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O modelo circumplexo dos sistemas familiares e conjugais impulsionou a conceção de uma série de instrumentos psicométricos, que pretendem representar as várias perceções da família e avaliar a dinâmica conjugal e familiar, entre os quais destacamos a terceira versão das escalas FACES (Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scales), utilizada nesta investigação. Desde a primeira versão original deste instrumento (Olson, et al., 1979), a escala

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FACES foi gradualmente testada e aperfeiçoada, que culminou no desenvolvimento de outras três versões (Olson, Portner, & Bell, 1982; Olson, Portner, & Lavee, 1985; Olson, 2008), amplamente utilizadas no âmbito da prática clínica e em diversas investigações, com o objetivo de comprovar empiricamente a viabilidade clínica do modelo circumplexo.

A escala FACES III foi desenvolvida para avaliar as duas dimensões centrais do modelo circumplexo dos sistemas familiares e conjugais, designadamente, a coesão e a adaptabilidade familiar, cujas características juntamente com a dimensão, comunicação, foram identificadas como as mais importantes e aquelas que com denominação ou formulações teóricas diferentes são utilizadas por diversos investigadores (Ben-David & Sprenkle, 1993; Camacho et al., 2009; Cumsille & Epstein, 1994; Curral, et al., 1999; Falceto, Busnello, & Bozzetti, 2000; Kunce, & Priesmeyer, 1985; Macedo et al., 2013; McClanahan, 1998; Noller & Shum, 1990; Pérez, Nunes, Nunes, & Hidalgo, 2012; Zdanowicz, et al., 2011).

Diversos estudos empíricos têm colocado estas dimensões numa relação curvilínea com o funcionamento saudável da família (i.e. valores extremos seriam mais esperados em famílias disfuncionais e valores médios corresponderiam a indicadores de famílias funcionais para o desenvolvimento individual e familiar dos seus membros (Ben-David & Sprenkle, 1993; Camacho, et al., 2009; Garbarino, Sebes, & Schellenbach, 1984; Kouneski, 2000; Place, et al., 2005; Ribeiro, et al., 2004; Rodick, et al., 1986; Schmidt, et al., 2009, Vickers, 2001; Yahav, 2002). Apesar da grande aceitação do modelo circumplexo pela comunidade científica e clínica este modelo foi objeto de muitas críticas relativamente à sua interpretação curvilínea (Cluff, Hicks, & Madsen, 1994; Kouneski, 2000), motivo pelo qual alguns investigadores desenvolveram estudos empíricos para provar a curviliniedade e/ou linearidade do funcionamento das dimensões da coesão e adaptabilidade familiar.

Não obstante a publicação de estudos com a utilização da FACES III como expressão do modelo circumplexo, foram desenvolvidos em simultâneo outros estudos empíricos que definem as medidas da FACES III como lineares (Olson, 2000), cujas conclusões evidenciam que a coesão e a adaptabilidade familiar apresentam uma relação linear com o funcionamento familiar (Falceto et al., 2000; Green et. al, 1991; Olson & Gorall, 2003), e uma relação positiva entre a saúde mental da família e a coesão e adaptabilidade familiar (Green, et al., 1991; Martinez-Pampliega, et al.,, 2011; Noller & Shum, 1990; Olson, 1986). Por sua vez, a comunicação constitui uma dimensão facilitadora, cuja relação com o funcionamento familiar é linear (i.e., melhor, comunicação familiar, melhor funcionamento familiar) (Martínez-Pampliega et al., 2011), sugerindo que níveis lineares do funcionamento familiar podem ser mais apropriados na medição do funcionamento familiar (Green et. al, 1991).

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Por outro lado, diversos autores debruçaram as suas investigações sobre a existência de relações lineares entre as dimensões, coesão e adaptabilidade, e medidas indicadoras de saúde familiar, tendo confirmado em muitas ocasiões estas relações (Amerikaner, Monks, Wolfe, & Thomas, 1994; Anderson & Gavazzi, 1990; Barber & Buehler, 1996; Barnes & Olson, 1985; Ben- David & Jurich, 1993; Cumsille & Epstein, 1994; Falceto et al., 2000; Farrel & Barnes, 1993; Green, et al., 1991; Hampson, Hulgus, & Beavers, 1991; Kunce & Priesmeyer, 1985; Noller & Shum, 1990; Oliva et al., 2008; Olson, 1986; Smith, 1996; Zdanowicz, et al., 2011). Porém, importa sublinhar a existência de alguns estudos menos conclusivos relativamente à dimensão adaptabilidade familiar (Falceto et al., 2000; Farrel & Barnes, 1993; Hampson, et al., 1991; Noller & Shum, 1990; Yahav, 2002).

De acordo com as críticas efetuadas ao modelo circumplexo, diversos estudos constataram que as ideias contidas no modelo não se sustentaram em relação à interpretação curvilínea das dimensões coesão e adaptabilidade, e propuseram que as respetivas dimensões requerem uma interpretação linear e (Ben-David & Sprenkle, 1993; Cluff, et al., 1994; Green et al, 1991; Noller & Shum, 1990), sobretudo em famílias consideradas equilibradas e funcionais (Yahav, 2002).

Em 1986, Olson reconheceu a dificuldade da escala FACES III em demonstrar a validade do modelo circumplexo e admitiu que a escala não se mostrou adequada relativamente à medição do modelo curvilinear, na medida em que as “famílias sem problemas”, isto é, não clínicas, a coesão e adaptabilidade familiar comportam-se linearmente, constatando-se que quanto maior a saúde mental da família maior a sua coesão e adaptabilidade. Atendendo à evidência de incongruências da escala FACES III, tendo por base o modelo teórico circumplexo dos sistemas familiares e conjugais, Olson (1991), desenvolveu o modelo circumplexo familiar tridimensional (Figura 2.5), que se mostrou capaz de integrar adequadamente os resultados obtidos inerentes a uma relação linear com o funcionamento familiar (Olson & Gorall, 2003), permitindo desta forma identificar os sistemas equilibrados versus desequilibrados ao nível das dimensões coesão e adaptabilidade familiar (Olson, 2000).

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Figura 2.5. Modelo Circumplexo Familiar Tridimensional de Olson (1991).

Com base numa revisão da literatura, considera-se que avaliar as famílias com recurso à utilização da Escala FACES III e a interpretação dos resultados obtidos a partir do modelo circumplexo tridimensional, pressupõe uma avaliação linear válida baseada na interpretação teórica da saúde familiar. A partir da análise da FACES verifica-se que pontuações elevadas nas dimensões coesão e adaptabilidade indicam sistemas familiares equilibrados, enquanto pontuações baixas nas referidas dimensões remetem para um sistema familiar desequilibrado (Olson, 2000; Olson & Gorall, 2003). Os estudos desenvolvidos por Olson comprovam que as famílias não clínicas tendem a ter valores mais equilibrados e as famílias clínicas valores mais extremos e a utilização deste instrumento pretende demonstrar que as famílias equilibradas são mais funcionais do que as famílias que apresentam pontuações mais extremas.

TIPOS MEIO-TERMO TIPOS EXTREMOS FACES PONTUAÇÔES TIPOS EQUILIBRADOS CAÓTICA DESMEMBRADA RÍGIDA DESMENBRADAA RÍGIDA EMARANHADA CAÓTICA EMARANHADA FLEXÍVEL FLEXIVEL SEPARADA LIGADA ESTRUTURADA ESTRUTURADA SEPARADA LIGADA ALTA BAIXA Ad ap ta bi lid ad e Equilibrados Meio-Termo Extremos Coesão Tipos de Sistema

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Desde a perspetiva considerada pelo modelo circumplexo dos sistemas familiares e conjugais e respetiva interpretação curvilínea proposta pelo modelo, diversos autores têm observado que as famílias da população em geral apresentam pontuações que as situam num nível de um funcionamento familiar saudável, ou seja, entre equilibradas e meio-termo (Barber & Buehler, 1996; Ben-David & Jurich, 1993; Farrell & Barnes, 1993). Por sua vez, tendo por base uma interpretação linear de acordo com o modelo circumplexo familiar tridimensional, os seus autores, bem como outros estudos que utilizaram a FACES III com populações comunitárias constataram valores moderados na dimensão adaptabilidade, em presença de uma maior variabilidade da coesão familiar (Ben-David & Jurich, 1993; Forjaz, Martínez, & Cervera-Enguix, 2002; Olson et al.,1985). O modelo circumplexo familiar tridimensional estabelece que os tipos de famílias equilibradas no modelo circumplexo dos sistemas familiares e conjugais que se encontravam situados na parte central do modelo passam a situar-se na zona mais elevada, e por conseguinte, pontuações mais elevadas de coesão e adaptabilidade correspondem a famílias mais saudáveis e pontuações mais baixas remetem para famílias mais disfuncionais.

Apesar da evidência das limitações, no que respeita à disparidade das interpretações do modelo circumplexo e existência de diferentes versões da escala FACES utilizadas nos diversos trabalhos de investigação, que dificultam a comparação dos resultados obtidos entre os estudos, importa sublinhar a aplicabilidade e o aperfeiçoamento das escalas FACES, que tem contribuído para a sua efetiva utilização entre a comunidade científica e clínica (Cluff et al., 1994), permitindo deste modo dispor de informação relevante sobre o funcionamento familiar assente numa perspetiva sistémica congruente com o modelo circumplexo.

Face ao exposto, e relevância da informação obtida sobre o funcionamento familiar, que independentemente assuma uma interpretação curvilínea ou linear, os investigadores coincidem em assinalar que a coesão e a adaptabilidade familiar constituem dimensões fundamentais relacionadas entre si, embora referidas a aspetos independentes do funcionamento familiar, com uma força de associação baixa a moderada, em função do estudo de investigação em referência (Macedo et al., 2013; Maynard & Olson, 1987; Noller & Shum, 1990; Smith, 1996).

Em conformidade com a concetualização do funcionamento do sistema familiar com base nos modelos apresentados, descrição da relevância das respetivas dimensões, coesão e adaptabilidade familiar, e analisadas as principais considerações acerca da sua interpretação, passamos a debruçar-nos sobre a análise das dimensões em estudo e o funcionamento familiar em contextos de risco psicossocial.

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