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O crime de infanticídio enquanto um dos tipos de homicídio privilegiado

Uma vez exposta a evolução histórica da criminalização do infanticídio, bem como a sua caracterização jurídica a nível doutrinário e jurisprudencial, e para uma maior inteligibilidade do supra exposto, passamos a uma brevíssima explicação da individualização deste tipo de crime face ao homicídio privilegiado (previsto e punido pelo artigo 133.º do Código Penal) – uma vez que o infanticídio é um tipo de homicídio, o qual, desde que seja cometido por agente cuja condição cumpra os requisitos previstos no artigo 136.º do Código Penal, integra a tipologia de homicídio considerado privilegiado.272

Antes de mais, e seguindo uma sistemática semelhante à anteriormente tomada, recordemos a redacção do artigo 133.º do Código Penal vigente, o qual tipifica o crime de homicídio privilegiado: “quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”.273

Conclui-se desde já o seguinte: na estrutura deste tipo de crime, identificam-se quatro elementos privilegiadores e dois requisitos fundamentais.274

272

SILVA, Fernando – Direito Penal Especial: Crimes contra as Pessoas, p. 97-98, refere que “o Código Penal consagra três modalidades de homicídio privilegiado (…) [sendo estes os] tipos de crime contemplados no art.º 133.º, onde o motivo é uma culpa diminuída determinada por circunstâncias que tornam o facto menos exigível ao agente, [o] homicídio a pedido da vítima, consagrado no art.º 134.º e [o] infanticídio, art.º 136.º, fundamentado por um estado de perturbação do autor que mata o seu próprio filho”.

273

CÓDIGO Penal e Legislação Complementar.

274

Seguindo a linha de SILVA, Fernando – Direito Penal Especial: Crimes contra as Pessoas, p. 98- 100; FERREIRA, Amadeu – Homicídio Privilegiado, p. 83-84; CASAL, Cláudia Neves – Homicídio

Privilegiado por Compaixão, p. 111-112; GONÇALVES, M. Maia – Código Penal Português, p. 526;

PINTO, Frederico de Lacerda da Costa – Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04 de Fevereiro de 1997. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, p. 288; DIAS, Jorge de Figueiredo (dir.) –

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Os elementos privilegiadores consistem na compreensível emoção violenta, na compaixão, no desespero, e no motivo de relevante valor social e moral.

Quanto aos requisitos fundamentais, estes são a dominação do agente pelo respectivo elemento, e a diminuição da culpa. A exposição daquilo em que consistem tais elementos e requisitos seria extravasar o objecto de análise do presente estudo, pelo que nos limitamos a esta breve exposição quanto ao artigo 133.º do Código Penal português vigente.275

Da leitura do exposto, cabe agora, outrossim, esclarecer o motivo da distinção entre homicídio privilegiado (artigo 133.º) e infanticídio (artigo 136.º), sendo este, como já anteriormente afirmado, uma variante daquele – ou melhor, aquele é o homicídio privilegiado, enquanto este é uma modalidade específica de homicídio privilegiado. O tipo do homicídio privilegiado foi concebido para que a conduta do agente pudesse enquadrar uma das circunstâncias descritas, e desde que cumulativamente se verificassem os requisitos expostos. Ao invés, o tipo do crime de infanticídio foi concebido para que o agente fosse especificamente um (a mãe), que a vítima fosse especificamente uma (o filho recém-nascido), e cujos elementos privilegiadores não enquadravam os descritos no tipo do homicídio privilegiado – sendo, aqui, e como já anteriormente descritos, o elemento “durante ou logo após o parto” (temporal) e “sob a sua [do parto] influência perturbadora” (psicológico).276 Poderia defender-se, linha que afastamos, a divisão do tipo do homicídio privilegiado por forma a incluir, num único artigo, todas as modalidades de homicídio privilegiado, o que, a nosso ver, iria levar a uma insegurança jurídica e interpretativa, uma vez que um artigo legal iria definir várias modalidades de um tipo de crime privilegiado, em que a cada número corresponderia

275

À excepção do requisito “diminuição da culpa”, o qual, reitere-se, será abordado em capítulo autónomo.

276

Na linha de GONÇALVES, M. Maia – Código Penal Português, p. 541. Vide, igualmente, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da

República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, p. 368; OLIVEIRA, Priscila Serrano – Infanticídio previsto no artigo 123 do Código Penal [Em linha], p. 33-329 e 41-42; ACÓRDÃO do

Tribunal da Relação de Évora de 04 de Fevereiro de 1997. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, p. 279; PINTO, Frederico de Lacerda da Costa – Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04 de Fevereiro de 1997. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, p. 285 e 287; ACÓRDÃO do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Fevereiro de 1992. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, p. 113; MONTEIRO, Cristina Líbano – Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Fevereiro de 1992. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, p. 121 e 125-126; ACÓRDÃO do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1984 (Processo n.º 37363). Boletim do Ministério da

Justiça, p. 235; DIAS, Jorge de Figueiredo (dir.) – Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial (tomo I), p. 168; e PROCURADORIA-GERAL Distrital de Lisboa – Código Penal 1995 (versão actualizada) [Em linha].

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uma interpretação completamente diversa. Aliás, acrescente-se, o próprio sistema romano-germânico em que assenta o Direito Português chocaria com tal posição.277 Igualmente, poderia defender-se a manutenção da epígrafe de 1982 “Infanticídio Privilegiado” – posição que não merece discussão, pois a interpretação jurídica do artigo 136.º permite concluir o privilegiamento do tipo de crime mesmo sem a expressa menção de tal facto na epígrafe do artigo.

Comprovantes da afirmada distinção, tome-se nota do seguinte: quando o crime de infanticídio seja praticado por mãe cujos comportamentos do tipo de anormalidade mental sejam preexistentes em relação ao parto (mesmo que tenha sido despoletada pelo parto) ou nascida com ela, haverá total irresponsabilidade da infanticida e não atenuação da censura (artigo 20.º do Código Penal).278 Por sua vez, “se a perturbação psicológica da mãe resultar, não do processo de parto, mas de circunstâncias alheias (…), a conduta será censurada à luz do artigo 133.º, eventualmente com alguma atenuação”.279 Não concordamos com Paulo Pinto de Albuquerque quando afirma que “o estado de perturbação pode ser endógeno (por exemplo, resultante de uma crise depressiva da mulher) ou exógeno (por exemplo, causado por uma situação económica extremamente difícil da mãe)”.280

Por fim, deve referir-se que a lei penal portuguesa não pretende minimamente defender a prática do crime de infanticídio – senão, não faria sentido tipificar esta prática como crime – nem incentivar a um “aborto pós-parto”, conduta igualmente tipificada como crime na legislação penal portuguesa (expressão utilizada por Francesca Minerva e Alberto Giubilini, os quais, a nosso sincero ver sem qualquer razão, dado o já exposto, defendem que “bebés recém-nascidos não são pessoas”, “matá-los, logo nos primeiros

277

E talvez daí, a nosso sincero ver, as dificuldades sentidas tantas vezes, e por tantos juristas, na interpretação do actual Tratado de Lisboa, o qual foi concebido sob as directrizes do sistema anglo- saxónico.

278

LEAL-HENRIQUES, Manuel de Oliveira; SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas – Código Penal

(vol. II), p. 100; LEAL-HENRIQUES, Manuel de Oliveira; SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas – Código Penal Anotado (II volume), p. 175.

279

LEAL-HENRIQUES, Manuel de Oliveira; SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas – Código Penal

(vol. II), p. 100; LEAL-HENRIQUES, Manuel de Oliveira; SANTOS, Manuel José Carrilho de Simas – Código Penal Anotado (II volume), p. 175.

280

ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da

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dias de vida, não é muito diferente de fazer um aborto”, e que “os recém-nascidos, tal como os fetos, não têm um estatuto moral semelhante ao dos adultos”).281

Com isto, damos por concluída a exposição jurídica (doutrinal e jurisprudencial) daquilo em que consiste o crime de infanticídio e a sua distinção em relação ao crime de homicídio privilegiado, seguindo para uma análise sumária das causas gerais de atenuação e exclusão da culpa no Direito Penal português vigente, informação que irá complementar a inteligibilidade e tradução daquilo em que consiste o tipo legal do crime de infanticídio.

281

PEREIRA, André – Estudo defende que “bebés não são pessoas e podem ser mortos”. Correio da

Manhã [Em linha]; GONÇALVES, F. J. – Estudo defende homicídio de bebés. Correio da Manhã [Em

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3. Análise sumária das causas gerais de atenuação e de exclusão da

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