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4.3 O processo de pesquisa

4.3.2 Definição dos objetos de análise

A noção de campo, conforme proposta por Bourdieu (1983), é particularmente interessante para delimitar a população a ser pesquisada. Ela funciona como alerta para se certificar de que o objeto em questão não esteja isolado do conjunto de relações das quais retira a essência de suas propriedades. A noção de campo ajuda a compreender esse espaço de sociabilidade, onde se produzem discursos e práticas específicos, a partir da interação dos indivíduos, grupos e instituições que por ele transitam. Os discursos e práticas assim consolidados são compartilhados por esses agentes, mas não redundam em

identidade social. Além de multifacetado, o campo carrega disputas internas de toda ordem. Em face de outros campos com que se relaciona, todavia, um campo diferencia-se como unidade, deixando claras suas especificidades em termos de objetivos e valores e a sociabilidade comum entre seus membros.

"É natural, que pela amplitude da ramificação da administração pública, pela sua importância na vida pública e também privada – tendo o Estado a força normativa das relações privadas – e pelas funções que desempenham, os arquivos públicos formados nas entidades ou instituições da administração pública, sejam os mais importantes" (TANODI, 1961, p. 68). Essa afirmação de Tanodi, atribuindo ao campo ético-político das instituições públicas, em face das instituições privadas, a maior parte da responsabilidade pela preservação de documentos de interesse público, também espelhada na legislação específica dos arquivos97, indicou, do ponto de vista lógico-racional, a organização brasileira detentora de arquivos

públicos como locus da presente pesquisa. Contribuiu, ainda, para essa decisão, a

maior dificuldade de acesso a fontes documentais de organizações privadas, por parte de pesquisadores brasileiros.

97 Para maior detalhamento da legislação arquivística, ver o tópico Legislação na seção do Conarq no sítio do

O universo das organizações públicas brasileiras detentoras de arquivos públicos é, por definição98, difícil de caracterizar com precisão, além de não se dispor de dados estatísticos construídos segundo essa ótica99. Pelo último relatório do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE – referência 31 de dezembro de 2002 –, o Brasil conta com cerca de 2,3 milhões de estabelecimentos100, dos quais 14 mil foram classificados no subsetor Administração Pública101 – aproximadamente 0,6%. Essas organizações, entretanto, geram 23,7% dos empregos oficiais e são verdadeiros sustentáculos para diversas empresas, que 'orbitam' em torno delas. Geograficamente estão distribuídas conforme TAB. 1 e 2, a seguir, nas quais se observa maior concentração na região Sudeste.

98 Conforme o artigo 15o do Decreto no. 4.073, de 3 de janeiro de 2002, que regulamenta a Lei 8.159, são

arquivos públicos os conjuntos de documentos: I - produzidos e recebidos por órgãos e entidades públicas federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, em decorrência de suas funções administrativas, legislativas e judiciárias; II - produzidos e recebidos por agentes do Poder Público, no exercício de seu cargo ou função ou deles decorrente; III - produzidos e recebidos pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista; IV - produzidos e recebidos pelas Organizações Sociais, definidas como tal pela Lei no. 9.637, de 15 de maio de 1998, e pelo Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, instituído pela Lei no 8.246, de 22 de

outubro de 1991. Considerando a necessidade de estabelecer instruções complementares com relação aos arquivos públicos, a Resolução do CONARQ no 11, de 7 de dezembro de 1999, amplia o conceito de atividade ou serviço público para o universo de ações do Estado, por ele diretamente empreendidas ou desempenhadas por particular, mediante autorização, permissão, concessão ou delegação.

99 Os estudos políticos, sociais e econômicos brasileiros, divulgados pelos respectivos órgãos normalmente

seguem as classificações estatísticas propostas pela Comissão Nacional de Classificação - CONCLA, órgão colegiado diretamente subordinado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que tem por função principal assessorar o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão na supervisão do Sistema Estatístico Nacional - SEN, atuando especialmente no estabelecimento e no monitoramento de normas e padronização do Sistema de Classificação das Estatísticas Nacionais.

100 O levantamento da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS é feito em nível de estabelecimento

empregador. Um estabelecimento empregador é definido como sendo uma unidade que tenha um código específico no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ ou no Cadastro Específico do INSS - CEI. (www.mte.gov.br, acesso em 3 set. 2004)

101 A Administração Pública inclui as atividades que, por sua natureza, são normalmente realizadas pelo Estado

e, como tal, são atividades essencialmente não-mercantis, compreendendo:

• a administração geral (o executivo, o legislativo, a administração tributária, etc., nas três esferas de governo) e a regulamentação e fiscalização das atividades na área social e da vida econômica do país

• as atividades de defesa, justiça, relações exteriores, etc. • a gestão do sistema de previdência social.

As instituições públicas que exercem atividades compreendidas em outras partes da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE são classificadas nas classes correspondentes aos serviços prestados, e não nessa. É o caso das atividades de ensino e de saúde, que, mesmo quando exercidas pelo Estado, são classificadas nas divisões correspondentes; os órgãos de regulamentação, controle ou coordenação destas atividades, no entanto, são classificados nessa divisão. Da mesma forma, algumas atividades descritas nessa divisão podem ser exercidas por unidades não-governamentais. A terceirização de serviços ou parte de serviços tradicionalmente executados pelo Estado tem levado à presença de entidades empresariais e/ou instituições privadas sem fins lucrativos em atividades compreendidas nessa divisão. (www.ibge.gov.br, acesso em 3 set. 2004)

TABELA 1

ESTABELECIMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COM VÍNCULOS EMPREGATÍCIOS POR ÁREA GEOGRÁFICA E

TAMANHO 2002 Faixa de tamanho Região Total Até 19 empreg De 20 a 99 De 100 a 499 500 ou mais Brasil 14.233 5.752 1.799 4.557 2.125 Norte 1.144 348 214 397 185 Nordeste 3.690 1.282 405 1.256 747 Sudeste 5.125 2.294 571 1.551 709 Sul 2.841 1.331 386 860 264 Centro-Oeste 1.433 497 223 493 220

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego - MTE

TABELA 2

EMPREGOS DOS ESTABELECIMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COM VÍNCULOS EMPREGATÍCIOS POR ÁREA GEOGRÁFICA E TAMANHO

2002 Faixa de tamanho Região Total Até 19 empreg De 20 a99 De 100 a499 500 oumais Brasil 6.787.302 30.855 99.484 1.108.180 5.548.783 Norte 533.477 2.442 12.674 101.655 406.706 Nordeste 1.677.588 7.891 22.422 330.414 1.316.861 Sudeste 2.888.843 11.303 28.651 367.710 2.481.179 Sul 895.394 5.937 24.192 190.967 674.298 Centro-Oeste 802.000 3.282 11.545 117.434 669.739

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego - MTE

Diversos contatos foram realizados no período de 9 de setembro de 2002 a 16 de maio de 2003, com vistas a obter a participação na presente pesquisa de

quatro estabelecimentos estatais do segmento de médias e grandes empresas –

com mais de 100 funcionários, segundo o MTE –, com sede no município de Belo

Horizonte, atuantes nas atividades de apoio à administração do estado e do município e prestadoras de serviços residenciais básicos, com grande visibilidade e respeitabilidade no âmbito de sua atuação e cujo volume de operações e serviços de informática sinalizassem boas perspectivas frente aos objetivos traçados. Pretendia-

o quinto dia livre para avaliação, documentação e planejamento da semana seguinte. Como estratégia para a penetração nas empresas e aceitação da proposta de participação na pesquisa, foi elaborada a Carta de Apresentação – CAP (ANEXO IIa), que favoreceu o estabelecimento de entrevistas iniciais com pessoas ocupantes de cargos gerenciais.

As negociações foram bastante intensas no período – aproximadamente 34 contatos em cinco empresas –, constituindo grande esforço de paciência, tolerância e persistência, que, todavia, resultaram na seleção final das seguintes empresas: 1) Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG; 2) Companhia de Saneamento de Minas Gerais - COPASA; 3) Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte - PRODABEL; e 4) Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais - PRODEMGE. As empresas, descritas em maiores detalhes na seção 5.1, detêm grande parte do patrimônio de informações arquivísticas digitais de interesse do estado de Minas Gerais e do município de Belo Horizonte, na medida em que são os principais responsáveis quanto à guarda e à administração dessas informações, e haviam promovido com sucesso mudanças tecnológicas em seu ambiente informático no período 2000-2002. O prazo de pelo menos três anos foi considerado ideal para a presente pesquisa, em decorrência das previsões de ciclos médios de renovação de tecnologia apontados na literatura102. Outro aspecto relevante na escolha das empresas foi o potencial interesse pelos resultados do estudo por parte de outras empresas de energia, saneamento básico e informática dos estados brasileiros, tendo em vista a similaridade dos seus modelos de informação.

102 Hedstrom (1997/1998) e Brand (1999), por exemplo, apontam ciclos de renovação de tecnologia de três a

Em virtude dos compromissos acertados com as empresas participantes desta pesquisa – acerca de ética e sigilo de informações –, com exceção da referida descrição apresentada na seção 5.1, os demais dados da pesquisa não indicarão qualquer relação com o nome da empresa, suas mudanças e seus respondentes, sendo sempre apresentadas através de identificador alfanumérico. O QUADRO 1, a seguir, resume as fontes de evidência investigadas.

QUADRO 1

FONTES DE EVIDÊNCIA POR EMPRESA PESQUISADA

FONTE EMPRESA 1 EMPRESA 2 EMPRESA 3 EMPRESA 4

GERENTE DE SUPORTE TÉCNICO 1 1 1 1 MUDANÇA TECNOLÓGICA 2 6 4 4 DOCUMENTO 15 18 15 23 ANALISTA DE SISTEMAS 5 5 5 5 ANALISTA DE SUPORTE TÉCNICO 5 5 5 5

Duas categorias de sujeitos foram identificadas nas empresas pesquisadas com funções diretamente ligadas à questão desta pesquisa. A primeira categoria envolveu o gerente de suporte técnico ou cargo similar da organização, entrevistado na primeira etapa da fase de coleta de dados. Esse profissional, segundo empresas de serviços no setor de recursos humanos (por exemplo, CASE CONSULTORES e MANAGER CONSULTORIA), é descrito como aquele que:

• gerencia, planeja e coordena as atividades das áreas de suporte técnico aos usuários, envolvendo o desenvolvimento de estudos sobre hardware e software;

• controla o desempenho dos sistemas implantados e recursos técnicos instalados, pelo processamento de relatórios com o objetivo de corrigir irregularidades encontradas; e

• propõe estudos sobre modificações, aperfeiçoamento, desenvolvimento e ajustes no sistema operacional dos equipamentos e microcomputadores, para que atendam às novas exigências dos usuários.

Os gerentes de suporte técnico103 entrevistados na presente pesquisa possuíam 12 a 26 anos de vínculo com a empresa e ocupavam desde o primeiro até o quarto nível hierárquico na estrutura organizacional. Cada gerente forneceu as primeiras informações sobre a empresa e as mudanças tecnológicas concluídas com sucesso nos últimos três anos – 2000 a 2002 – e exerceu, nesta pesquisa, papel fundamental como facilitador para acesso a fontes documentais e para contatos com outros profissionais da empresa. Dentre as mudanças tecnológicas apontadas para o período – seis na primeira empresa; seis na segunda; oito na terceira; e nove na quarta – foram selecionadas, com o auxílio desse gerente, aquelas mudanças que apresentavam documentação suficiente para participar desta pesquisa – duas mudanças e 15 documentos na primeira empresa; seis mudanças e 18 documentos na segunda empresa; quatro mudanças e 15 documentos na terceira empresa; e quatro mudanças e 23 documentos na quarta empresa.

A segunda categoria de sujeitos envolveu especialistas da computação – analistas de sistemas e analistas de suporte técnico, com mais de cinco anos de experiência na função e com vivência em, no mínimo, uma mudança tecnológica –, oriundos do quadro de colaboradores das empresas pesquisadas, que se dispuseram a participar voluntariamente da terceira e quarta etapas da fase de coleta de dados. No ambiente de tecnologia de informação, ainda segundo as empresas de serviços no setor de recursos humanos, o analista de sistemas é responsável por:

• planejar e coletar informações junto aos usuários, a fim de implantar sistemas de processamentos de dados;

• desenvolver sistemas a partir da análise de coleta de informações, estudando fluxos de trabalho, necessidades de recursos, a fim de propor alterações de rotina e elaborar propostas;

• implantar e manter sistemas, observando eficiência, racionalidade e solução de problemas técnicos; e

• elaborar manuais de sistemas.

O analista de suporte técnico, por sua vez:

• participa na análise, estudo, seleção, planejamento, instalação, implantação e manutenção de software básico e de apoio como sistemas operacionais, banco de dados, teleprocessamento e correlatos;

• participa no estudo, implantação e documentação de rotinas para a melhoria das operações do computador;

• padroniza a análise e a programação dos sistemas de aplicação; e

• acompanha o desempenho dos recursos técnicos instalados.

No caso do analista de suporte técnico, é comum encontrarem-se denominações tais como administrador de banco de dados, administrador de rede e analista de segurança, indicando a categoria tecnológica de maior domínio, fato irrelevante para fins desta pesquisa. Esses especialistas da computação, através de sua bagagem de conhecimento e experiência em mudanças tecnológicas, proporcionaram a esta pesquisa o grau de validação necessário de seus construtos.