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Entendemos como geomidiatização da cidade pela mídia, a (des)construção e (re)estruturação da cidade através de um conjunto de estratégias midiáticas, geralmente baseadas no medo, para seu “controle” e sua “administração”. Uma observação desinteressada levaria a entender a geomidiatização38 como uma junção mecânica de dois palavras: a geografia enquanto estudo do espaço geográfico e da midiatização enquanto processo de interdependência entre a mídia e a sociedade, assim que a virtualização de processos socioculturais e comunicacionais (KABUENGE, 2016; VERÓN, 2014). No entanto, a geomidiatização não se limita a junção mecânica das palavras midiatização e geografia, mas sim, remete aos processos comunicacionais e comunicativos colocados em práticas pela mídia, na (des)construção e (re)estruturação de um determinado espaço, no caso, a cidade, no intuito de assegurar seus interesses socioeconômicos enquanto instituição. Melhor dizendo, a geomidiatização remete às práticas ou ações comunicativas e comunicacionais da mídia na produção e controle da cidade.

Concretamente, observamos a geomidiatização da cidade pela mídia através de uma prática, estrategicamente bem executada, de dividir, através de um binômio valorativo de qualificação da cidade entre centro – periferia; segura – insegura; terra sem lei – terra com lei, desenvolvida – não desenvolvida; moderna – atrasada, urbanizada –

38 Este conceito apresenta algumas similaridades construtivas com o conceito de geomidiática apresentado

por Giraldi uma vez que junta o espaço geográfico com a mídia. E que os dois conceitos derivam do conceito da geopolítica. No entanto, a geomidiatização se afasta da geomidiática uma que esta última não versa diretamente sobre as estratégias do exercício e controle do poder da mídia nas suas práticas de (des)construção de um território. Pois, para Giraldi (2014, p. 15) é “aqui entendida como a difusão de informações, por meio da mídia, da realidade social entendida e interpretada pela imprensa”.

desurbanizada, entre outras divisões. Apesar desse binômio não ser uma invenção exclusiva da mídia, ela ganha uma outra conotação quando se configura como uma estratégia de publicização e de dar visibilidade a certos acontecimentos quando silencia ou abafa outros. Assim, a geomidiatização, se baseando no que Kabuenge (2016, p. 61) entende como uma racionalidade do “eu vejo, logo acredito”, operacionaliza-se através da “retorica de mostrar escondendo ou de esconder mostrando”.

O binômio, a partir do qual se (des)constrói a cidade por meio da geomidiatização pode aparecer como natural e ingênuo, no entanto, é um dispositivo de hierarquização, de classificação e separação que permite a mídia, atribuir, através de suas narrativas, um valor a um lugar, espaço ou uma cidade inteira. Valor que vai facilitar, dependendo de interesses envolvidos, a visibilização ou o abafamento de lugares e acontecimentos. Por exemplo, no caso da “periferia”, através do binômio, ela é classificada como violenta em oposição ao centro considerado, erroneamente, como seguro. É a partir desse binômio que facilmente elabora-se a cena do medo e geografia do medo e se naturaliza a fala do crime.

Percebemos assim, que a geomidiatização não somente hierarquiza ou classifica os lugares, mas também, seus moradores. Geralmente, os moradores da “periferia” da cidade são considerados, nas narrativas jornalísticas, principalmente, mas também, em todas as narrativas do cotidiano, sem provas, como potenciais “malfeitores”, portanto, capazes de cometer crime. Assim, suas mobilidades da “periferia” para o centro, sempre causam medo já que eles se encontram “fora do seu lugar” (TOLSTÓI, 2009, p. 8).

Percebe-se, sob a luz da geomidiatização da cidade de Belém, nas narrativas dos impressos paraenses, O Liberal e o Diário do Pará, que eles, sempre evidenciam, os acontecimentos violentos, principalmente, os assassinatos, homicídios e tráfico de drogas, nas áreas que eles consideram como “periféricas” da cidade. A publicização e a visibilização dessas ocorrências não desmentem a realidade vividas nessas áreas por seus moradores, já que cotidianamente, as notícias provindas dessas partes da cidade de Belém, são geralmente de violência.

No entanto, a violência urbana não é o único problema que preocupa os moradores dessas áreas da cidade. Mas, como a sua (des)construção respeita uma gramatica geomidiática de hierarquização e classificação de lugares e indivíduos, evidenciar a violência nessas partes visa, apresentá-los e seus moradores como violentos. No entanto, sabemos que isso não seria uma verdade já que a violência urbana, é um fenômeno social difuso que não tem uma geografia fixa. No caso, localizada na “periferia” da cidade.

Souza, M. L. (2008), em suas pesquisas sobre a distribuição geográfica da violência nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, através do que qualificou como “ubiquidade do risco”, afirma, a geografia da violência não é uma realidade circunscrita somente em um lugar da cidade, no caso, a “periferia”, mas uma realidade difusa e ubíqua. Isto é, afeta todos os lugares da cidade e todos os seus habitantes seja nas favelas ou nos condomínios luxuosos. A tendência em limitar a violência urbana em determinados lugares da cidade, segundo Souza, M. L. (2008, p. 54) é devido ao risco que “não se apresenta em todos os locais e momentos com a mesma intensidade”. No entanto, considerar a “periferia” da cidade como único lugar da cidade violento, é jogo de criança já que, para o autor, “o sentimento de insegurança como que se ‘deslocaliza’ mais e mais e se torna quase que ubíquo em algumas grandes cidades” uma vez que “uma bala perdida de fuzil pode tirar a vida em qualquer lugar – no beco de uma favela e dentro do apartamento de classe média”. Também, “nem shopping centers e nem mesmo bancos ou ‘condomínios exclusivos’, com todo o seu aparato de segurança, são completamente seguros”. Ou os “prédios de apartamentos da classe média alta são invadidos e saqueados com frequência”.

Se o autor, trata, principalmente da situação do Rio de Janeiro e em certa medida, de São Paulo, a problemática da geografia de violência não é diferente em Belém. Assim, as experiências dos taxistas de Belém, principalmente, os que participaram da pesquisa, apesar da maioria localizarem a violência nas “periferias” de Belém, todos eles afirmaram que hoje em dia, a violência não tem mais local, pois ela está presente tanto nas áreas ditas “nobre” de Belém quanto nas suas áreas “periféricas”. O trecho de entrevista do Sr. ATBBC1, com 30 anos de experiência profissional como taxista de Belém, é revelador.

[...] a gente passa o dia a dia meio tenso. Em qualquer lugar, durante dia todo. Que a gente nunca sabe né, quando vai acontecer as coisas. Olha, nós temos um ponto não só aqui, como nós trabalhamos na frente do Shopping Pátio Belém, já cansamos de pegar passageiros lá e serem assaltantes e fazerem reféns e assaltarem levar o carro, levar renda. [...] na frente do Shopping acontece isso, não só aqui em Pátio Belém. Já aconteceu no Grão-Pará, no Boulevard. Então, a violência não tem hora, não tem local hoje (Sr. ATBBC1, 50 anos, informação verbal39). No trecho acima, constata-se que a distribuição geográfica da violência na cidade de Belém se “deslocaliza” cada vez mais da periferia ao centro e do centro à periferia. A ubiquidade da violência na cidade de Belém, não só é constatada pelos taxistas ou os

moradores da cidade, mas também pela mídia, como observamos, logo depois, na manchete principal da edição do Diário do Pará do dia 17 de fevereiro de 2015, que mostra como o estado do Pará como todo, é tomado pela violência urbana. No entanto, a ubiquidade da violência nesta capa, é discursiva já que, o jornal, através da geomidiatização do estado paraense, evidencia na matéria, as áreas “periféricas” do Estado.

Na capa da edição supracitada, encontramos a manchete: “Feriadão já tem saldo de 11 mortes”, seguida do sutiã: “Entre domingo e ontem, nove pessoas foram assassinadas em Belém, Ananindeua, Castanhal, Igarapé-Açu e Tucuruí nas mais diversas situações. Outras duas foram vítimas de acidentes de trânsito” (vide figura 1). Com a leitura da manchete e do sutiã, somos levados a crer que a violência urbana no estado do Pará é difusa e sem controle. Contudo, ler a matéria na sua integridade e vemos as imagens40, nos deparamos com um Pará desfavorecido ou humilde, para não dizer “periférico”. Pois, se o sutiã, lista os municípios atingidos pela violência durante o feriadão, na matéria, encontramos a geografia dos acontecimentos narrados, localizada nas “periferias” dos municípios citados. Por exemplo, na cidade de Belém, o jornal cita os seguintes bairros: Val-de-Cans, Marco, Sideral, mais o distrito de Icoaraci. Bairros que, para o habitante da capital paraense e leitor do jornal, são conhecidos como lugares violentos ou “zona vermelha”.

Evidenciar a “periferia” através dos acontecimentos violentos não significa que o jornal se importou com a situação de segurança dos habitantes dos locais citados, até pode ser, mas considerando que aquela notícia foi, certamente produzida geomidiaticamente, isto é, através de uma lógica do mostrar escondendo ou esconder mostrando, ela se configuraria como crítica ao governo estadual em geral e em particular, ao governo municipal.

Assim, a geomidiatização da cidade pela mídia nos convoca, na contemporaneidade, fazer uma análise atenta de todas as narrativas de (des)construção e (re)estruturação da cidade já que a mídia, em certa medida, tenta pautar ou agendar, por meio de suas narrativas diárias, o estar junto ou o sentir-se na cidade. O sentir-se que cada vez mais é coletivo, pois, com a mídia,

40 Ver apêndice 3, 4, 5 e 6 sobre as matérias desta edição que tratam sobre os homicídios ocorridos em

Figura 1 - Corte da capa do Diário do Pará, 17 fev. 2015

[...] A emoção não pode ser reduzida unicamente à esfera do privado, mas é cada vez mais vivenciada coletivamente. Pode-se até mesmo falar de um ambiente afetuoso, no qual as penas e os prazeres são experimentados em comum. Sobre isso, basta fazer referência ao papel desempenhado pela televisão, quando de catástrofes, guerras ou outros eventos sangrentos, para se convencer disso. [...] Em cada um desses casos, a televisão permite “vibrar” em comum. Chora-se, ri-se, sapateia- se em uníssono, e assim, sem que se esteja realmente em presença dos outros (MAFFESOLI, 1995, p. 76-77).

A geomidiatização se configura como um conceito importante nesta dissertação, uma vez que nos possibilita ir além da violência e do medo, pois nos revela o que é a cidade nas narrativas do cotidiano, principalmente, nas narrativas midiáticas.

Fonte: Diário do Pará, 2015.

Assim, entender o que é cidade nas narrativas do cotidiano nos possibilita entender como a violência urbana, sobretudo, o medo da violência, é usado como elemento produtor da cidade tanto no nível macro, a mídia, por exemplo, através da geomidiatização quanto no nível micro, por exemplo, os taxistas de Belém, através de suas experiências da cidade em que circulam pelas ruas, devido a sua profissão.

Experiência que, por exemplo, em relação a produção macro da cidade, embora seja que os taxistas entrevistados reconhecem o papel da mídia em informar sobre os acontecimentos da cidade, eles afirmam que a mídia, se utiliza do medo como dispositivo para garantir os seus interesses. No trecho a seguir de entrevista, o Sr. ATBBC1, afirma que a mídia,

[...] passa muito medo para a população com as notícias que ela divulga no jornal. Acho que deveria ser menos, não dar muita margem a parte da violência, principalmente com o bandido. A gente não pode dar muita margem para bandido. Aí a população fica, fica temerosa. [...]. Isso é um terror. A gente não deve aderir a isto (Sr. ATBBC1 50 anos, 50 anos, informação verbal41).

Na avaliação do entrevistado, a mídia não cumpre o seu papel social quando divulga matérias em excesso de violência. Para ele, divulgando isto, a mídia se configuraria em uma forma de porta voz dos “bandidos”, conforme sua qualificação. Se o entrevistado se aproxima das reflexões de Glassner (2003) ao considerar que a mídia cria a “cultura de medo” na cidade, portanto, falha com a sua missão social, por exemplo, de criar clima de confiança na sociedade. A partir da geomidiatização da cidade, percebemos, através do medo, em certa medida, a mídia, cumpre esse papel social já que alertaria a população sobre os acontecimentos da cidade.

Dizer, em certa medida, não é duvidar do papel da mídia, mas mostrar, enquanto estratégia geomidiática de produção e controle da cidade nos moldes capitalistas de produção de bens, o medo presente nas narrativas midiáticas da cidade, leva à desconfiança do outro, no caso extremo, a sua exclusão. Se nessas narrativas, os “outros” são considerados como malfeitores, portanto, não merecedores de viver na cidade a qual se tornou uma realidade distante, os “Nós”, são levados a andar preocupados com a sua segurança, que perece ameaçada pela presença dos outros, os “Eles”.

Assim, a geomidiatização nos convoca a ter uma postura hermenêutica de compreensão de si que mobilizaria a busca do entendimento da cidade e do outro. Tal busca deveria se pautar, na ética de responsabilidade de Jonas do agir que deve visar o bem tanto do homem quanto o bem da natureza, como todo.

Com esta postura, não esquadrinhando Jonas, a essência do homem no sentido filosófico, mas a essência do homem enquanto ser comunicativo que, ao se perguntar “quem sou Eu? ”, logo percebe ao seu lado um Tu que por mais que seja diferente dele,

se apresenta como o seu eu exteriorizado e com quem faz da cidade, um lugar do possível, um lugar de diferença, de conflito, tensão, portanto, uma experiência que me religa, diferentemente das religiões, não aos deuses, mas sim, ao outro homem considerado na sua totalidade. Em outras palavras, não através de adjetivos: preto, pardo, branco, índio, mulher, homem, cristão, pagão, entre outros adjetivos, mas como homem tout court.

Entender a cidade como lugar de encontro com o outro, isto é, lugar de heterogeneidade e não da homogeneidade nos permite perceber como a cidade enquanto texto, é ao mesmo tempo escrita e reescrita nas práticas sociais de seus moradores. Percepção que nos levaria a entender os jogos de palavras que instituem os significados dados à cidade, a distribuição dos papéis sociais entre seus habitantes, e por fim, como são hierarquizados os lugares e as pessoas nela. Também essa percepção nos leva a nos perguntar, de que cidade estamos falando? Reflexões que abordaremos na próxima seção