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3 O DIREITO EXCLUSIVO DO TITULAR DA MARCA REGISTRADA E

3.1 Definição, evolução histórica e características gerais das marcas

Marcas são102 uma espécie de sinal distintivo constituído por caracteres e/ou símbolos apostos sobre produtos ou serviços de determinada origem com o intuito de distingui-los de outros produtos ou serviços idênticos ou semelhantes, consistindo em todo nome ou sinal hábil a "estabelecer entre consumidor ou usuário e a mercadoria,

produto ou serviço uma identificação", de acordo com o ensinamento de Newton

Silveira103.

Embora existam desde a Antiguidade Clássica como símbolos distintivos de coisas e de seus proprietários, as marcas não possuíam valor comercial, tampouco proteção legal.

Elas começaram a se desenvolver durante a Idade Média com o surgimento das corporações de ofício. Neste momento histórico, as marcas eram registradas no assentamento do comerciante na respectiva corporação, servindo para identificar a ele e à sua atividade. Ao final do período renascentista, elas já podiam ser vendidas, doadas, trocadas, contestadas e estavam sujeitas à sucessão mortis causa, passando a ter valor econômico.

Os seus contornos modernos foram desenvolvidos após o advento da Revolução Industrial dada a necessidade de se distinguirem os produtos de um ou de outro fornecedor em razão da uniformidade dos produtos confeccionados por meio das máquinas.

O primeiro diploma legislativo brasileiro tratando sobre marcas foi a Lei nº 2.682/1875. Em 1883, o Brasil aderiu à Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Em 1994, aprovou o Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – TRIPS. Hoje, a disciplina das

102 Não há uma definição legal de marcas. Em vez de definir o que seriam, a Lei nº 9.279/1996 prefere

qualificá-las como "sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições

legais" no art. 122 e enumerar, nos incisos do art. 124, todas as hipóteses de sinais não registráveis.

Por sua vez, o art. 15.1, do TRIPS, define-as como "qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz

de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento", o que

denota uma evidente preocupação com o caráter distintivo das marcas na sua própria definição. Preocupação semelhante também pode ser encontrada no art. 2º, da Diretiva nº 2008/95/EC e no § 45 do Lanham Act.

103 SILVEIRA, Newton. Curso de Propriedade Industrial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

marcas registradas e da concorrência desleal é disciplinada pela Lei nº 9.279/1996, ao lado dos tratados104.

As marcas possuem grande valor patrimonial por serem uma "maneira fácil e

feliz de atrair a atenção geral para a boa qualidade dos produtos ou honestidade dos comerciantes", observa Fran Martins105.

A proteção legal conferida às marcas registradas é muito importante para o desenvolvimento do mercado por garantir, ao seu titular, o direito de exclusividade na sua exploração econômica ao mesmo tempo em que lhe permite transmitir ao

104 Em geral, os tratados internacionais a que o Brasil seja parte e que forem ratificados pelo Congresso

Nacional integram a ordem interna com status de lei ordinária. Exceção a esta regra são os tratados de direitos humanos, os quais podem ter status de norma constitucional, quando aprovados em dois turnos, nas duas casas legislativas, pelo voto de três quintos de seus membros (cf. Constituição Federal, art. 5º, LXXVIII, § 3º), ou status supralegal quando ratificados por quórum menor, conforme entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 466.343/SP. O problema do status de lei ordinária conferido aos outros tratados internacionais é a possibilidade de suas normas serem derrogadas pela superveniência de lei ordinária interna que lhe seja posterior e, mesmo sem dizer expressamente que os revogam, for com eles incompatível ou regular a matéria inteiramente (cf. Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 2, § 1º). Todavia, a possibilidade de derrogação de tratados internacionais pela superveniência de lei posterior não é aplicável aos tratados em matéria de Direito da Propriedade Intelectual por força de disposição especial expressa do art. 115, do Código Bustamante (Convenção de Direito Internacional Privado), o qual afirma que “a propriedade intelectual e a industrial regular-se-ão pelo estabelecimento nos convênios internacionais especiais, ora existentes, ou que no futuro se venham a celebrar. Na falta deles, sua obtenção, registro e gozo ficarão submetidos ao direito local que as outorgue.” Referido dispositivo, portanto, com status de

lei ordinária, prevê o primado dos tratados internacionais em matéria de Direito da Propriedade Industrial, relegando a legislação local à posição de norma supletiva. Lélio Denícoli Schmidt comenta referido dispositivo afirmando que “o art. 115 do Código Bustamante confere primazia aos tratados

de propriedade intelectual e determina que eles prevaleçam sobre eventuais disposições contrárias contidas na legislação interna, ainda que posteriores. Esse entendimento é corroborado pela parte final do dispositivo, que estabelece que somente os casos não previstos nos tratados internacionais poderão ser regidos pelo direito interno. A mensagem é clara: o legislador nacional não pode regular a propriedade intelectual de forma contrária ao disposto nos tratados que refém a matéria, sob pena de gerar norma inválida ou inaplicável. O art. 115, do Código Bustamante constitui-se em norma especial que derroga o tratamento paritário que o art. 2º, § 1º, da LINDB estabelece entre a lei e os tratados de propriedade industrial. Tal dispositivo permanece em pleno vigor, pois não foi revogado pela Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro nem pela Convenção Interamericana sobre Normas de Direito Internacional Privado” (SCHMIDT, Lélio Denícoli. Marcas. Aquisição, Exercício e Extinção de Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 85). Corroboram esta noção o art. 1º,

1, do TRIPS, ao dispor que os países signatários poderão prever proteção “mais ampla que a exigida

neste Acordo, desde que tal proteção não contrarie as disposições deste Acordo”. Do mesmo modo,

o art. 2º, da Convenção da União de Paris prevê também que os cidadãos dos país signatários serão beneficiados com as “vantagens que as leis respectivas concedem atualmente ou venham a

conceder no futuro aos nacionais, sem prejuízo dos direitos especialmente previstos na presente Convenção”. A conclusão é que os tratados internacionais de Direito da Propriedade Industrial dos

quais o Brasil seja signatário e que tenham sido ratificados pelo Congresso Nacional, embora tenham status de lei ordinária, não podem ser derrogados por lei ordinária superveniente em razão do primado dos tratados internacionais dessa matéria, expressamente estabelecido no art. 114, do Código Bustamante.

105 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 29ª Ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,

consumidor uma mensagem publicitária relacionada aos produtos e/ou serviços específicos que as possuem.

Por sua vez, do ponto de vista do consumidor, as marcas registradas têm o efeito de reduzir os seus custos de pesquisa pelos produtos e serviços que deseja adquirir pois lhe permite antecipar a qualidade do produto ou do serviço a partir de prejulgamentos (reais ou imaginários, corretos ou errôneos) que ele possua sobre a marca.

Estes prejulgamentos surgem a partir de sua experiência pessoal prévia com produtos ou serviços que ostentem aquela marca, a partir da referências obtidas junto a terceiros, ou pela simples expectativa que possua sobre eles em decorrência da mensagem publicitária que lhe foi disponibilizada, funcionando como um veículo de divulgação e de marketing, como destaca Gabriel Di Blasi106:

Além disso, a marca atua como um veículo de divulgação, formando nas pessoas o hábito de consumir um determinado bem incorpóreo, induzindo preferências através do estímulo ocasionado por uma denominação, palavra, emblema, figura, símbolo ou sinal distintivo. E, efetivamente, o agente individualizador de um produto, de uma mercadoria ou de um serviço, proporcionando à clientela uma garantia de identificação do produto ou serviço de sua preferência.

O registro de uma marca confere ao seu titular um direito de propriedade sobre o sinal registrado, o que assegura o "seu uso exclusivo em todo o território nacional" (cf. Art. 129, da Lei nº 9.279/1996).

Apesar de toda a controvérsia existente a respeito da natureza jurídica do direito conferido pelo registro de uma marca, não se pode ignorar o fato de que a lei maior brasileira garante que "a lei assegurará [...] proteção [...] à propriedade das

marcas" (cf. Art. 5º, XXIX, da CF/1988), de modo que o nosso Direito adotou a noção

de marca como propriedade.

No entanto, isto não significa que se deva conceber a propriedade de uma marca da mesma maneira que se concebe uma propriedade de um bem corpóreo, pois, ao contrário destes, que são naturalmente escassos e só podem ser usufruídos por uma só pessoa com exclusão das demais, a escassez das marcas lhes é conferida artificialmente pela lei por questões políticas, o que se extrai até mesmo do final do

106 BLASI, Gabriel Di. A Propriedade Industrial. 2ªEd. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.

dispositivo constitucional mencionado acima, ao dizer que a lei garantirá proteção à propriedade das marcas "tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento

tecnológico e econômico do país".

Desta forma, pode-se dizer que a propriedade das marcas também exerce uma função social e só se legitima quando sua utilização exclusiva, pelo seu titular, tenha por fundamento a promoção de benefícios sociais superiores àqueles que se poderia alcançar em condições ordinárias. Neste sentido é o pensamento de William P. Kratzke, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Memphis, no Tennesse:

[...] the exclusive entitlement to use a trademark requires attributing artificial scarcity to it, i. e. only one seller can use a particular trademark. The scope of artificial scarcity accorded a trademark through legal protection necessarily reflects a public policy. As a matter of public policy, trademark law should accord a user an exclusive entitlement only when exclusivity creates more value than would be created by not according a user an exclusive interest.107

Também o jurista português José de Oliveira Ascensão108 atenta para o fato de que a propriedade sobre marcas não exclui o direito que terceiros têm de utilizarem- na para outros fins que não sejam próprios da atividade econômica do titular da marca, lembrando também a impossibilidade de se constituírem direitos de propriedade sobre palavras. Diz ele109:

Se admitíssemos uma propriedade de marcas, teríamos uma consequência inadmissível: como estas podem ser nominativas e constituídas por uma palavra só estaríamos a admitir um monopólio sobre palavras. Uma palavra teria sido apropriada por um interessado.

107 “[…] o direito exclusivo de usar uma marca exige que se atribua uma escassez artificial a ela, i. e.,

apenas um vendedor pode usar determinada marca. O objetivo de se atribuir uma escassez artificial a uma marca registrada por meio de proteção legal reflete uma política pública. Como questão de política pública, o direito de marcas deve conferir ao titular um direito exclusivo somente quando a exclusividade cria maior valor do que seria criado se não fosse conferido ao titular um uso exclusivo” [tradução livre]. KRATZKE, William. P. Normative Economic Analysis of Trademark Law. University

of Memphis Law Review, vol. 21, n. 2, 1991, p. 204.

108 ASCENSÃO, José de Oliveira. As Funções da Marca e os Descritores (Metatags) na Internet.

Revista da ABPI, n. 61, nov/dez. 2002, p. 48.

109 Em razão dessas duas características, Assunção inclina-se pela visão da marca não como direito

de propriedade, mas como um direito exclusivo. Para ele, a noção de marca como propriedade não é compatível com a coexistência de marcas idênticas para identificar produtos ou serviços de ramos diferentes (princípio da especialidade), sob pena de admitir-se a existência de uma “propriedade relativa”. Nesta dissertação, como explicado no corpo do texto, não seguimos esse entendimento em razão da opção do constituinte originário brasileiro ter adotado expressamente a caracterização da marca como propriedade. Entendemos, porém, que essa propriedade tem peculiaridades que lhe são inatas e que, por isso, goza de distinções em relação à propriedade sobre bens corpóreos em geral.

Mas não há monopólios sobre palavras. Toda a palavra é de livre utilização por todos. Podem-se outorgar exclusivos para certos tipos de utilização - e neste sentido, direitos relativos, pois só existem para aquelas finalidades. Mas a palavra em si não está apropriada.

Portanto, a caracterização da natureza jurídica da marca como propriedade deve ser entendida em conformidade com a natureza imaterial/incorpórea dos bens que ela visa proteger - entre eles as marcas registradas - a fim de não lhe despir de suas características peculiares ao mesmo tempo em que assegura ao proprietário todo o feixe de direitos dela decorrentes - o que será melhor estudado mais à frente - desde que atendidas as funções que o Direito lhe reserva, as quais veremos logo a seguir.