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Enquadramento Jurídico-Legal das Crianças e Jovens em Perigo

O enquadramento jurídico-legal vigente em Portugal em matéria de crianças e jovens em situação de perigo tem vindo a manifestar, na última década e meia, através de um conjunto de diplomas orientadores, ao nível dos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, do Ministério da Justiça e do Ministério da Educação, uma crescente preocupação no sentido de evitar situações de risco ou perigo, suscetíveis de afetar a sua segurança, formação, educação, saúde e desenvolvimento integral.

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A Constituição da Republica Portuguesa nos artigos 67º, 69 e 70, reconhece a família como elemento fundamental da sociedade, e atribui à sociedade e ao Estado o dever de proteção da família, das crianças e dos jovens, tendo em vista o seu desenvolvimento integral, conferindo um direito especial de proteção às crianças órfãs, abandonadas ou privadas de um adequado ambiente familiar.

À luz do preceituado na Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), foi aprovada pela Assembleia da República, a institucionalização da proteção de crianças e jovens em perigo, e ao mesmo tempo a criação da atual identidade das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens. Pelo mesmo diploma legal, foram também regulamentadas todas as competências das entidades envolvidas, bem como a composição e estrutura das CPCJ e áreas de intervenção de cada uma das entidades integradoras.

Em janeiro de 2001, entrou em vigor a lei 147/99 de 1 de setembro, que veio reestruturar, após uma década, as Comissões de Proteção de Menores, dotando-as com novas atribuições e com um novo estatuto, permanecendo o tribunal apenas como subsidiário das novas comissões de proteção de crianças e jovens em perigo.

A Lei n. 31/2003, de 22 de agosto, altera vários artigos do Código Civil e procede também à alteração de diversa legislação regulamentadora no que respeita à proteção de crianças e jovens. A nova Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro, promove a segunda alteração da lei 147/99, de 1 de setembro, no que se refere a vários artigos incluindo e acautelando novas realidades do mundo atual. O Decreto-Lei n.º 98/98, de 18 de abril, criou e regulamentou a entidade que tutela as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens designada por Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, que recentemente foi objeto de revogação pelo Decreto-Lei n.º 159/2015, com a finalidade de fortalecer a capacidade de intervenção da Comissão Nacional, que procedeu à criação da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, no qual define a respetiva missão, atribuições, tipo de organização interna e funcionamento.

De acordo com o disposto no art.º 3.º, ponto 1, a Lei de proteção de crianças e jovens em perigo, a legitimidade no âmbito da intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, por parte das comissões de proteção “tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de forma adequada a removê-lo”.

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Nesta conformidade, a missão das comissões de proteção de crianças e Jovens em perigo e dos tribunais, e em presença das correspondentes medidas de interesse e proteção das crianças e jovens, deve ser sempre tida em consideração e ao abrigo da lei, a natureza do abuso, o ponto de vista da criança ou do jovem, a resposta parental e o parecer técnico dos profissionais intervenientes.

O enquadramento jurídico-legal correspondente à regulação da intervenção do Estado e da sociedade junto de crianças e jovens constitui o elemento estruturante nas relações e dinâmicas sociais. Neste sentido, a construção dos conceitos de risco e perigo, que importa distinguir, envolvem diferentes dimensões sociais e normativas, entre as quais se destaca a jurídica (Carvalho, 2013). A noção de risco sendo um conceito mais amplo, implica uma visão abrangente no tempo e a eventualidade ou probabilidade do surgimento de problemas futuros, referindo-se à vulnerabilidade da criança ou jovem poder vir a sofrer de maus tratos. Por sua vez, o conceito de perigo tipificado na lei, assume um sentido mais concreto e corresponde à objetivação do risco (Borges, 2007; Direção Geral da Saúde, 2011), com implicações de danos imediatos, incluindo-se algumas das situações previstas em Portugal, na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. Na verdade, a persistência ou agravamento de fatores de risco, em simultâneo com a ausência ou ineficácia de fatores de proteção na vida de uma criança ou jovem poderão, em determinadas situações, conduzir a situações de perigo (Carvalho, 2013).

Em presença do conceito “criança em risco”, perante uma realidade cada vez mais visível no contexto de uma sociedade moderna, de natureza dinâmica e interativa, importa considerar as múltiplas abordagens, nomeadamente, clínica, psicológica, social, cultural e jurídica. As crianças e jovens em perigo são aqueles que estão expostos a situações que podem afetar, no imediato, de forma séria e grave, a sua integridade física e/ou psicológica (Melo & Alarcão, 2009), motivo pelo qual qualquer perspetiva desenvolvida em prol desta problemática impõe ao profissional uma análise baseada entre a criança, a família e o contexto do seu desenvolvimento, bem como o quadro atual das políticas públicas.

À luz da legislação publicada e também do direito português, é considerada criança o menor de 18 anos. Assim, o art.º 3.º, n.º 2, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, estabelece e considera que a criança ou jovem está em perigo quando se encontra em qualquer uma das seguintes situações: “a) está abandonada ou vive entregue a si própria; b) sofre de maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Está aos cuidados de terceiros, durante o período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e) é obrigada a atividades

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ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; f) está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; g) assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.” Cabe salientar que, o presente artigo foi objeto de alteração aprovada pela recente Lei n.º 142/2015 de 8 de setembro, que procedeu à segunda alteração da Lei n.º 147/99 de 1 de setembro, através da inclusão de uma nova alínea d), considerada no ponto 2, do respetivo artigo n.º 3, em apreço.

Em presença da redação prevista no art.º 34.º da Lei de proteção de crianças e jovens em perigo (Lei n.º 147/99), estatui-se que as medidas de promoção e proteção têm como finalidade a) afastar o perigo em que as crianças ou jovens se encontram; b) proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; e ainda, c) garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

As Comissões de Proteção ao abrigo da nova Lei n.º 142/2015 passaram a dispor de competências mais alargadas e mais abrangentes em relação às crianças e jovens. Assim, passarão a dispor de registo de reclamações que devem ser remetidas à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, para apreciação da sua motivação, realização de diligências ou emissão de recomendações, no âmbito das correspondentes atribuições de acompanhamento, apoio e avaliação. A prevalência do primado da continuidade de relações psicológicas profundas e continuidade das relações afetivas, bem como a prevalência da família na promoção dos direitos na proteção da criança e do jovem.

No que respeita aos direitos da criança ou jovem acolhido, este passa a dispor do direito de ser ouvido em todo e qualquer assunto que seja do seu interesse, de acordo com o seu grau de maturidade. A transferência da família de acolhimento tem que corresponder ao seu superior interesse, o acolhimento deve ser realizado próximo do seu contexto familiar e social e não deverá ser separado dos irmãos. Assim, para além da audição obrigatória da criança ou jovem, pais ou representante legal, o juiz sempre que o julgar conveniente e com o objetivo de melhor fundamentar a sua opinião sobre qualquer processo, pode chamar para audição, os técnicos com responsabilidade sobre a gestão e conhecimento sobre os mesmos processos, com a finalidade de prestarem os esclarecimentos suficientes e justificáveis.

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O Estado Português atento a esta realidade, cada vez mais respeitada no seio da comunidade em particular e da sociedade em geral, tem vindo a partir do início do século XX, a promover a publicação de legislação especializada na área da ação social, no sentido de evitar situações de risco ou perigo suscetíveis de afetar a segurança, formação, educação, saúde ou desenvolvimento integral, relativamente às crianças e jovens do País. Também a articulação advogada ao nível das diferentes instituições que intervêm nos processos e Tribunais de Família e Menores, constitui uma prioridade fundamental, para que a decisão final sobre o objetivo em presença obtenha um resultado satisfatório, para o bem-estar da criança ou jovem, na sua qualidade de ator principal de qualquer avaliação, inquérito ou investigação.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, através da Organização das Nações Unidas, proclamou na sua Carta que, a infância tem direito a ajuda e assistência especiais tais como: a família elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a proteção e a assistência necessárias para desempenhar plenamente as suas responsabilidades na sociedade; reconhecer que a criança para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade e compreensão; ter presente que em todos os países do mundo há crianças que vivem em condições particularmente difíceis e que importa assegurar uma atenção especial a essas crianças; ter devidamente em conta a importância das tradições e valores culturais de cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança; reconhecer também a importância da cooperação internacional para a melhoria das condições de vida das crianças em todos os países e muito especialmente nos países em desenvolvimento.

Recordando as doutas palavras proferidas pelo juiz Conselheiro Armando Leandro, os sonhos e objetivos em prol de uma visão dinâmica da criança como sujeito de direitos humanos, poderão ser atingidos se forem inspiradores de uma aposta ambiciosa de mudança, reclamando estratégias e ações diversificadas e em articulação sistémica. Exigem o esforço sério, competente, solidário, generoso, persistente, intensivo, confiante, realista mas entusiasmado, de muitos atores individuais e institucionais, capazes de ajudar à mobilização de toda a comunidade para o correspondente projeto de cidadania ativa fonte de um novo futuro mais justo e progressivo de uma sociedade democrática em busca de se constituir em comunidade ética. Nesta perspetiva, surge a necessidade de abordarmos a organização, operacionalização e coordenação dos serviços de proteção à infância e família em Portugal.

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