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Definição e Caracterização

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2 A SURDOCEGUEIRA E AS RELAÇÕES ADVINDAS

2.2 Um breve panorama sobre a surdocegueira

2.2.1 Definição e Caracterização

Surdocegueira é uma deficiência pouco conhecida e pouco explorada pela literatura brasileira e, ao mesmo tempo, um assunto instigante que causa estranhamento às pessoas que desconhecem tal assunto. Proponho uma abordagem clara quanto às suas definições, com a intenção de proporcionar elucidações sobre essa deficiência curiosa e reveladora de fatos encantadores. De posse das suas características e singularidades, é possível criar estratégias para o desenvolvimento educacional, cognitivo e social.

Surdocegueira é um termo utilizado para definir a perda da visão e da audição simultaneamente. Por muito tempo foi associada a múltiplas deficiências, devido à junção de duas perdas sensoriais, a visual e a auditiva.

Para McInnes e Therffry (1997), a pessoa surdocega não é um surdo que não pode ver e nem um cego que não pode ouvir. Mas uma pessoa com características próprias e singulares. Portanto, a surdocegueira configura-se como uma condição que exige adaptações diferentes da cegueira e da surdez isoladas.

O surdo usa o campo visual-espacial para aquisição, acesso à informação e interações com o ambiente e pessoas. Geralmente comunica-se pela Língua Brasileira de Sinais. Recurso este, visual e gestual. Assim, recebe e transmite informações. As mãos representam a fala e os olhos seus ouvidos.

O cego faz uso do campo auditivo-temporal para as mesmas aquisições de informações e interações com o ambiente e pessoas. De posse da audição percebe o mundo que o rodeia por este canal. É favorecido quanto ao acesso à audiodescrição21. Assim, se apropria da informação mais próxima possível da concretude de seu contexto. O surdocego necessariamente precisa utilizar os sentidos sensoriais remanescentes e resíduos auditivos e visuais.

De acordo com Reyes (2004), a surdocegueira, é uma deficiência única que possui características singulares, de acordo com cada sujeito, ocasionando dificuldades de comunicação, informação e mobilidade. Esta deficiência afeta as atividades diárias que exigem autonomia e necessita de métodos alternativos na educação para sanar essas carências.

21. Audiodescrição é um recurso de descrição oral de informações e ambientes, que não estão contidos nas narrativas das pessoas. São informações complementares para além da escuta das pessoas cegas.

O Narrador 4 revela a importância de desenvolver autonomia no intuito de minimizar barreiras:

É preciso mostrar que são capazes. Os surdocegos desde pequenos precisam acostumar com a comunicação e serem felizes e inteligentes [...] precisam se esforçar em aprender os sinais para melhorar a vida e não serem totalmente dependentes da família. [...] Por exemplo, irem ao banco sozinhos, entenderem os alimentos nos supermercados, desenvolverem a Libras Tátil, a Comunicação Háptica e a Libras em campo reduzido. (NARRADOR 4)

Para o conceito de surdocegueira existem várias definições. Destaco aqui uma definição adotada pelo Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial (2003, p.1), que abrange em amplo sentido as necessidades primordiais frente à premência da promoção da qualidade de vida.

É uma deficiência singular que apresenta perdas auditivas e visuais concomitantemente em diferentes graus, levando a pessoa surdocega a desenvolver diferentes formas de comunicação para entender e interagir com as pessoas e o meio, proporcionando-lhes o acesso a informações, uma vida social de qualidade, orientação, mobilidade, educação e trabalho. (GRUPO BRASIL, 2003, p.1)

No ano de 1977, numa Conferência Mundial que tinha como foco a surdocegueira, Helen Keller declarou:

Uma pessoa é surdacega quando tem um grau de deficiência visual e auditiva grave que lhe ocasiona sérios problemas na comunicação e mobilidade. Uma pessoa surdacega necessita de ajudas específicas para superar essas dificuldades na vida diária e em atividades educativas, profissionais e comunitárias. Incluem-se neste grupo, não somente as pessoas que tem perda total destes sentidos, como também aquelas que possuem resíduos visuais e/ou auditivos, que devem ser estimulados para que sua ―incapacidade‖ seja a menor possível. (KELLER, 1977, p. 33)

Pressuponho que esses fatores relatados por Keller sugerem que a quantidade de surdocegos existentes no Brasil e no mundo certamente superam as estatísticas estipuladas, visto que são pessoas que têm perdas totais ou parciais de ambos os sentidos sensoriais (visão/audição).

Baldwin (1997) revelou a existência de 11.048 pessoas surdocegas nos USA entre 0 e 22 anos, após o término de um censo nacional com foco em instituições educacionais, atendendo às normas regentes daquele país. Porém, a educação de surdocegos nos USA começou em 1837, no Instituto Perkins Para Cegos, tendo como primeira aluna surdocega Laura Bridgman. Nesse mesmo Instituto Helen Keller, estudou por vários anos com a ajuda

da professora Anne Sullivan. A difusão na Europa da educação de surdocegos iniciou nos seguintes períodos: França, em 1884; Alemanha, em 1887; Finlândia, em 1889.

De acordo com Fabri (2009), no Brasil a história é muito recente e teve início em 1953, quando o país recebeu a visita da já conhecida Helen Keller. No contato com Helen, a professora Nice Tonhozi Saraiva, que já trabalhava com cegos, sentiu-se motivada e, a partir de 1962, passou a desempenhar esforços para o reconhecimento dos surdocegos pela educação.

Em 1991, o IBGE divulgou o numero de 87.000 pessoas com múltiplas deficiências, o que sugere que os surdocegos estariam inseridos nesse número (IBGE, 1991). Levando em conta a perda de dois sentidos sensoriais (visão e audição), essas pesquisas foram atualizadas em 2010 (Censo, 2010), apontando 45.606.048 pessoas com algum tipo de deficiência. Nessa perspectiva, não é possível obter dados precisos sobre a surdocegueira por meio deste objeto de medida. Bertone e Ferioli (1995) mencionam o registro de 135 pessoas surdocegas no Brasil, dentro da estatística de cegos com múltiplas deficiências.

Em 2004, um grupo de pesquisas da PUC Campinas, que então desenvolvia o projeto experimental Em busca da Comunicação, identificou 733 surdocegos em 53 locais de atendimento22. Os registros mais atuais, obtidos pelo Grupo Brasil e pela AHIMSA (2008 a 2015), afirmam a existência de 2.800 surdocegos matriculados na rede regular de ensino (número apontado por Shirley Rodrigues Maia Diretora/Fundadora da AHINSA, em visita que realizei na instituição dia 21 de outubro 2016).

Em 2002, surgiram as primeiras discussões acerca da surdocegueira em documentos oficiais do país, na publicação da coleção Estratégias e Orientações Pedagógicas Para a Educação de Crianças Com Necessidades Educacionais Especiais (Brasil, 2000), pelo Ministério da Educação e Cultura.

Então, iniciou-se a ampliação dos olhares e reflexões acerca dessa deficiência. Houve uma fase de discussões sobre conceitos, fundamentos teóricos e individualidade de surdocego, além de esclarecimentos sobre quais suas necessidades, com vistas a promover seu pleno desenvolvimento social e cognitivo.

22. Informações obtidas por meio de reportagem. Disponível na Internet em: < https://www.youtube.com/watch ?v=5Ya2_luDzes>. Acesso em: 21 abril 2018.

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