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A complexidade da noção de família como sistema, a partir da qual um funcionamento familiar saudável depende de padrões interativos e circulares mais complexos, tem vindo a ser objeto de reconhecido interesse científico pelo estudo das relações familiares, consubstanciado pelo desenvolvimento de modelos, técnicas e instrumentos que permitam compreender e aceder à análise quantitativa das informações obtidas através do sistema familiar (Von Bertalanffy, 1962). Atualmente existe um certo consenso em considerar que alguns sistemas familiares, os padrões de interação e o papel desempenhado pelos membros que constituem a família podem favorecer situações disfuncionais que impedem a família de enfrentar com êxito as exigências do seu meio (Howes, Cicchetti, Toth, & Rogosch, 2000), pelo que a avaliação do funcionamento familiar com base em procedimentos rigorosos, tornou-se uma necessidade objetiva e real para a prática psicológica (Schmidt, Barreyro, & Maglio, 2009).

Olson, Sprenkle e Russell (1979) desenvolveram o modelo circumplexo dos sistemas familiares e conjugais, que se caracteriza por ser um modelo sistémico, com o objetivo de operacionalizar distintos modos de funcionamento das famílias, com base numa matriz compreensiva da saúde familiar, que visa a compreensão do funcionamento familiar e conjugal, e tem sido utilizado com propósitos clínicos, fins terapêuticos e como modelo teórico para vários estudos de investigação (Ben-David & Sprenkle, 1993; Curral et. al., 1999; Green, Harris, Forte, & Robinson, 1991; Hidalgo et al., 2009; Noller & Shum, 1990; Place, Hulsmeier, Brownrigg, & Soulsby, 2005; Ribeiro, Pires, & Sousa, 2004; Rodick, Henggler, & Hanson, 1986; Schmidt, et al., 2009; Vickers, 2001; Zdanowicz et al., 2011).

O modelo circumplexo dos sistemas familiares e conjugais é considerado um dos modelos com maior relevância na compreensão dos sistemas familiares (Noller & Shum, 1990), e revela- se particularmente útil para o diagnóstico relacional da família, na medida em que procura descrever o funcionamento familiar, que integra duas dimensões fundamentais, a coesão e a adaptabilidade (Olson, et al., 1979), designadas como dimensões básicas das interações familiares (Kunce & Priesmeyer, 1985), e uma dimensão facilitadora, a comunicação, proposta posteriormente por Olson e colaboradores (1983), frequentemente consideradas componentes relevantes nos modelos familiares e nas abordagens de terapia familiar (Kouneski, 2000; McClanahan, 1998; Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003). A proposta refletida nestas dimensões surgiu de uma extensa revisão teórica e do agrupamento de mais de 50 conceitos utilizados por

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diversos autores para descrever a complexidade da dinâmica familiar e conjugal e definir a saúde da família (Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003).

A coesão familiar refere-se aos laços familiares, ao apoio, à implicação familiar, os limites ou fronteiras internas e externas, os processos de tomada de decisão, as alianças entre pais e filhos, a autonomia, os amigos, os interesses, o uso do tempo e de lazer (Maynard & Olson, 1987; Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003). A adaptabilidade refere-se à estrutura de poder na família (liderança e disciplina), o estilo de negociação, as funções e as regras de interação (Maynard & Olson, 1987; Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003). Neste sentido, a coesão familiar reflete o sentimento de pertença e de apoio e revela a intimidade emocional entre os seus membros, e a adaptabilidade reflete o poder e a influência dos familiares entre si (De Antoni, Martins-Teodoro, & Koller, 2009).

A coesão familiar pode ser definida como o vínculo emocional ou os laços afetivos existentes entre os membros do sistema familiar e remete para o grau de autonomia individual versus separação que cada membro experimenta nesse mesmo sistema (Olson, et al., 1979; Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003). A adaptabilidade familiar refere-se à capacidade do sistema familiar para promover mudanças ao nível da sua estrutura de poder, interação de regras e papéis (Olson, et al., 1979; Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003), em função das situações, contextos ou momentos de crise específicos do desenvolvimento (Place et al., 2005; Rodrigo et al., 2008), que remete por um lado para a capacidade da família em planificar situações de mudança, e por outro enfrentá-las de forma adaptativa.

Por sua vez, a comunicação, enquanto matriz das interações familiares (Prioste, Cruz, & Narciso, 2010), inclui conceitos como a escuta ativa, habilidades do emissor, respeito, consideração, empatia, clareza e liberdade de expressão, e é considerada uma dimensão critica e facilitadora, que tem por objetivo facilitar o movimento das dimensões coesão e adaptabilidade familiar, motivo pelo qual não está representada graficamente (Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003). A comunicação apresenta uma relação linear com o sistema familiar, na medida em que quanto melhor a comunicação familiar melhor o funcionamento familiar (Martínez-Pampliega, Iraurgi, & Sanz, 2011). Os sistemas familiares equilibrados tendem a apresentar melhor comunicação do que os sistemas familiares desequilibrados (Olson, 2000), nos quais a sua estrutura e dinâmica geram atitudes e comportamentos negativos que afetam os níveis comunicacionais, e por sua vez a satisfação pessoal e familiar percebida como desfavorável (Sobrino, 2008).

No modelo circumplexo dos sistemas familiares e conjugais colocou-se a hipótese de que a combinação das dimensões coesão e adaptabilidade familiar estabelece uma tipologia de padrões transacionais constituída por vários níveis, que permite desenhar um mapa compreensivo

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da saúde familiar (Maynard & Olson, 1987), no qual se estabeleceu que níveis moderados seriam os mais adequados para o funcionamento equilibrado de uma família e níveis mais extremos seriam considerados como mais problemáticos (Olson, 2000). Este modelo teórico para além de definir as dimensões de coesão e adaptabilidade familiar como as mais importantes evidências do funcionamento familiar considera que as “famílias sem problemas” (i.e. não clínicas) apresentam níveis médios nas duas dimensões, ao invés das famílias clínicas com diversos tipos de problemas (perturbações do comportamento, alcoolismo, doença mental, abuso sexual, entre outros) que tendem a apresentar valores mais extremos (Olson, 1986).

Neste sentido, o modelo circumplexo postula que a dimensão da coesão familiar apresenta quatro níveis distintos que permitem classificar o funcionamento familiar: desligada (coesão extremamente baixa), separada (coesão baixa a moderada), ligada (coesão moderada a alta) e emaranhada (coesão extremamente alta) (Olson, 2000). Assim, nos níveis considerados equilibrados (separada e ligada) existe uma maior funcionalidade familiar entre os seus membros, ao longo do ciclo de vida, sendo os indivíduos capazes de oscilar entre os outros níveis em situações de crise familiar, não se verificando o mesmo nos níveis mais extremos, considerados como desequilibrados. Nos níveis mais equilibrados, uma família caracterizada por uma relação separada denota alguma separação emocional entre os seus membros (mas não extrema), por outro lado, uma relação ligada exprime uma maior proximidade emocional e lealdade entre os seus membros. Nos níveis mais extremos, uma relação desligada caracteriza-se por uma separação emocional e evidencia pouco envolvimento entre os membros da família. Por sua vez, uma família emaranhada define-se por uma extrema ligação emocional e uma grande dependência entre os seus membros, observando-se pouca diferenciação do self (Olson, 2000).

Em conformidade com o modelo, o autor identificou também quatro níveis de adaptabilidade familiar que permitem considerar quatro formas distintas de funcionamento familiar: sistemas rígidos (adaptabilidade extremamente baixa), estruturados (adaptabilidade baixa a moderada), flexíveis (adaptabilidade moderada a alta) ou caóticos (adaptabilidade muito alta) (Olson, 2000). Nos níveis considerados mais funcionais, estruturados e flexíveis, existe um equilíbrio entre a estabilidade e a mudança, verificando-se uma tendência para a família ser mais equilibrada, ao longo do tempo, conducente a um melhor funcionamento familiar e conjugal. Os sistemas familiares estruturados, regra geral, exprimem uma liderança democráticae evidenciam adaptações nos papéis e regras familiares incluindo a participação das crianças, e os sistemas familiares flexíveis denotam uma liderança igualitária e democrática, que incluem ativamente as crianças, cujas regras e papéis são partilhados e adequados às idades dos filhos (Olson, 2000).

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No caso dos níveis mais extremos, rígidos e caóticos, considerados como mais problemáticos para o funcionamento das famílias, verifica-se que nos sistemas familiares considerados rígidos, um dos membros controla a dinâmica familiar impondo rigidez de papéis e inflexibilidade nas regras, e nos sistemas familiares caóticos, os papéis não se encontram bem definidos, podendo frequentemente ocorrer trocas de papéis entre os seus membros (Olson, 2000). Para que o funcionamento familiar seja adequado, os subsistemas devem ser claros (Minuchin, 2005), e a principal característica de uma família funcional constitui a promoção do desenvolvimento saudável de todos os seus membros, para o qual se considera fundamental dispor de hierarquias e limites claros, papéis definidos, comunicação aberta e explícita e capacidade de adaptação frente à mudança (Herrera, 2009).

De acordo com o modelo circumplexo, os diferentes níveis familiares de cada dimensão, coesão e adaptabilidade familiar, permitem também categorizar as famílias em 16 tipos específicos, que podem ser agrupados e classificados num contínuo geral de saúde familiar em quatro tipos: equilibrados (muito ligadas e flexíveis, ou funcionais), moderadamente equilibrados, meio-termo e extremos (pouco ligadas e rígidas, ou disfuncionais).

Os sistemas familiares e conjugais equilibrados tendem a ser mais funcionais, ao longo do ciclo de vida, do que os desequilibrados (Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003), na medida em que as famílias equilibradas nas dimensões da coesão e adaptabilidade familiar tendem a funcionar de uma forma mais satisfatória do que as famílias que apresentam comportamentos extremos numa das duas dimensões caraterizadas por uma elevada dependência ou separação entre os seus membros e rigidez na aplicação de regras ou disciplina em resposta a novas situações (Rodrigo et al., 2008). Este modelo estabelece também que os sistemas familiares e conjugais equilibrados tendem em geral a apresentar uma melhor comunicação do que os sistemas disfuncionais, em virtude de que as habilidades comunicacionais positivas facilitam os sistemas familiares e conjugais a manter o equilíbrio entre as duas dimensões, ao invés de uma comunicação pobre que constituiu um impedimento observado nos sistemas familiares disfuncionais, que aumenta a possibilidade destes sistemas se manterem em níveis mais extremos (Olson, 2000). Na figura 2.4, apresentamos uma adaptação do Modelo Circumplexo dos Sistemas Familiares e Conjugais (Olson, 2000).

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Figura 2.4. Modelo Circumplexo dos Sistemas Familiares e Conjugais. Fonte: Olson, (2000).

De acordo com este modelo teórico, a combinação das dimensões, coesão (vínculo emocional) e adaptabilidade (mudança e flexibilidade do sistema familiar), assume uma relação simétrica e interpretação curvilínea com o modo de funcionamento da família (Burr & Lowe, 1987), sugerindo que pontuações baixas ou altas de coesão e adaptabilidade indicam um funcionamento familiar desequilibrado com tendência a experimentar mais problemas nas suas relações e adaptabilidade ao longo do tempo e pontuações médias estariam ligadas a um funcionamento familiar e relacionamentos mais saudáveis (Olson, 1986; Olson et al., 1983; Olson 2000).

No modelo circumplexo, a interpretação curvilínea implica que o funcionamento familiar saudável em relação à coesão familiar se produza quando os membros da família sejam capazes de ser independentes e ao mesmo tempo estar unidos à sua família (Noller & Shum, 1990; Olson

BAIXA DESLIGADA COESÃO SEPARADA LIGADA ALTA EMARANHADA A D A P T A B I L I D A D E CAÓTICA SEPARADA FLEXIVEL

SEPARADA FLEXIVEL LIGADA

CAÓTICA LIGADA FLEXIVEL DESLIGADA FLEXIVEL EMARANHADA ESTRUTURADA

SEPARADA ESTRUTURADA LIGADA

ESTRUTURADA

DESLIGADA ESTRUTURADA EMARANHADA

RÍGIDA

DESLIGADA LIGADA RÍGIDA

CAÓTICA

DESLIGADA EMARANHADA CAÓTICA

RÍGIDA DESLIGADA

RÍGIDA EMARANHADA

EXTREMOS MEIO-TERMO EQUILIBRADOS

ALTA CAÓTICA FLEXÍVEL ESTRUTURADA BAIXA RÍGIDA

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& Gorall, 2003). Quanto à adaptabilidade, o funcionamento adaptativo requer que a família disponha de um conjunto de comportamentos e habilidades comunicacionais, que lhe conferem a capacidade para adaptar-se, em função das influências externas e mudanças evolutivas, de uma forma organizada e consistente, que não comprometa a identidade do sistema familiar (Olson & Gorall, 2003), implicando manter um equilíbrio adequado entre a promoção da estabilidade do sistema e os processos de mudança, como também favorecer estruturas de poder e mudanças na organização familiar, que por sua vez permitem manter a hierarquia interna da autoridade parental (Smith, 1996).

O modelo circumplexo caracteriza-se por ser um modelo dinâmico, na medida em que assume que as mudanças podem ocorrer nos sistemas familiares e conjugais, ao longo do tempo, em qualquer direção em função das situações, etapas do ciclo de vida ou socialização dos seus membros (Olson, 2000), considerando que níveis de coesão e de adaptabilidade equilibrados são promotores de um funcionamento familiar saudável, ao contrário de níveis de coesão e adaptabilidade desequilibrados associados a famílias com problemas funcionais. As famílias necessitam de estabilidade, porém a estabilidade e a mudança são necessárias, na medida em que a capacidade da família para promover a mudança quando apropriada, constitui uma das características que distingue a funcionalidade da disfuncionalidade das famílias (Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003).

Com base numa interpretação curvilínea do modelo circumplexo, a disfunção familiar produz-se nas famílias com níveis extremos (altos ou baixos) de coesão ou de adaptabilidade, a partir das quais pode resultar num funcionamento pouco adaptativo e, consequentemente, um mau prognóstico para o desenvolvimento individual e familiar. Nesta perspetiva, pontuações extremas nas dimensões coesão e adaptabilidade familiar remetem para a disfunção familiar observada em famílias emaranhadas (coesão extremamente elevada), famílias desligadas (coesão extremamente baixa), famílias caóticas (adaptabilidade extremamente elevada) e famílias extremamente rígidas (adaptabilidade extremamente baixa) (Smith, 1996).