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Capítulo II – Privacidade e Interoperabilidade

2.2 Interoperabilidade

2.2.1 Definição de Interoperabilidade

O conceito de interoperabilidade está muito associado à especificidade do seu contexto de desenvolvimento, o que faz com que não exista uma definição de interoperabilidade globalmente aceite (Gasser & Palfrey, 2007). Apesar de existirem muitas definições de interoperabilidade, estas não permitem uma compreensão clara deste conceito, o que dificulta os esforços de desenvolvimento e investigação (Chen, 2008). A definição mais referenciada19 sobre interoperabilidade tem origem no Departamento da Defesa dos EUA (DoD), publicada em 1977, definindo a “interoperabilidade como a capacidade dos sistemas, unidades, ou forças de

disponibilizarem serviços para, e aceitarem serviços de outros sistemas, unidades, ou forças e de utilizarem estes serviços no sentido de operarem eficazmente em conjunto” (DoD JP1-02, 2010). Esta definição reflete a perceção da necessidade de

diferentes elementos, sistemas e pessoas para trabalharem juntos (Moon, Fewell, & Reynolds, 2008).

O IEEE Standard Computer Dictionary define a interoperabilidade como “a

capacidade de dois ou mais sistemas ou componentes de trocarem dados e de serem capazes de utilizar os dados trocados” (IEEE, 1990). Isto significa que existem duas

partes na definição de interoperabilidade: (1) a capacidade de dois ou mais sistemas ou componentes de trocarem dados; e (2) a capacidade destes sistemas em utilizar os dados partilhados (Sensmeier, 2013). Desta forma a autora, para a área da saúde, refere-se à interoperabilidade como a capacidade dos SI da saúde em trabalharem em conjunto, tanto no interior como para lá das fronteiras organizacionais, com o objetivo de promover serviços eficazes de prestação de cuidados de saúde aos indivíduos e às comunidades.

De uma forma simples, interoperabilidade constitui a capacidade de pessoas, organizações e sistemas interagirem para que de uma forma eficiente e eficaz possam trocar e utilizar informação (Baird, 2007). Está relacionada com a capacidade de, sem esforço significativo, duas ou mais entidades independentes, e que operam de forma autónoma, conseguirem trocar informação e utilizar correta e convenientemente essa

19 Tendo por base artigos científicos, relatórios, standards e outros documentos governamentais, o

estudo de Ford et al. (2007) permitiu identificar 34 definições distintas de interoperabilidade e perceber quais as definições mais populares ou mais utilizadas.

informação, com vista a contribuir para o alcance de um propósito comum (Soares, 2009). O termo “interoperar” implica que um sistema realiza uma operação para outro sistema. Do ponto de vista computacional, é a capacidade de dois sistemas computacionais heterogéneos funcionarem em conjunto e darem acesso aos seus recursos de uma forma recíproca. No contexto de empresas em rede (colaboração), a interoperabilidade refere-se à capacidade de interação (partilha de dados e serviços) entre sistemas empresariais (Chen, 2008). Para o domínio do E-Government, a interoperabilidade ocorre sempre que SI independentes ou heterogéneos, ou os seus componentes controlados por diferentes jurisdições/administrações, ou por parceiros externos, trabalham em conjunto de forma coordenada e consensual (Scholl & Klischewski, 2007).

Tipos e categorias de Interoperabilidade

A perceção popular associa a interoperabilidade a conectividade. No entanto, a verdadeira interoperabilidade é muito mais do que apenas a conectividade entre sistemas (Kasunic & Anderson, 2004). De uma forma geral todos os tipos de interoperabilidade podem ser classificados em técnicos e não técnicos (Ford, Colombi, Graham, & Jacques, 2007). Exemplos de tipos de interoperabilidade técnicos incluem comunicações, eletrónica, aplicações informáticas e bases de dados. Exemplos de tipos de interoperabilidade não técnicos incluem organizacional, operacional, processos, culturas e coligações.

Chen et al., (2008) identificaram quatro categorias de interoperabilidade:

1. A interoperabilidade de dados - apresenta por objetivo a partilha e procura de informação a partir de fontes de dados heterogéneas, que podem residir em diferentes servidores, com sistemas operativos e sistemas de gestão de bases de dados diferentes. Ou seja, é necessário que diferentes modelos de dados e linguagens de pesquisa trabalhem em conjunto.

2. A interoperabilidade de serviços - relacionada com a identificação, composição e promoção de um funcionamento em conjunto de várias aplicações, as quais foram concebidas e implementadas de forma independente.

3. A interoperabilidade de processos - relacionada com a ligação de processos internos de duas organizações de forma a criarem um processo comum.

4. A interoperabilidade de negócios - apesar de diferentes modos de tomada de decisão, métodos de trabalho, legislação e culturas organizacionais, procura-se que um processo de negócio possa ser desenvolvido em conjunto.

Independentemente do seu tipo ou categoria, é unânime que a interoperabilidade abrange três dimensões diferentes: técnica, organizacional e semântica (Cechich, Gibbons, & Kesan, 2008; Vernadat, 2010; C4ISR, 1998; IDABC, 2004; Malhene, Trentini, Marques, & Burlat, 2012; epSOS, 2010):

Técnica – abrange as questões técnicas de ligação entre os sistemas,

nomeadamente: interfaces, serviços de interligação, integração dos dados e serviços de segurança.

Organizacional – focada na definição de objetivos e na modelação de

processos de negócio, proporcionando a integração de diferentes estruturas e processos internos. Contudo, há autores para os quais a interoperabilidade organizacional vai para além da vertente processual, envolvendo um conjunto de aspetos legais, políticos, culturais e estruturais que influenciam a colaboração entre entidades. Enquanto a interoperabilidade dos sistemas está relacionada com a capacidade dos sistemas ou dos seus componentes trocarem e utilizarem dados, a interoperabilidade organizacional está relacionada com a capacidade de várias unidades, fornecerem, aceitarem e usarem serviços, de modo a operarem eficazmente em conjunto (Gottschalk, 2009b).

Semântica – relacionada com a necessidade de garantir que a informação

trocada entre sistemas mantém o seu significado e é compreensível mesmo que utilizada por outra aplicação que não foi inicialmente desenvolvida para esta finalidade. Permite que os sistemas possam combinar os dados recebidos com outras fontes de informação.

Interoperabilidade versus Integração

São várias as situações em que o conceito de interoperabilidade é confundido com os conceitos de integração, ou até mesmo compatibilidade e adaptabilidade. Tanto a integração como a interoperabilidade apresentam como objetivo principal facilitar a

continuidade das operações entre entidades organizacionais, sejam elas uma única organização, organizações em rede ou organizações virtuais.

A integração entre organizações ocorre quando há a necessidade de remover barreiras organizacionais e/ou melhorar a colaboração entre pessoas, sistemas, aplicações, serviços e até mesmo empresas (especialmente em termos de fluxos de materiais, informação/fluxos de decisão e controlo, ou fluxos de trabalho). O objetivo é criar sinergias dentro da organização ou na rede de organizações, ou seja, a criação de uma situação em que o sistema integrado oferece uma maior capacidade do que a soma dos seus componentes seria capaz de oferecer (Vernadat, 2010). A integração representa assim a fusão ou a unificação de vários SI - ou dos seus elementos – anteriormente separados, e que passam a funcionar como um todo (Stelzer, Fischer, & Nirsberger, 2006). Enquanto os sistemas interoperáveis podem funcionar de forma independente, um sistema integrado perde significativamente funcionalidade se o fluxo de serviços é interrompido (Kasunic & Anderson, 2004) 20.

A interoperabilidade permite que duas ou mais entidades (da mesma organização ou de organizações diferentes e, independentemente da sua localização) sejam capazes de trocar ou partilhar informação, e usar as funcionalidades da outra organização, num ambiente distribuído e heterogéneo (Vernadat, 2010). Ao constituir a capacidade de dois sistemas se entenderem e utilizarem funcionalidades um do outro, a interoperabilidade significa coexistência, autonomia e ambientes federativos, enquanto a integração significa coordenação, coerência, uniformização e unificação (Chen et al., 2008).

A norma ISO 14258 (1999) é essencial para compreender as diferenças entre estes dois conceitos, com base nas três formas distintas de relacionamento entre duas ou mais entidades, nomeadamente através da integração, unificação e federação.

20 Autores como Jhingran, Mattos, & Pirahesh (2002) e Chen et al. (2008) identificaram várias formas

de integração. Jhingran, Mattos, & Pirahesh, (2002) identificaram quatro formas distintas de integração: (1) integração através de portais, que cria um único ponto de entrada para aplicações díspares; (2) integração de processos de negócio; (3) integração de aplicações, em que aplicações que fazem tarefas similares ou complementares comunicam entre si, tipicamente focadas na transformação de dados e passagem de mensagens e (4) integração de informações, em que dados complementares, são reunidos física ou logicamente, possibilitando o acesso a dados relevantes mesmo que não estejam diretamente sob o controlo da empresa. A proposta de Chen et al. (2008), mais simples, apresenta apenas três formas de integração: (1) integração física - ligação de vários equipamentos através de uma rede de dados, (2) integração de aplicações - integração de aplicações informáticas e sistemas de bases de dados e (3) integração de processos de negócio - coordenação de funções para gerir, controlar e monitorizar processos de negócios.

Na opinião de Chen et al., (2008) a integração e interoperabilidade são conceitos interdependentes e não podem ser separados. Contudo, os sistemas interoperáveis não necessitam de estar integrados (Kasunic & Anderson, 2004). O termo “co-

operability” é por vezes utilizado para se referir à interoperabilidade resultante de

fatores não técnicos (Rohatgi & Friedman, 2010).

A compatibilidade é também confundida com a interoperabilidade. Se a interoperabilidade é definida pela capacidade de uma entidade servir outra, então compatibilidade é definida pelo grau em que um sistema eletrónico pode operar com outro – constitui um subconjunto da interoperabilidade (Clark & Jones, 1999). Ou seja, enquanto a compatibilidade é aplicada a níveis tecnológicos, mais baixos, a interoperabilidade é aplicada a níveis organizacionais, mais altos. Enquanto a compatibilidade é claramente um requisito mínimo, o grau de interoperabilidade/integração desejado entre sistemas ou unidades é impulsionado pelo conceito operacional subjacente (Kasunic & Anderson, 2004).

Em resumo, a interoperabilidade é uma condição necessária para garantir a longevidade de integração num ambiente de TI. A interoperabilidade cria um espaço para soluções de integração que se adaptem à mudança, em vez de contra a mudança (NETHA, 2007a). A Tabela 7 permite compreender as diferenças entre estes dois conceitos, indicando os aspetos chave para a sua distinção, quer do ponto de vista técnico, quer organizacional.

Tabela 7 - Interoperabilidade versus Integração

Do ponto de vista técnico

(sistemas, dados) Do ponto de vista organizacional

Integração Fusão de sistemas, serviços, ou

produtos, num único sistema, serviço, ou produto.

Coordenação, coerência e unificação de sistemas.

Interdependência entre

organizações.

Integração dos fluxos de

informação.

Interoperabilidade Interconexão entre sistemas

Coexistência, autonomia e federação de sistemas

heterogéneos.

Relacionada com os aspetos

técnicos de comunicação, e partilha de serviços e dados entre as várias aplicações do sistema.  Desenvolvimento de capacidades e mecanismos de colaboração entre as organizações, grupos e pessoas.  Relacionada com o alinhamento de processos de negócio, estruturas organizacionais, objetivos, bases legais, culturas e métodos de trabalho.