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Plano de Atendimento Educacional Especializado na surdocegueira

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3 POSSIBILIDADES DE INTERAÇÃO NA SURDOCEGUEIRA

3.2 A Tecnologia Assistiva

3.2.4 Plano de Atendimento Educacional Especializado na surdocegueira

O plano de Atendimento Educacional Especializado é importante para prospectar necessidades, tanto de alunos que serão atendidos quanto da escola, no que diz respeito à tecnologia assistiva envolvendo recursos e serviços. De posse desse plano, podem-se traçar objetivos futuros, de acordo com o desenvolvimento do aluno que seravaliado.

Compartilho os resultados39 do Plano de AEE desenvolvido por mim em parceria com uma escola de educação bilíngue para surdos, partindo das necessidades do aluno surdocego observado 1. Este plano elucida as referências citadas no item anterior de forma prática. O plano de AEE, elaborado na escola foi estruturado com a participação da equipe diretiva e a guia-intérprete que atende o aluno surdocego. A escola não possui atendimento

educacional individualizado no contra turno dos horários de aulas, porém o atendimento aos alunos no período de aula é feito considerando as necessidades por eles explicitadas. E a produção de recursos pedagógicos adaptados é realizada avaliando-se todas as premissas aqui mencionadas.

O aluno avaliado no roteiro de plano de AEE nasceu surdo e aos oito anos perdeu a visão. Por isso a preservação da memória visual é uma constante no trabalho. Ele expressa algumas dificuldades na interação com o outro, por isso a socialização é uma meta.

O aluno conta com o serviço da guia-intérprete. Portanto, se comunica pela Libras tátil e a próxima intervenção será a aprendizagem do código Braille. Já reconhece as letras do alfabeto datilológico e consegue fazer a identificação com as letras do alfabeto na Língua Portuguesa.

Com o domínio do código Braille ele poderá associar as letras e números, facilitando a escrita. Desta forma, ele poderá externar a aprendizagem no formato gráfico. O vocabulário tem sido ampliado à medida que ele conhece novas palavras.

A orientação e a mobilidade do aluno precisam ser trabalhadas. Ele conhece os espaços dentro da escola e se locomove com autonomia. Porém, é necessário a inserção do uso da bengala, para que possa se locomover com segurança, tanto na escola quanto nos espaços externos.

A bengala é um recurso de tecnologia assistiva precioso, no que se refere à segurança. Mesmo que o surdocego seja guiado por uma pessoa, ele necessita desse recurso. Serve para identificar irregularidades no piso/pavimento, identificar pessoas no caminho e, ainda, sinaliza que uma pessoa que não enxerga precisa passar abrindo espaço.

Guiei um surdocego pelo transporte publico em São Paulo. Em princípio, ele não queria utilizar a bengala. No primeiro momento respeitei sua decisão, mas quando veio a multidão na estação de trem, atropelando-o ele sem nenhum respeito, falei com ele:

―Pode pegar essa bengala para as pessoas perceberem que você está aqui? Assim que ele abriu a bengala e colocou no chão, abriu um espaço em meio à multidão, em que ele pôde caminhar com segurança.

A escola de educação bilíngue para surdos observada possui alguns recursos de tecnologia assistiva, como: reglete e punção40, lupa manual, computadores, mouse adaptado,

40. Sempre acompanhada da punção, a reglete é um dos primeiros instrumentos criados para a escrita Braille. Ela foi adaptada do próprio criador deste alfabeto, usado para que pessoas cegas possam ler e escrever, Louis Braille.( http://www.civiam.com.br/blog/voce-sabe-o-que-e-reglete/, acesso em 14/07/2018).

impressora Braille, máquina Perkins41, Iped/Tablete e Soroban42.

A escola conta com jogos adaptados, cadernos produzidos a partir de experiências reais e cadernos com pauta ampliada. Além disso, possui adaptações às necessidades de cada aluno quanto à comunicação alternativa e aumentativa, proporciona o uso de objetos de referência, sistemas de calendário, Libras Tátil, requisitos necessários nas atividades de vida diária.

O tempo de estágio que passei na escola, por conta do curso de AEE foi precioso para perceber detalhes minuciosos e encantadores. Assim o surdocego observado 1 veio como uma raridade e me surpreendeu com seu jeito de ser, suas descobertas e preferências que afloram todos os dias. É o famoso ―tudo muda o tempo todo‖ 43.

Eu observava-o no momento da refeição, considerada difícil para ele, pois fica agressivo e agitado. De repente, tirou o tênis e a meia. Uma funcionária da escola sentou à sua frente, pegou seu pé e começou a massagear, o tranquilizante foi instantâneo. Parou o que estava fazendo e curtiu o momento. Esboçou um sorriso leve, balançou os braços e balbuciou palavras enigmáticas e indecifráveis. Depois, tirou o outro tênis e procurou as mãos que o acariciavam. Ofereceu o outro pé e novamente demonstrou, em sua feição, um misto de boas sensações.

Esse episódio me faz lembrar um trecho do poema ―Guardador de Rebanhos‖, que diz assim:

Porque o único sentido oculto das coisas É elas não terem sentido oculto nenhum, É mais estranho do que todas as estranhezas E do que os sonhos de todos os poetas E os pensamentos de todos os filósofos,

Que as coisas sejam realmente o que parecem ser E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: – As coisas não têm significação: têm existência.

As coisas são o único sentido oculto das coisas. (CAEIRO, 1985 p. 223)

Esse poema me reporta ao comportamento dos surdocegos, que muitas vezes tento entender e decifrar. Entretanto, diante dessa perspectiva, não tem o que decifrar. É um enigma pessoal na significação que fazem do mundo, da própria existência e dos sentidos que

41. A máquina Perkins realiza a escrita em Braille. Auxilia todas as pessoas cegas a escreverem suas anotações e estudos sem necessitar do computador o tempo todo. (http://www.tecassistiva.com.br/component/spid ercatalog/showproduct/ 492/82, acesso em 14/05/2018).

42. Soroban é o nome dado ao ábaco japonês, que consiste em um instrumento de cálculo surgido na china há cerca de quatro séculos. É utilizado por pessoas com deficiência visual pelo fato das contas deslizarem com facilidade.( http://www.bengalalegal.com/soroban, acesso em 14/05/2018).

perpassam e atravessam em cada situação.

Com isso, concluo que não tem nada o que descobrir, ou tentar explicar. As coisas são o que são, e é isso. Não adianta tentar entender. As singularidades dos surdocegos não possuem porquês.

“Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão aos que veem - um conselho àqueles que deveriam fazer completo uso do dom da vista: servi-vos dos vossos olhos como se amanhã fôsseis cegar. O mesmo princípio é válido para o restante dos sentidos.”

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