacionais refletirem também transmissões deficitárias das famílias às gerações (Lerner, Walsh & Howard, 1998).

As famílias em situação de risco psicossocial têm vindo a ser associadas a pobreza e a fracos recursos económicos (Azevedo & Maia, 2006; Lorence, 2008; Martín et al., 2004; Sousa, 2005; Sousa & Ribeiro, 2005). Porém, esta realidade constitui apenas um indicador de risco que remete para o grupo mais exposto deste conjunto de agregados familiares, que podem ser identificados em diferentes contextos sociais, culturais e económicos (Sousa & Ribeiro, 2005).

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Com efeito, as famílias com baixos recursos económicos apresentam uma maior visibilidade na comunidade e nos serviços (Ribeiro et al., 2004). Porém, o fator económico, por si só, não condiciona o desempenho das funções parentais (Martin, Máiquez, Rodrigo, Correa & Rodríguez, 2004). A pobreza e as diversas problemáticas podem ou não coexistir na mesma família (Sousa & Ribeiro, 2005), reconhecendo-se, porém, que os contextos caracterizados por fatores de risco psicossocial e privação sociocultural crónica reforçam as dinâmicas de exclusão social, disfuncionalidade, crise e desesperança, cujas implicações negativas tornam-se cada vez mais difíceis de modificar pelo próprio sistema (Gómez et al., 2007).

A presença de condições de vida negativas associadas a características pessoais, como o baixo nível educativo, estratégias inadequadas para a resolução de problemas, impulsividade, falta de autocontrolo, baixa autoestima, podem desencadear práticas parentais de risco, dando origem a famílias que se encontram em risco psicossocial (Trigo, 1998). A acumulação de múltiplos acontecimentos de vida stressantes e de risco (Nunes et al., 2011; Ribeiro et al., 2004; Sousa, 2005), a exposição a diversas fontes de stresse, como a perda de emprego, a insegurança económica, o isolamento social (Gómez et al., 2007; Rodríguez et al., 2006), o ambiente social empobrecido, desestruturado e inúmeros problemas sociais, como insucesso escolar, violência familiar, consumo de substâncias aditivas (Martín et al., 2004), acompanhadas de separação, divórcio, conflito e violência conjugal associada à disfunção parental (Sousa, 2005), interação caótica (Ribeiro et al., 2004), inadequação da habitação, ou ainda, violência comunitária contribuem para o desenvolvimento de estados de tensão individual e familiar (Peirson, Larendeau, & Chamberland, 2001), que dificultam o exercício efetivo das práticas parentais.

Nesta conformidade, estes indicadores não se relacionam apenas com um maior nível de risco, como também contribuem para uma maior cronicidade destas situações que ocorrem na vida destas famílias que se caracterizam pela presença de uma série de problemas, que afetam um número diversificado de membros do sistema familiar, podendo variar tanto na qualidade como na quantidade (Alarcão, 2000), constituindo deste modo sistemas vulneráveis de alto risco para o desenvolvimento dos seus elementos, quer pela ação dos seus mecanismos internos, quer pelos contextos sociais que potenciam a sua disfuncionalidade (Gómez et al., 2007).

Neste contexto, Rodriguez (2006) sublinha que em conformidade com o aumento do nível de risco identificado nas famílias em situação de risco psicossocial, os indicadores apresentam-se em maior medida e com maior intensidade. Assim, as famílias estão expostas a um elevado número de fatores de risco, que se sobrepõem num contínuo, em maior ou menor medida, aos fatores de proteção, que têm implicações no bem-estar e dificultam o desenvolvimento individual e familiar dos seus membros (Lorence, 2008), motivo pelo qual a importância da identificação dos

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fatores protetores, que promovem os recursos pessoais e sociais constituem-se como fundamentais, em oposição aos fatores de stresse e de risco para a interrupção do ciclo de vulnerabilidade das famílias (Nunes et al., 2011).

Os fatores de risco e de proteção emergem como elementos fundamentais, na definição de famílias em situação de risco psicossocial, por isso importa investigar quais os elementos de risco e protetores que vêm sendo expostos com maior frequência e coexistir nas famílias em situação de risco psicossocial (López, 2006). Neste sentido, os fatores de risco são variáveis que aumentam a probabilidade de um resultado disfuncional ou patológico ocorrer num indivíduo ou grupo que compromete em maior ou menor medida a adaptação psicossocial dos indivíduos (Rodrigo et al., 2008). De facto, os fatores de risco são variáveis que aumentam a probabilidade de um resultado negativo ocorrer no futuro (Deković, 1999). Rodrigo e colaboradores (2006) salientam a importância na distinção entre fatores de risco proximais e contextuais, sendo que os primeiros se referem a aspetos relacionados com a qualidade na prestação de cuidados (e.g., práticas educativas parentais e afetividade) e os segundos remetem para as características sociodemográficas (e.g., nível educativo, tipologia familiar).

No que diz respeito aos fatores de risco, podemos também identificar alguns fatores que estabelecem uma importante relação com estes, os designados, fatores de vulnerabilidade, que remetem para aqueles fatores pessoais ou relacionais que aumentam a probabilidade dos efeitos negativos das situações de risco (Luthar, 2006), que no mesmo contexto, não possuem esse efeito amplificador quando o risco não está presente, razão pela qual explica que indivíduos nessas circunstâncias apresentam maiores dificuldades de adaptação psicossocial (Lorence, 2008). A vulnerabilidade nas famílias em situação de risco psicossocial ocorre principalmente no meio familiar, na medida em que se trata de agregados familiares com elevada exposição a acontecimentos de vida stressantes e de risco diversos (e.g., dificuldades económicas, sobrecarga de tarefas, relações conflituosas), que nem sempre dispõem de recursos pessoais para lidar de forma adequada com estas situações (e.g., baixo nível educativo, carência de redes de apoio social) (Rodrigo et al., 2007).

Por sua vez, a diminuição ou eliminação das influências negativas da exposição ao risco designa-se por proteção (Sapienza & Pedremônico, 2005). Os fatores de proteção só atuam na presença de risco e podem ser definidos como aquelas influências que modificam a resposta de um indivíduo em presença de situações de risco que conduz a um resultado mais positivo do que seria esperado (Rodrigo et al., 2008). A influência dos fatores de proteção pode ser direta, reduzindo ou eliminando os fatores de risco, ou indireta compensando os efeitos dos fatores de risco ao promover o desenvolvimento de estratégias eficazes no indivíduo (Lorence, 2008). Os

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fatores de risco e de proteção, bem como os recursos disponíveis do sistema podem variar e modificar a situação das famílias num contínuo (Rodrigo et al., 2008), sendo que as interações que estabelecem entre si apoiam, qualificam ou modificam a experiência das famílias (Minuchin, 2005).

Apesar da dinâmica dos fatores de risco suscetíveisde desencadear práticas parentais, que podem afetar o bem-estar e a integridade física e psicológica das crianças e adolescentes, importa ainda salientar os fatores que contribuem para a adaptação pessoal e social positiva do indivíduo, apesar da sua exposição a riscos muito significativos (Azevedo & Maia, 2006). Face a situações de adversidade, os indivíduos podem recorrer a diversas estratégias de coping (Folkman & Lazarus, 1980), de forma a diminuir sentimentos de mal-estar decorrentes das mesmas (Lisboa et. al., 2002).

Nesta perspetiva, importa mencionar o conceito de resiliência face às adversidades e às capacidades individuais para ultrapassar as mesmas, que constituem uma área profícua, no que respeita às investigações desenvolvidas, com vista à melhoria sobre o conhecimento ao nível dos percursos desenvolvimentais nas abordagens das populações e em indivíduos expostos ao risco (Lemos, 2007). Neste sentido, a resiliência pode ser definida pela capacidade dos indivíduos em conseguir uma adaptação favorável e um funcionamento competente, apesar da sua exposição a acontecimentos adversos ou traumas severos ao longo do tempo (Rodrigo et al., 2008), tornando- se por isso necessário conhecer os seus recursos internos e externos, bem como a forma e a trajetória do risco é ultrapassada ou atenuada (Lemos, 2007).

Nestes termos, a resiliência carateriza-se sobretudo por um processo dinâmico de carácter evolutivo que implica uma adaptação pessoal e social positiva do indivíduo, apesar da sua exposição a riscos muito significativos (Luthar, Cicchetti, & Becker, 2000), que resulta de uma boa capacidade para utilizar os recursos internos e externos que vão permitir lidar de forma bem- sucedida com a adversidade. Com efeito, a resiliência familiar remete para os processos que possibilitam às famílias que têm que lidar com situações de crise e de stresse crónico, sair fortalecidas dessas situações, entre os quais podemos identificar a coesão e a coerência familiar, os sistemas de crenças das famílias, atribuição de significado à adversidade, flexibilidade na mudança, procura de apoios e de adaptação da família. Por sua vez, a resiliência parental é entendida como um processo dinâmico que permite aos progenitores desenvolver uma relação protetora e sensível às necessidades dos filhos, apesar de experimentarem situações, que potenciam comportamentos suscetíveis de configurar situações de maus-tratos infantis (Rodrigo et al., 2008).

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Assim, o estudo das famílias em risco psicossocial implica por um lado, assinalar os diversos fatores de risco que gravitam sobre a família, como também considerar os fatores de proteção que a família dispõe para lidar com os mesmos, na medida em que a forma pela qual confluem e coexistem, em cada família em particular, definirá a qualidade das relações no seu interior, os contextos dos sistemas familiares, as relações com o exterior e a projeção do futuro da família no seu conjunto e de cada um dos seus membros (Palacios & Rodrigo et al., 1998).