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5.4 NA CIDADE: SAINDO DOS BECOS DA CIDADE

5.4.1 Quando era mais novo, minha cidade era mais bonita

5.4.1.1 Operacionalização da teoria da narrativa

A partir da análise das narrativas folclóricas, operacionalizamos a teoria de narrativa em Ricoeur, com a análise do mito, assim como a teoria do imaginário em Durand. Portanto, recorremos a uma análise estrutural das narrativas, pela possibilidade de determinar, entre outros elementos: os sujeitos autores das ações narradas; a construção da narrativa; as ações narradas, e em certa medida, determinar o sentido construído na narrativa.

Para determinar os sujeitos da narrativa, de acordo com o autor, precisamos observar os personagens que realizam as ações narradas na narrativa. Assim,

[...] à cadeia de acções correspondem relações similares entre os “actores” na narrativa. Por estes não se indicam os sujeitos psicológicos, mas os papeis formalizados correlativos às acções formalizadas. Os actores definem-se apenas pelos predicados da acção, pelos eixos semânticos da frase e da narrativa: o que realiza os actos, aquele a quem se fazem os actos, com quem os actos se fazem, etc. Um é o que promete, outro o que recebe a promessa, o que dá, o que recebe, etc. A análise estrutural traz assim ao de cima uma hierarquia de actores correlativa à hierarquia das acções (RICOEUR, [1976], p. 96-97).

Na narrativa temos os atores principais e os secundários, dependendo das ações realizadas. Para determinar um personagem principal, precisamos determinar primeiro, sobre qual ação a narrativa se constrói, para depois, determinar a quem está sendo atribuída aquela ação. A partir daí, é possível identificar o ator principal e os outros, atores secundários.

Em relação à construção da narrativa, ou melhor, da intriga, ela se realiza na junção das partes soltas, geralmente, sem sentido individualmente, mas que, juntas ou associadas, formam uma história completa e coerente, detentora de sentido revelador de um mundo. Essa reunificação das partes em uma narrativa possibilita a formação de um todo e o integra novamente na comunicação dita narrativa, já que o discurso é destinado a um receptor por um narrador. Neste sentido, a análise estrutural se interessa em determinar esses dois interlocutores dentro do texto. “O narrador é designado pelos signos narrativos, os quais pertencem também à genuína constituição da narrativa” (RICOEUR, [1976], p. 97).

Em relação à análise de mito, a leitura de Durand sobre Lévi-Strauss nos dá pista da operacionalização da teoria do imaginário, que segundo Durand (1988, p. 51), o mito à diferença “da palavra que se agrupa no léxico, não vai se reduzir diretamente, através da contingência de uma língua, a um sentido funcional. É bem verdade que ele constitui

uma linguagem, mas uma linguagem acima do nível habitual da expressão linguística”. Neste sentido, para o autor, “a fonologia ‘recusa-se a tratar os termos como entidades independentes, tomando como base de sua análise, ao contrário, as relações entre os termos’ [o que possibilita a] decifrar um conjunto simbólico, um mito, reduzindo-o” (DURAND, 1988, p. 52), no que o autor considera “relações significativas”, e que corresponderia, pensamos, de “feixe de relações” na qual, as relações ao se combinarem ou ao serem usadas, produzem sentido na leitura Ricoeuriana de Lévi-Strauss.

Para Durand (1988), a fonologia abandonaria e ultrapassaria pequenas unidades semânticas: fonemas, morfemas, semantemas – como apontou também Ricoeur – para o dinamismo das relações entre fonemas. Durand vai assinalar por analogia, que “a mitologia estrutural nunca se limitará a um símbolo separado do seu contexto: ela terá por objeto a frase complexa na qual se estabelecem relações entre os semantemas e é essa frase que constitui o mitema” (DURAND, 1988, p. 52). Diferentes mitemas149,

[se] alinham em sistemas de afinidades estabelecidas entre si. [Que podem se organizar] em classes de relações semelhantes, classifica-los em ‘pacotes sincrônicos’, que escondem, por uma espécie de repetição, de ‘redundância’ estrutural, o fio da narrativa mítica” [Neste sentido, para o autor, os símbolos são reduzidos em mitemas alinhados em] “colunas sincrônicas” (DURAND, 1988, p. 53).

Em outras palavras, tanto para o funcionalismo quanto para o estruturalismo, ambas reduzem estritamente, para o autor, o símbolo a seu contexto social, sintático ou semântico. Ou seja, reduzem o símbolo ao signo. No entanto, continua Durand, mesmo se o símbolo remeter a uma determinada coisa, isso não quer dizer que ela se reduz unicamente a ela, coisa. É assim que o autor deixa o que chama das “hermenêuticas redutoras”, baseadas na psicanálise e na etnologia para as “hermenêuticas instauradoras”. Sem querer esgotar o assunto sobre estas últimas, o que nos interessa é o diálogo do Durand com autores como Cassirer, Kant, Jung, Bachelard que nos aponta que o problema do símbolo não está, essencialmente no seu fundamento, mas sim, “da expressão imanente ao próprio simbolizante” (DURAND, 1988, p. 58). E que o “símbolo, então, nos revela um mundo e a simbólica fenomenológica explicita a esse mundo que [...] é eticamente primordial, dirigente de todas as descobertas do mundo” (DURAND, 1988, p. 69-70).

149 Mitema para Durand que cita Lévi-Strauss seria uma “‘grande unidade constitutiva’ que, por sua

Assim, para o autor, “pela faculdade simbólica, o homem não só pertence ao mundo superficial da linearidade dos signos, ao mundo da causalidade física, mas também ao mundo da emergência simbólica, da criação simbólica contínua” (DURAND, 1988, p. 61). O simbolismo passaria a ser estruturador da individuação de sujeitos. Individuação, segundo Durand, em que o “eu” conquistará pela equilibração ou sintetização da consciência clara – coletiva em parte – e o inconsciente coletivo. Neste sentido, o símbolo seria, “mediação, porque é equilíbrio que esclarece a libido inconsciente pelo ‘sentido’ consciente que lhe dá, mas lastrando a consciência através da energia psíquica que veicula a imagem. Sendo mediador, o símbolo será igualmente constitutivo da personalidade” (DURAND, 1988, p. 63), por intermédio do processo de individuação.

Deste fato, para a sua “antropologia arquetipológica”, Durand estabelece um diálogo profícuo com Bachelard quando este divide o símbolo em três setores que, ilustrativamente, apresentamos, mas reservamos um interesse particular, no terceiro, definidos como: setor do sonho, da neurose e da linguagem. Linguagem que para o autor, “permite às funções realmente humanizantes do homem funcionar totalmente, estar além da objetividade seca ou da subjetividade viscosa” (DURAND, 1988, p. 66). Isto implica para o autor, que o homem disporia de dois mecanismos de transformação do mundo: a “objetivação” da ciência e a “subjetifivação” da poesia.

Em Bachelard, aponta Durand (1988, p. 66), a hermenêutica não teria mais “a ver com a análise, com o método das ciências da natureza” (DURAND, 1988, p. 66) o que lhe levou a adotar a fenomenologia, portanto, da fenomenologia do imaginário, como método. Neste sentido, “o imaginário, para o autor, confunde-se então com o dinamismo criador, a amplificação ‘poética’ de cada imagem concreta” (DURAND, 1988, p. 68).

Contudo, mesmo apontando o mérito de Bachelard, no avanço do conhecimento interpretativo, por considerar a função e produção simbólica humanas, o autor delimita este avanço e advoga para uma generalização da chamada “antropologia do imaginário”, que seria “uma reintegração maior das potências imaginativas no cerne do ato de consciência” (DURAND, 1988, p. 74). Esta generalização, nos leva, ao centro da teoria do Durand, a “teoria geral do imaginário” entendida como,

[...] função geral de equilibração antropológica; depois, dos níveis formadores das imagens simbólicas, [...]; finalmente, a generalização tanto estática como dinâmica da virtude da imaginação desemboca numa metodologia que já é uma ética e que esboça uma metafísica [metafísica que] através da própria generalização de seu ponto de aplicação, implica a convergência dos métodos, a convergência das hermenêuticas [redutoras e instauradoras] (DURAND, 1988, p. 76).

Por essa teoria, percebeu-se, por exemplo, que não importa mais o regime em que pertença as imagens. No entanto, com a duração pragmática e os acontecimentos, elas, imagens, se organizam no tempo, isto é, para o autor, criam uma história a partir de instantes psíquicos. Sem esgotar o assunto sobre a “teoria geral do imaginário”, aqui, nos cumpre, apresentar ou nivelar o abismo entre as hermenêuticas, que reduzem o símbolo ao signo e que demasiadamente o amplificam. Em diálogo com Ricoeur, o autor aponta que este caminha na mesma direção da convergência de duas hermenêuticas, uma vez que o símbolo, em geral, tem duplo sentido, portanto, é duplo no sentido que o significante, arqueologicamente, organiza-se entre dois polos: “os determinismos e os encadeamentos causais, é ‘efeito’, sintoma; mas, portador de um sentido, orienta-se para uma escatologia tão inalienável como as colorações que lhe são dadas pela sua própria encarnação numa palavra, um objeto” (DURAND, 1988, p. 95), portanto, situado no tempo e espaço.

Enquanto, na teoria Durandiana nos leva a um terreno de pensamento complexo, o pensamento humano recheado de imagens, representações, narrativas, mitos, tabus, interditos, de valores antagônicos, portanto, de um pensamento plural, coerente em que “o significante temporal, material, ainda que distinto e inadequado, se reconcilia com o sentido, com o significado fugaz que dinamiza a consciência e salta de redundância em redundância, de símbolo em símbolo” (DURAND, 1988, p. 96).

Na teoria Durandiana, escolhemos, como anunciado mais acima, “a gramática do imaginário”, como dispositivo de análise dos dados coletados. A gramática faz parte do “balanço conceitual e o novo método” dividido em três partes: primeiro, o alógico do imaginário que tem três pontos: o pluralismo específico e as classificações; a lógica do mito e a gramática do imaginário. Segundo, a tópica sociocultural do imaginário e por fim, a dinâmica do imaginário: a bacia semântica.

Contudo, optou-se pela gramática do imaginário por nos permite perceber como, por exemplo, certos lugares ou pessoas são objetivados através da relativização de nome próprio. Contudo, em diálogo com o autor, esta relativização não é o estado civil que determina a identificação, por exemplo, de uma pessoa, mas a partir dos seus atributos. Entretanto, os atributos são subentendidos por um verbo enquanto “parte do discurso que exprime a ação” (DURAND, 1988, p. 79) e que desenha a matriz arquetípica verdadeira. Em outras palavras, “a qualidade adjetiva importa mais à imaginação diurna que o elemento substancial, e que o próprio adjetivo se reabsorve sempre no gesto homocêntrico, no ato que o verbo traduz e que o suporta” (DURAND, 1997, p. 179).

Assim, para o autor, o adjetivo aparece, na sua gênese psicológica, como epicatate, quer dizer, mentalmente pregado na substância, no substantivo, pela razão muito simples de o adjetivo ser mais geral que o substantivo, quer dizer, aparenta-se aos grandes esquemas verbais que constituem a subjetividade do imaginário (DURAND, 1997, p. 175).

Assim, que há uma forma de primazia do verbo sobre o seu sujeito. Isto representa uma grande importância na nossa análise, uma vez que lidamos com as produções midiáticas e também as entrevistas, em que o verbo utilizado é capital na determinação da ação narrada, e indiretamente, do personagem ator da ação.