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O guia-intérprete

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3 POSSIBILIDADES DE INTERAÇÃO NA SURDOCEGUEIRA

3.1 Os mediadores na comunicação do surdocego e a tecnologia assistiva

3.1.1 O guia-intérprete

O guia-intérprete é o profissional que faz a mediação entre o surdocego, o ambiente e as informações que o rodeiam. Utiliza diversas formas de comunicação, de acordo com as necessidades do surdocego que está atendendo.

No toque das mãos os dois/três29 tornam-se um. ―A mão não somente sente a impressão característica do objeto, ela também percebe seu calor, seu volume, seu peso e, em seu contato, sente prazer ou dor‖. (LE BRETON, 2016, p. 216)

Pela proximidade, o guia-interprete torna-se extensão do surdocego, sentindo com ele

29. Na Comunicação Háptica são necessários dois guias-intérpretes, em harmonia, para que o surdocego alcance a informação e, de posse dela, os três sejam um em comunhão (comum união).

as mesmas coisas, as mesmas alegrias, as mesmas dores, as mesmas emoções, evidenciadas pelas reações que o surdocego expressa. Esse contato proximal se faz necessário na promoção dessa interação. Nesta perspectiva, Carillo (2008) faz essa relação da prática do guia- intérprete com o surdocego:

No momento de sua atuação, o guia-intérprete deverá posicionar-se bem próximo do surdocego, quer em pé, quer sentado, e os movimentos realizados com as mãos (além de estarem umas sobre as outras) também serão próximos do corpo. Portanto, o profissional deverá ser desprendido o suficiente para não se incomodar com essa inevitável proximidade física durante o exercício do trabalho. Devido a esses fatores, a conduta do guia- intérprete deve ser de extremo profissionalismo. (CARILLO, 2008, p.41)

O termo desprendido, citado por Carillo (2008), remete à questão de estar despreocupado com a aproximação, mantendo essa relação de forma natural, porém com profissionalismo e responsabilidade no exercício da interpretação.

As mãos do guia-intérprete formulam as ações e movem-se com precisão em busca da compreensão, por meio dos tipos de comunicação que utiliza, seja no corpo ou nas mãos do surdocego. ―Guiada pela inteligência prática do ator, ela parece possuir uma ―destreza‖ (tour de main) que a torna parceira do homem em sua tarefa, e não mais executora‖. (LE BRETON, 2016, p. 219)

O guia-intérprete não faz somente a tradução literal de uma língua fonte para uma língua alvo. Reproduz além da interlocução, utilizando a imaginação e transportando o surdocego para aquela situação. Utiliza dos recursos de que dispõe para que essa interação seja espontânea. O surdocego narra a importância dos recursos de comunicação: ―Para mim a tecnologia assistiva e também a guia interpretação me ajudou de igual forma e também a Comunicação Háptica. Diria que esses três recursos me deram bastante autonomia para estabelecer a comunicação‖. (NARRADOR 3)

Os guias-intérpretes articulam esses elementos para que o surdocego perceba a intensidade da informação. É necessário que os mesmos estejam motivados na mesma proporção.

O surdo e o cego acham muito difícil dominar as amenidades da conversa. Como tal dificuldade deve aumentar no caso dos que são ao mesmo tempo surdos e cegos! Não podem distinguir o tom da voz ou, sem ajuda, subir e descer a escala de tons que dão significado às palavras, nem observar a expressão do rosto de quem fala – e um olhar é, às vezes, a própria alma daquilo que se diz. ( KELLER, 2008, p. 31)

como as aspirações trazidas por ele. O guia-intérprete desenvolve a habilidade de conduzir o surdocego na exploração do universo que o rodeia.

Mas, além do talento, é necessário desenvolver uma conduta responsável, profissional e ética. Há uma grande quantidade de guias-intérpretes que atuavam como intérpretes de língua de sinais e passaram a realizar o atendimento a surdocegos, pela aproximação da comunicação e as facilidades de adaptação. O mesmo aconteceu comigo.

A profissão de intérprete de Libras foi reconhecida por meio da Lei Federal nº 12.319 de 1º de setembro de 2010. Contudo, a mesma não menciona a atuação do guia-intérprete. Para retificar essa ausência, foi criado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.076 de 2014, que registra o seguinte texto:

Art. 18. Os órgãos e entidades integrantes do Poder Público implementarão e participarão da formação continuada de profissionais intérpretes de escrita em Braille, de Tradutores e Intérpretes da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, aludidos no art. 1º da Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, e de guias-intérpretes, para viabilizar a comunicação dirigida a pessoas com deficiência visual ou auditiva. (BRASIL, 2014, p. 5)

Esse texto expressa a atuação do profissional guia-intérprete na comunicação de surdocegos. O Projeto de Lei está caracterizado como regime de urgência. Porém, está aguardando aprovação no Congresso Nacional desde 2015.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo criou a Resolução SE 8, em 29 de janeiro de 2016, considerando as necessidades linguísticas de surdos e surdocegos estudantes da rede regular de ensino, com o intuito de promover acessibilidade ao currículo e ambientes escolares. A Resolução SE (2016) apresenta o seguinte texto:

Artigo 2º – Para atuação como intérprete, instrutor-mediador ou guia- intérprete, o docente deverá possuir qualificação que o habilite ao atendimento:

I – na função de intérprete, a alunos com deficiência auditiva e surdos, em sala de aula e em todos os espaços de aprendizagem em que se desenvolvem atividades escolares;

II – na função de instrutor-mediador ou guia-intérprete, a alunos surdocegos, em sala de aula e nas demais dependências da unidade escolar, sendo que, para essa função exigir-se-á a qualificação em LIBRAS Tátil e Braille Tátil. (Brasil, 2016, p.1)

Essa resolução preconiza a importância do profissional na efetiva inclusão na sala de aula e nos demais espaços escolares que o surdocego frequenta. Mostra ainda a importância da qualificação do guia-intérprete quanto à comunicação por meio de Libras Tátil e Braille Tátil.

Além das atribuições citadas na resolução, é necessário que o guia-intérprete seja capaz de guiar o surdocego e descrever os espaços que o circundam. Carillo (2008) faz essa citação de forma clara:

O guia-intérprete é um profissional capacitado para realizar o trabalho de interpretação, descrição visual e funções de guia. Para exercer essas atividades é preciso ter conhecimento e domínio nos diferentes sistemas de comunicação e nas diversas técnicas de locomoção, bem como ter habilidades para realizar as adaptações necessárias a cada surdocego em cada situação em particular. (CARILLO, 2008, p. 70)

Anne Sullivan menciona o quanto foi especial a experiência de guiar-interpretar- ensinar sua aluna: ―É um raro privilégio assistir ao nascimento, crescimento e primeiras frágeis lutas de uma mente viva; esse privilégio é meu, sendo-me dada também a possibilidade de despertar e guiar essa inteligência brilhante.‖ (KELLER, 2008, p.310).

Tenho a mesma experiência de Anne Sullivan, quando me deparo com a oportunidade de guiar surdocegos em fase de desenvolvimento. As descobertas feitas por eles são inúmeras. O Narrador 1, passou pelo mesmo processo de aquisição de linguagem de Helen Keller, na descoberta das palavras.

Certo dia ele fez um túnel com blocos de montar; colocou uma pista de carrinhos passando por baixo, e me perguntou por meio de sinais: - Qual o nome disso?

Segurei em sua mão e soletrei com o alfabeto datilológico: T-Ú-N-E-L.

Ele pediu que eu repetisse; assim eu fiz: T-Ú-N-E-L. A partir dessa segunda fez, ele soletrou sozinho.

Desta forma, aprendeu mais uma palavra e seu significado. A mesma sensação de Anne Sullivan, assisto diariamente no desenvolvimento de mentes vivas e cognitivos preservados. Posso constatar cada progresso, por meio da comunicação e linguagem. São processos prazerosos que tenho vivenciado, os quais considero indescritíveis.

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