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Ao partimos da cidade como texto, isso nos leva a pensar, obrigatoriamente no seu autor e no seu leitor potencial, uma vez que o texto é uma obra que nasce de uma pessoa que a destina para a outra. Em Ricoeur (2013), o texto alcança o seu acabamento no ato de sua leitura por seu leitor. Isso significa que não há um único autor do texto, mas ele é uma obra de coautoria: do seu autor e do seu leitor. Entretanto, a posição tanto do autor quanto do leitor se alterna constantemente, seja no ato de escrita ou no ato de leitura, fazendo assim com que o leitor se torne também o autor do texto quando o interpreta e o adapta a sua realidade. Também o autor do texto se torna leitor da nova obra reescrita pelo novo autor que era o antigo leitor.

É nessa perspectiva que consideramos a cidade enquanto texto, não como obra de uma pessoa, nem obra acabada, mas sim, de todos os seus habitantes que, diariamente dão novos sentidos e (res)significam a cidade nos seus processos comunicacionais ou socioculturais, fazendo da cidade uma obra em perpétuo devir a ser.

Isto é, analisou-se as dimensões da cidade (des)construída pela mídia enquanto autora das narrativas sobre essa cidade contemporânea, assim como as narrativas dos seus habitantes que a (res)significam, cotidianamente, nas suas ações a partir de suas experiências socioculturais que em grande parte são agendadas pela mídia.

Se a mídia, principalmente a mídia impressa, é, parcialmente, a autora da cidade- texto, seus leitores - ao fazerem o seu acabamento no momento da sua leitura, readaptando-o com seus interesses, modificando seus modos de estar e sentir na cidade - se tornam também autores desta obra aberta. Em outras palavras, como a cidade é um texto aberto - precisa do toque tanto do seu autor quanto do seu leitor - as interações que acontecem entre a instância mídia, particularmente, a mídia impressa, enquanto autor da cidade nas páginas impressas, publicadas diariamente, e a instância leitores, enquanto destinatários desse texto preste a ser apreciado e readaptado para um uso imediato ou

futuro, transformam-se, alternativamente, de uma forma pontual essas instâncias entre autor e leitor do texto, tornando-se eles coautores. Ou seja, a cidade (des)construída nas páginas dos jornais impressos é um texto de coautoria.

Portanto, na captação dessas dimensões sobre a cidade, nesta pesquisa, analisamos o texto escrito, em conjunto, nas 30 (trinta) capas selecionadas e reescrito no ato de leitura, pelas narrativas dos 15 (quinze) taxistas de Belém, selecionados e entrevistados a partir de três associações de taxistas dos seguintes bairros: Cidade Velha, Jurunas, Marambaia. É importante salientar que em cada associação, foram entrevistados cinco taxistas.

Os taxistas – coautores da cidade

Por uma questão metodológica-conceitual, por observações, in loco, de forma preliminar, o ambiente de trabalho dos taxistas, que denominamos de trabalhadores urbanos. Eles, em geral, têm o costume de ler os jornais quando estão parados nos pontos de Táxi, tanto em seus carros ou fora deles. Esses sujeitos, da pesquisa, são tomados como coautores da cidade construída nas páginas dos jornais, levando-se em conta, que devido a sua profissão, eles precisam percorrer a cidade, e ao mesmo tempo, consomem a leitura sobre a cidade enquanto texto, quando trabalham e de acordo com suas experiências do cotidiano que, muitas vezes, sofrem influência do agendamento midiático, e (re)estruturam e (res)significam a cidade.

Na coleta de dados junto aos taxistas, optou-se em aplicar o método de entrevistas semiestruturadas, considerando que a entrevista é um encontro entre duas pessoas, com objetivos de obter informações a respeito de determinado assunto. Segundo Lakatos e Marconi (2003, p. 195), “é um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social”. É uma conversação ou um processo social, conforme nos indica Gaskell (2008, p. 73), “toda pesquisa com entrevistas é um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de troca”. É interessante destacar, que não é apenas um processo de informação de mão única, de um para outro, mas “uma interação, uma troca de ideias e de significados, em que várias realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas” (GASKELL, 2008, p. 73), com o envolvimento na produção de conhecimento, mesmo de maneiras diferentes, tanto de

quem faz a pesquisa quanto de quem é entrevistado.

O uso da metodologia entrevista possibilita, segundo Duarte (2010, p. 62), identificar as diferentes maneiras de perceber e descrever os fenômenos. Esse recurso metodológico busca, “com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador, recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte. [Uma fonte previamente] selecionada por deter informações que se deseja conhecer” (DUARTE, 2010, p. 62).

Com a entrevista em profundidade é possível compreender o mundo da vida dos respondentes, afirma Gaskell.

[...] o emprego da entrevista qualitativa, [portanto, entrevista em profundidade, por exemplo, é importante] para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos [no intuito de] compreender as narrativas dos atores em termos mais conceptuais e abstratos, muitas vezes em relação a outras observações. [Assim, a entrevista] fornece dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. [Deste fato, o objetivo da entrevista é compreender detalhadamente] crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos (GASKELL, 2008,p. 65).

Neste sentido, foram aplicadas perguntas ou questões semiestruturadas por se tratar de entrevistas semiabertas ou semiestruturadas já que fora elaborada, previamente, um guia12 de perguntas em relação ao objetivo principal da dissertação. O guia e/ou roteiro aplicado foi composto de três partes: primeiro, dados socioeconômicos dos taxistas; segundo, hábitos de leitura dos jornais, com perguntas sobre a concepção do entrevistado sobre as palavras cidade, Belém, lugar que ele tem medo de circular e por fim, a sua percepção sobre as mudanças ocorridas em Belém ao longo do tempo de sua profissão; e o terceiro parte foi composta sobre a sua possível apropriação das narrativas jornalísticas.

Como critério de inclusão dos taxistas nas entrevistas foram selecionados somente aqueles com experiência profissional de mais de 18 (dezoito) anos de trabalho ou praça. Sendo que, esse método foi uma escolha pessoal, com a finalidade de fazer coincidir os anos da experiência desses profissionais urbanos com o período selecionado das edições dos dois jornais impressos analisados. Como critérios de exclusão, foram descartados das entrevistas: a) os taxistas ausentes no ponto de táxi no momento da realização da pesquisa; b) os que não fazem parte da associação de taxista visitada; e c) os que não são moradores

de Belém.

A definição do corpus de análise, se limitou em apenas 03 (três) bairros para uma cidade que tem 71 (setenta e um) bairros. Ou seja, poderia ser uma dificuldade virtual de representatividade. Virtual já que Duarte (2010, p. 68) afirma, para os estudos qualitativos, como é o nosso caso, “são preferíveis poucas fontes, mas de qualidade”. Contudo, foi o pesquisador que nos conduziu na representatividade do número de entrevistados escolhidos, quando infere que “a amostra, em entrevistas em profundidade, não tem seu significado mais usual, o de representatividade estatística de determinado universo”, uma vez que sua consecução “está mais ligada à significação e à capacidade que as fontes têm de dar informações confiáveis e relevantes sobre o tema de pesquisa” (DUARTE, 2010, p. 68).

Outro aspecto relevante nesta pesquisa foi a dificuldade em abordar os entrevistados, considerando uma certa desconfiança dos mesmos com a nossa presença e abordagem. Porém, foi necessário mais de uma visita aos pontos de táxi para ter uma aproximação com esses trabalhadores.

Sendo que, no primeiro momento, percebeu-se uma certa tensão e respostas mecânicas dos mesmos. E, para quebrar a tensão, optei em realizar as entrevistas primeiro, com duas pessoas ou integrante do Ponto de Taxi, com o objetivo de restabelecer a confiança, e no dia seguinte, retornei, com a ajuda dos entrevistados do dia anterior, ou seja, somente assim, consegui conversar com mais tranquilidade com os outros taxistas. Essa ajuda dos primeiros entrevistados foi importante porque eles passaram a convidar os outros colegas a participarem. No bairro da Marambaia, por sua localização mais distante do centro, as entrevistas aconteceram com a intermediação de uma moradora13.

A abordagem se centraliza em demonstrar a dificuldade na contemporaneidade uma vez que o estar junto na cidade, se baseia, geralmente, na desconfiança do desconhecido mesmo sem ter prova de que ele é perigoso. Como dito acima, essa desconfiança é devido a criminalidade e a insegurança que assolam as cidades brasileiras que, por exemplo, de acordo com os dados do Atlas da Violência 2017 (CERQUEIRA et al., 2017, p. 4-5), a tragédia diária dos brasileiros alcançou proporções inimagináveis no Brasil. Já que, em apenas três semanas do ano de 2017, foram assassinadas no Brasil “mais pessoas do que o total de mortos em todos os ataques terroristas no mundo nos

13 Para estabelecer um clima de confiança entre o pesquisador e os taxistas, contei com ajuda da Sra. Marie

cinco primeiros meses de 2017, que envolveram 498 (quatrocentos e noventa e oito) atentados, resultando em 3.314 (três mil, trezentos e quatorze) vítimas fatais”.

Em relação a Belém - os dados publicados neste ano (2017) sobre a prevalência da violência letal nos municípios brasileiros com uma população de mais de 100 mil habitantes - apontavam o número de 875 (oitocentos e setenta e cinco) homicídios, com a taxa de homicídio de 60,8, para uma média nacional de 32,5, Os números não melhoraram um ano depois, em 2018, pois, de acordo com os dados do mesmo Atlas, em 2018, a taxa de homicídio no município progrediu de 15, 3, ou seja, passou de 60,8 para 76,1. A situação da cidade fica mais assustadora quando, ainda em 2018, a ONG mexicana “Seguridad, Justicia y Paz” publicou o ranking das 50 cidades mais violenta no mundo em 2017, a cidade de Belém14 ficou em décima posição no mundo e terceira no Brasil, perdendo apenas para as cidades de Natal e Fortaleza.

No ano de (2017), o número do homicídio, de acordo com a ONG Seguridad, Justicia y Paz (2018, p. 3), era de 1,743 com uma taxa de 71,38 para uma população estimada a 2,441,761. Comparando a taxa da ONG com a taxa do Atlas da Violência de 2018, observamos que a taxa fornecida pela Seguridad, Justicia y Paz é bem menor do que a taxa do Atlas, mas o importante nos dados da ONG, é o seu ranking que chama atenção sobre a situação de insegurança e criminalidade causada pela violência urbana na cidade. Essa situação, acredita-se, ser uma das causas da desconfiança do outro ou do desconhecido que se aproxima como foi o caso dos taxistas a meu respeito.

Com relação às entrevistas, expliquei, quando indagado sobre cada pergunta individualmente quando se tratava de uma pergunta aberta, isto é, ao fazer a pergunta para o entrevistado, a intenção foi deixa-lo a vontade para responder e permitir que adentrasse no seu mundo, até esgotar suas ideias sobre a pergunta. E, em certos casos, fui movido a fazer perguntas secundárias para entender melhor a cosmovisão do interlocutor sobre o assunto indagado. Ao perceber que o entrevistado tinha esgotado todas as suas ideias sobre o assunto, a próximo questão era lançada até terminar o guia de pergunta.

14 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população belenense no último

censo de 2010 era de 1.393.399 pessoas, em 2017, ela era estimada a 1.452.275 pessoas implicando uma progressão populacional de ordem de 0,058876. É uma cidade que, ainda de acordo com IBGE, em 2016, tinha como salário médio mensal dos trabalhadores formais de no mínimo, 3,5 salários e tinha 29,7% da sua população ocupada. Seu PIB per capita em 2015 era de 20.340,21 R$ e seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM de 2010 era de 0.746. Para mais informações acesse: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/belem/panorama. Acessado em: 22 de julho de 2018.

No entanto, cumpre explicar, que os entrevistados foram deixados à vontade para relatarem suas histórias. Isto é, eles respondiam além da pergunta feita, outras, para evitar a redundância, deixei de lado. Isso, portanto, não invalidou as entrevistas, pois para Duarte (2010, p. 66), “a lista de questões-chaves pode ser adaptada e alterada no decorrer das entrevistas. Uma questão pode ser dividida em duas e outras duas podem ser reunidas em uma só”. É assim, adverte o autor, “é natural o pesquisador começar com um roteiro e terminar com outro, um pouco diferente”.