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Definições jurídicas de influência perturbadora do parto

5. A Influência Perturbadora do Parto

5.1. A influência perturbadora do parto na visão jurídica

5.1.2. Definições jurídicas de influência perturbadora do parto

Verificam-se várias tentativas de definir, na doutrina jurídica, aquilo em que consiste a “influência perturbadora do parto” (segundo o ordenamento jurídico português) ou o “estado puerperal” (segundo o ordenamento jurídico brasileiro).

Segundo Leal-Henriques e Simas Santos376, trata-se de um estado psicossomático377 inerente à mulher – ou, nas palavras de Augusto Silva Dias378, uma perturbação que

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A título meramente exemplificativo: comunidades onde ainda se dê enorme valor ao casamento virgem (pelo menos por parte da noiva). Tal pode ainda ser visto, por exemplo nas comunidades ciganas – vide COSTA, Sofia; NUNES, Laura M. – Relações Conjugais numa Comunidade Cigana: A Percepção da Violência. In SANI, Ana; NUNES, Laura (coord.) – Crime, Justiça e Sociedade: Desafios emergentes e

propostas multidisciplinares, p. 51-65: fala-se, nomeadamente na “prova da virgindade” da noiva,

cerimónia tradicional de tais comunidades (p. 54). A concordar, vide KASPER, Ana Paula – O

Infanticídio no Estado Puerperal [Em linha], p. 25: “os tormentos de uma vida social e econômica são

fatores que também favorecem a prática do crime [de infanticídio] ”; e COSTA, Nuno Gonçalves da –

Infanticídio Privilegiado (Contributo para o Estudo dos Crimes contra a Vida no Código Penal), p.

211, referindo-se a “determinadas pressões ambientais conexas com o nascimento de um filho”, “o nascimento de um filho numa família que se debate com a pobreza ou com a precariedade das condições habitacionais”, entre outros. Por fim, e não menos importante, CUSSON, Maurice – Criminologia, p. 89- 91, dá-nos luzes sobre aquilo a que cognominaríamos “a culturalização do crime”, pois conforme a cultura, conforme determinados actos são, ou não, crime – e assim se recorda o já anteriormente exposto parecer de Victor Hugo, que obviamente subscrevemos.

375

DIAS, Figueiredo, apud. MINISTÉRIO da Justiça – CÓDIGO Penal: Actas e Projecto da Comissão

de Revisão, p. 201.

376

LEAL-HENRIQUES, Manuel de Oliveira; SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas – O Código

Penal de 1982 (vol. 2), p. 69.

377

Segundo BERKOW, Robert; BEERS, Mark H.; FLETCHER, Andrew J. – Manual Merck de Saúde

para a Família, p. 410, “o termo «perturbação psicossomática» não tem uma definição precisa. Na

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“pode ter causas endógenas e exógenas” – o qual pode ocorrer imediatamente antes, durante e logo após o parto, sendo este susceptível de alterar a capacidade de entendimento ou de auto-inibição – ou seja, alterar as condições psíquicas da mulher. Já Fernando Silva379 refere-nos apenas os factores endógenos, sendo que estes podem ser provenientes de circunstâncias físicas (como a dor, ou qualquer outra alteração biológica que possa ser provocada pelo parto) ou psíquicas (relacionadas com estados depressivos ou perturbações do foro neurológico que possam advir do parto); e uma vez que, consequentemente, a mãe “é levada a uma reacção física, própria da sua natureza animal”, a mãe é levada a matar o seu filho “porque está consideravelmente débil”, pois “o objecto do crime – o filho – constitui para ela o motivo da perturbação”, sendo esta de tal ordem que quase leve a mãe a perder o seu discernimento.

No contributo de Nélson Hungria, trata-se dum “estado subsequente às dores do parto, ou de excitação e angústia por este produzidas, aliado ao psiquismo particular (não anormal) da parturiente (…)”.380

Como é possível concluir do exposto, e assim o reiteramos, não existe uma definição concreta, precisa, sobre o que seja a “influência perturbadora do parto”. O único aspecto em que a doutrina procura coerência é na remissão de melhor definição daquilo em que consiste esta cláusula para a ciência em geral: Augusto Silva Dias refere, por exemplo, que “dados da ciência médica apontam para a frequência nas parturientes de um estado de ansiedade, irritabilidade ou preocupação excessiva, que é conhecido por «melancolia do parto», que pode demorar horas ou dias e pode mesmo degenerar – embora seja raro

entanto, não existem perturbações físicas que sejam originadas exclusivamente por factores psicológicos. Mais ainda, uma perturbação física tem necessariamente de incluir uma componente biológica (um factor essencial para que a doença ocorra)”. Cfr., igualmente, PEDRO, João Carlos Gomes – A Relação Mãe-

Filho: Influência do Contacto Precoce no Comportamento da Díade, p. 32: “(…) o nascimento é

essencialmente um processo psicossomático e de que a sua preparação, quer física, quer psicológica, é essencial”. Por fim, vide CHAUCHARD, Paul – A Medicina Psicossomática, p. 65-66, 69-70 e 68, sendo que na última o autor refere, e bem, que “a análise da origem das perturbações exige um conhecimento profundo não apenas das condições de vida actuais do doente, mas de todo o seu passado, pois se trata de revelar o que no seu carácter condiciona a sua reacção ao meio actual. Não revive os seus conflitos infantis, mas comporta-se actualmente como se realizou na sua educação”. Para mais informações sobre a Medicina Psicossomática, cfr. BARBOSA, António; CORDEIRO, J. Dias – Perturbações Psicofisiológicas – Medicina Psicossomática. In CORDEIRO, J. C. Dias (org.) – Manual de

Psiquiatria Clínica, p. 499-557.

378

DIAS, Augusto Silva – Direito Penal Parte Especial: Crimes contra a Vida e a Integridade Física, p. 47.

379

SILVA, Fernando – Direito Penal Especial: Crimes contra as Pessoas, p. 136.

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– numa profunda depressão pós-parto, que se exterioriza na falta de interesse pelo recém-nascido, tendências suicidas, alucinações, comportamento violento, etc”.381

Ou seja, e seguindo inteiramente a linha de Nuno Gonçalves da Costa382, “a influência perturbadora do parto deve ser entendida em termos essencialmente psicológicos”, apesar de existir quem ponha em causa a base médico-psicológica em que assenta a atenuação do infanticídio – posição que, como se verá, deverá ser rejeitada, uma vez que existem dados médicos e psicológicos que apontam para a sua existência.383

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