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3.4 Estratégias para a preservação digital

3.4.1 Estratégias estruturadoras

As estratégias estruturadoras dizem respeito aos investimentos ou esforços iniciais por parte da organização, no preparo de seu ambiente para o processo da preservação digital por longo prazo, dentre os quais se podem indicar:

3.4.1.1 Aderência a padrões

Esta estratégia recomenda o uso preferencial de padrões – de fato ou de direito – e formatos abertos de arquivos de dados para os quais exista crescente tendência de estabilidade e suporte por longo prazo, propiciando amplo acesso e assistência técnica. A intenção é preparar para a aplicação das outras estratégias de preservação e maximizar a sua efetividade. O uso de padrões está, em algumas situações, relacionado à estratégia a.3 – Adoção de metadados para preservação digital.

Reunindo as idéias contidas no artigo de Bullock (1999) e no estudo da UNESCO (NLA, 2003), pode-se considerar que a estratégia de padrões consiste em abordagem de quatro etapas:

• definir um conjunto limitado de formatos para armazenar os dados;

• usar padrões atuais para criar objetos digitais;

• monitorar os padrões à medida que se modifiquem; e

• migrar para novos padrões que se fizerem necessários86.

86 Podem-se obter importantes orientações sobre formatos e padrões de dados a partir do Guidelines on the best

3.4.1.2 Elaboração de manuais

Os arquivos e instituições de preservação de documentos na Europa, na América do Norte e na Austrália têm liderado o desenvolvimento de melhores práticas e requisitos funcionais para abordar as questões da preservação, registrando suas descobertas em manuais, guias e diretrizes para a gestão de documentos de caráter arquivístico e/ou preservação digital87. Esses documentos fornecem orientações gerais quanto ao tratamento de objetos digitais e ao gerenciamento dos riscos envolvidos na sua preservação. A intenção é reduzir os riscos de perda de informação de valor contínuo, principalmente nas fases iniciais de seu ciclo de vida, isto é, nas fases corrente e intermediária.

De acordo com Bullock (1999), os manuais têm em comum as seguintes recomendações:

• reconhecer a responsabilidade inicial do produtor de preservação de seus documentos;

• identificar as responsabilidades da instituição arquivística;

• adotar diretrizes adequadas para seleção dos objetos a serem preservados, que destaquem a questão dos padrões, quando existir possibilidade de escolha de formatos;

• proteger os itens arquivados de alteração intencional ou não intencional;

87 Podem-se citar , como exemplo, Managing electronic records in an electronic work environment, Canadá,

1996; Management, appraisal and preservation of electronic records, Inglaterra, 1999; Recomendações para a

gestão de documentos de arquivo electrónicos, Portugal, 2000; Designing and implementing recordkeeping systems (DIRKS), Austrália, 2001; Design criteria standard for electronic records management software applications (DOD5015.2), EUA, 2002; Les archives électroniques: manuel pratique, França, 2002.

• fornecer descrição de contexto, incluindo histórico de criação, transferência e uso, e registros de auditoria;

• descrever de forma completa os objetos digitais.

3.4.1.3 Adoção de metadados

O termo metadados antecede a Web, tendo aparentemente sido cunhado por Jack Myers nos anos 60 para descrever arquivos eletrônicos (MILSTEAD e FELDMAN, 1999), mas começou a aparecer mais freqüentemente na literatura sobre SGBD, nos anos 1980, para descrever as características das informações armazenadas nos bancos de dados (VELLUCCI, 1998, p. 191). No domínio dos SGBDs, os metadados são definidos simplesmente como dados sobre dados e esse conceito parece já se ter consolidado em outros campos do conhecimento. Essa definição, entretanto, é vaga, levando-se a diferentes interpretações. A cada publicação, depara-se com explicação diferente, direcionada a um tipo específico de aplicação ou uso. Pode-se recorrer ao significado do prefixo “meta”, como primeiro elemento de compostos eruditos, com a idéia de “reflexão crítica sobre” ou do vocábulo "metalinguagem", como todo o discurso sobre determinado idioma, envolvendo as definições dos dicionários e as regras gramaticais para atingir melhor compreensão do termo. No contexto do modelo de referência OAIS (CCSDS, 2002), os metadados representam todo o conjunto de informações – representação, descrição de preservação, empacotamento e referência –, que auxiliam o público alvo a entender e a localizar o conteúdo da informação pretendida88.

88 Para maior aprofundamento nessa questão veja a síntese do modelo de referência Open Archival Information

O manual dos Archives de France (Dhérent, 2001, p. 15-28) propõe o agrupamento dos metadados segundo as funções arquivísticas de conservação, de descrição e de gestão. A revisão de literatura do OCLC/RLG Working Group on

Preservation Metadata (WORKING GROUP ON PRESERVATION METADATA -

PMWG, 2001, p. 3), por sua vez, classifica os metadados segundo categorias funcionais ou razões para sua adoção, quais sejam:

• descritivos - para facilitar a identificação e descoberta de fontes;

• administrativos - para apoiar o gerenciamento de fontes dentro de uma série;

• estruturais - para ligar ou reunir os componentes de um objeto informacional complexo.

Os programas de preservação podem ter que optar entre aceitar, e possivelmente adaptar, um dos modelos de metadados atualmente em uso, por exemplo, MARC ou Dublin Core, ou especificar seu próprio esquema, como solução completa ou como solução mínima provisória até que surja um padrão.

Quanto aos objetivos da adoção da estratégia de metadados, o estudo da UNESCO (NLA, 2003, p. 94) aponta os seguintes:

• identificar o material pelo qual o programa de preservação tem responsabilidade;

• informar o que seja necessário para manter e proteger os dados;

• informar ao usuário, quando aplicável, o que seja necessário para re-apresentar o objeto pretendido, ou seus elementos essenciais definidos, independentemente de mudanças nas tecnologias de armazenamento e acesso;

• registrar o histórico e os efeitos dos fatos relativos ao objeto;

• documentar a identidade e a integridade dos objetos para garantir sua autenticidade; e

Bullock (1999) esclarece dois pontos importantes na aplicação da estratégia de metadados. O primeiro ponto diz respeito à definição e à escolha do identificador único e permanente a ser associado ao objeto digital. O identificador único, de ampla abrangência, de preferência universal, deve acompanhar o objeto em todo o seu ciclo de vida, auxiliando na consolidação de sua autenticidade e proporcionando ao usuário a confiança de que esteja acessando a informação desejada.

O segundo ponto diz respeito à forma de ligar os metadados ao conteúdo do objeto digital propriamente dito. Os metadados podem ser armazenados como parte integrante do objeto que descreve, por exemplo inseridos no cabeçalho HTML, ou como parte de um arquivo de dados separado, por exemplo o registro MARC. Outra forma de ligar os metadados ao objeto digital é agrupá-los em pacotes. O modelo de referência OAIS reúne a informação de conteúdo e a informação de descrição de

preservação em um pacote de informação. De forma similar, o grupo de trabalho da Society of Motion Picture and Television Engineers desenvolveu o Universal Preservation Format - UPF, mecanismo de arquivo de dados que usa um container89

para incorporar metadados dentro de objetos de mídias digitais.

3.4.1.4 Investimento em infra-estrutura

Conforme o modelo OAIS (CCSDS, 2002), a instituição que decidiu assumir a responsabilidade de preservar objetos digitais por longo prazo só irá efetivamente concretizá-la através de determinada infra-estrutura de hardware, software e pessoas, ou seja, de um sistema de arquivamento digital adequado a essa finalidade, tendo em vista a necessidade de acesso aos dados por futuras gerações.

Alguns mecanismos são imprescindíveis para ambiente operacional dessa natureza, dentre os quais se podem citar:

• sistema de cópia de segurança;

• sistema de armazenamento redundante;

• sistema de identificação e recuperação automática de falhas;

• sistema de segurança de acessos físico e lógico;

• sistema hierárquico de armazenamento.

Quanto ao aspecto humano, deve-se preparar programa de formação e aperfeiçoamento da pessoa que, em última instância, irá operar e acessar o sistema de arquivamento digital. Esse programa de capacitação deve considerar duas dimensões básicas: a dimensão horizontal, dirigida às diferentes atividades ou funções desempenhadas; e a dimensão vertical, com diferentes níveis de aprofundamento como, por exemplo, básico, intermediário e avançado.

3.4.1.5 Formação de rede de relações

O ambiente voltado para a preservação digital por longo prazo dever-se-á organizar sob diferentes abordagens que, segundo Waters e Garret (1996), para serem efetivas, provavelmente envolverão corporações, federações, consórcios, tanto informais – como as associações e as alianças – quanto formais – como os contratos administrativos –, formando uma rede distribuída de relações. Cada uma dessas formações poder-se-ia especializar no arquivamento de determinado tipo de informação digital e organizar em fronteiras regionais ou nacionais. Essa especialização poderia advir, por exemplo, da competência técnica de cada uma das partes – em determinada disciplina, tipo de dados ou função arquivística – ou, ainda, de interesses específicos na disseminação de determinada informação dentro de

fronteiras nacionais. A utilização desse tipo de estratégia certamente exigirá a criação de novas configurações e/ou profundas adaptações estruturais das atuais instituições arquivísticas.