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2 O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL E O PAPEL DOS

2.2 Estabelecimento virtual originário e derivado e as suas repercussões

Considerando-se que o comércio eletrônico é relativamente recente dentro da história do comércio, é natural que empresários mais antigos já tivessem estruturado estabelecimentos empresariais clássicos antes do advento da Internet e, quando esta surgiu, organizaram estabelecimentos virtuais para exercer a atividade empresarial no ciberespaço em paralelo ou até mesmo em substituição às atividades antes exercidas no clássico.

Empresários mais novos e mais modernos, por sua vez, podem ter optado por organizar os fatores de produção para o exercício de uma atividade econômica no

ciberespaço diretamente, sem que tivessem tido uma experiência prévia no mundo tangível.

A possibilidade de precedência de uma atividade empresarial organizada no mundo tangível em relação às desenvolvidas no ciberespaço tem relevância para a adequada compreensão das relações do estabelecimento empresarial virtual com a sua clientela, razão pela qual é necessário distingui-lo em pelo menos duas possíveis categorias: (1) originário; e (2) derivado.

O estabelecimento empresarial virtual originário seria aquele estabelecimento que tem a sua criação desenvolvida diretamente no meio virtual e para este meio, não sendo precedido de uma atividade econômica desenvolvida pelo empresário em meio físico.

Já o estabelecimento empresarial virtual derivado seria aquele que consiste em uma extensão de um estabelecimento clássico pré-existente, tendo característica de complementaridade em relação às atividades desenvolvidas pelo empresário em meio físico, prestando-se à função de mais um de seus pontos de venda: o on-line, como pondera José Olinto de Toledo Ridolfo60:

[...] estabelecimento empresarial digital originário é todo aquele cuja criação, desenvolvimento e implementação estão desvinculados de atividade econômica formal e organizada que o preceda.

Já o estabelecimento empresarial digital derivado é a expressão digital de uma atividade empresarial formal e organizada preexistente e que passa a utilizar-se do meio eletrônico, neste caso, da Internet, para o desenvolvimento complementar de suas atividades mercantis, sendo, portanto, uma extensão do estabelecimento comercial clássico.

Esta distinção é relevante para entendermos corretamente as relações entre os diferentes tipos de estabelecimento empresarial virtual com a sua clientela, pois o estabelecimento virtual derivado tende a deslocar, para o ciberespaço, certa parcela dos clientes do estabelecimento clássico que precedeu o início de suas atividades no novo ambiente, pois o empresário já desenvolvida uma atividade no mundo tangível e pode ter um conjunto de clientes que lhe sejam fieis e busquem localizá-lo no ambiente virtual.

60 RIDOLFO, José Olinto de Toledo. Aspectos da Valoração do Estabelecimento Comercial de

Empresas da Nova Economia. In LUCCA, Newton De. SIMÃO FILHO, Adalberto. (Coord.) Direito

Para esses clientes, será natural tentar localizar o estabelecimento virtual do empresário digitando sua insígnia, ou alguma de suas marcas, na barra de pesquisa do navegador, ou utilizando-as como termos de pesquisa no campo próprio de um motor de busca.

No entanto, o estabelecimento empresarial virtual originário, por não ter sido precedido de uma atividade empresarial no mundo tangível, não possui uma clientela já formada.

Esta questão torna-se particularmente importante na medida em que se nota que o estabelecimento empresarial virtual, diferentemente do clássico, não possui ponto comercial.

É que a definição tradicional de ponto comercial o liga à noção de um espaço físico no qual o empresário organiza o estabelecimento empresarial para nele exercer as suas atividades, para o qual se direciona o fluxo de clientes, e que se valoriza por isso, conforme definição de Sérgio Campinho61:

O ponto empresarial, classicamente denominado de ponto comercial (chamado por muitos de propriedade comercial), consiste no lugar, no espaço físico onde o empresário encontra-se situado e para o qual converge sua clientela. Seu sentido decorre da localização do estabelecimento físico, cujo ponto de situação sofre valorização em razão da atuação do empresário.

Esta relação entre o ponto comercial e uma estrutura física faz com que Fábio Ulhoa Coelho considere esse elemento incorpóreo do estabelecimento empresarial como inexistente no virtual dada a irrelevância da localização material do imóvel em que se encontra instalada a sua estrutura física de suporte para fins de atração de clientela. Para ele62:

Em razão do tipo de acessibilidade, as duas espécies de estabelecimento [clássico e virtual] diferenciam-se quanto ao ponto, elemento inexistente no virtual, embora muito comum no físico. A localização do estabelecimento é importante para grande parte dos negócios que dependem do fácil acesso da clientela, como, por exemplo, os de vendas a varejo em geral, escolas e postos de abastecimento de combustível. Para os estabelecimentos virtuais, a localização do imóvel em que se encontra instalada a empresa não tem a mesma relevância, já que o acesso do consumidor ou do adquirente não é feito por deslocamento no espaço.

61 CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 2ª Ed. rev. e ampl. Rio

de Janeiro: Renovar, 2003, p. 309.

62 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Empresarial. Vol. III. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012,

Do mesmo modo, Victor da Rocha Veneziano e Fábio Garcia Leal Ferraz afirmam a inaplicabilidade do conceito de ponto comercial ao estabelecimento virtual pelo fato de o ponto “estar estritamente vinculado à casa de comércio existente em

um plano concreto e geográfico, algo inexistente no ambiente virtual”63.

Por sua vez, embora não diga claramente que o estabelecimento empresarial virtual não possui ponto comercial, José Américo Zampar Júnior destaca a irrelevância desse elemento incorpóreo para o estabelecimento virtual diante da imaterialidade da forma de acesso da clientela. Em suas palavras64:

Diferença efetiva que se pode notar entre o estabelecimento virtual e o estabelecimento comercial físico, como já aventado acima, é o seu meio de acesso, e, quanto ao ponto, pois enquanto o estabelecimento físico possui o ponto, ou seja, a localização física – que é deveras importante no desenvolvimento da atividade comercial, em vista do acesso dos consumidores - para o estabelecimento virtual este não importa, pois o acesso ao mesmo não é feito por meio de deslocamento físico, mas tão- somente por acesso virtual. Assim, sua localização física não importa efetivamente, pois não é a esta que os consumidores se dirigem quando querem efetuar um negócio com a empresa. Isto tem levado a jurisprudência a negar vigência à renovação compulsória do contrato de locação para os empresários do e-commerce tal qual, e sob o mesmo fundamento que, o fazem para os depósitos fechados, ou seja, a inacessibilidade dos consumidores, e, portanto, a não influência direta na atividade comercial.

Em sentido contrário, Aldemário Araújo Castro defende que a noção de ponto comercial não exigiria necessariamente uma localização física ou geográfica e, tendo a legislação civil silenciado a respeito da forma a ser adotada pelo estabelecimento virtual, não haveria óbice em adaptar-se o conceito para o ciberespaço para albergá- lo no endereço eletrônico. Diz ele que65:

Entre as acepções aceitas para o termo local identificamos a noção de ponto. Esse não necessariamente exige uma localização física ou geográfica, principalmente quando constatamos que cada site possui um endereço próprio na rede mundial de computadores. De outro giro, como advogados ao longo desse trabalho, as definições de índole material ou física devem ser aceitas e adaptadas ao novo mundo virtual, sempre que possível. Nesse

63 VENEZIANO, Victor da Rocha. FERRAZ, Fábio Garcia Leal. O estabelecimento empresarial na

atualidade: o comércio eletrônico a normatização da Internet. Revista de Iniciação Científica e

Extensão da Faculdade de Direito de Franca, vol. 1, n. 1, 2016, p. 319.

64 ZAMPAR JÚNIOR, José Américo. O site como estabelecimento virtual: novo meio de interação entre

a empresa e o consumidor ou nova categoria jurídica? Revista de Direito Privado, vol. 35, jul/set, 2008, p. 167.

65 CASTRO, Aldemário Araújo. Apud BALAN JÚNIOR, Osvaldo. O Estabelecimento Virtual na

Sociedade Técnica: A Necessária Busca de Segurança Jurídica nas Transações Comerciais.

2011. 243f. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, São Paulo, 2011., p. 117.

particular, não vemos óbices insuperáveis na medida que cada site pode ser encontrado e identificado por meio de um endereço eletrônico (no protocolo IP – Internet Protocol).

Tarcísio Teixeira parece compartilhar desse entendimento porque sugere a possibilidade de aplicação analógica das regras da ação renovatória de locação de imóveis comerciais para locações de nomes de domínio, entendendo que a finalidade da proteção legal conferida por meio dessa ação judicial seria a de se tutelar o direito do empresário a manter a clientela que aflui ao local em que está a sua casa comercial, função esta que seria exercida pelo endereço virtual no ciberespaço. Ele afirma que66:

[...] mesmo sendo uma norma que regula a locação de imóvel urbano, o sentido da proteção legal (estampada nos arts. 51 e ss.) é defender o ponto comercial, endereço físico do estabelecimento, cujos clientes se dirigem para adquirir os produtos ou a prestação de serviços, despois de um grande esforço físico do empresário em conquistar a clientela, que passa pela questão do aviamento anteriormente mencionada.

Estender esta proteção ao estabelecimento virtual parece coerente, pois, nos casos de sites empresariais já bem difundidos junto aos internautas, seria proteger o endereço virtual (o que poderia ser considerado “ponto virtual”), em que os usuários da internet habitualmente acessam para efetuar suas compras, sendo clientes daquele estabelecimento virtual.

Entendemos que não é possível considerar o endereço virtual como um ponto comercial, pois a noção de ponto, a nosso ver, liga-se à existência de uma estrutura física capaz de atrair clientes à casa comercial em razão de localização estratégica do imóvel em relação a outros elementos materiais que o circundam, como terminais de ônibus, estações de metrô, centros de comércio ou de serviços ou até mesmo as cercanias de um estabelecimento empresarial concorrente, de modo que fregueses possam afluir à casa comercial pelo simples fato de passarem diante de sua entrada ao transitarem pela rua, e visualizarem suas ofertas.

Deste modo, o estabelecimento empresarial clássico poderá atrair fregueses pela simples localização física que possua, ainda que não exerça qualquer estratégia de marketing que não seja a própria escolha do local físico mais vantajoso para estar fisicamente ao alcance da freguesia.

Todavia, o estabelecimento empresarial virtual não poderá fazer o mesmo, pois o endereço virtual só se torna acessível à clientela na medida em que o seu site

66 TEIXEIRA, Tarcísio. Estabelecimento Empresarial Virtual: Regime Jurídico. Revista de Direito

adquire visibilidade, por meio da exploração da estrutura de links em que se estrutura a Internet.