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O exame da mãe-infanticida pela Medicina Legal

V: Modifying the postpartum-onset specifier to include hypomania Archives of Womens Mental

5.2.3. O infanticídio segundo a Medicina Legal

5.2.3.1. O exame da mãe-infanticida pela Medicina Legal

É de suma importância o diagnóstico da mãe-infanticida quanto à (in)existência do parto (para evitar falsas alegações)589 e do estado puerperal, nomeadamente para a questão da dissimulação590, sonegação e substituição de recém-nascidos, para a negação do crime de infanticídio (ou até mesmo de aborto); para o estudo dos estados mentais consequentes à gravidez; para o diagnóstico da violência carnal; para a averiguação da recenticidade ou antiguidade do parto e, quando possível591, do número de partos; e para a análise de provas de laboratório (como, nomeadamente, a mucosidade vaginal, o pus, os lóquios, o induto sebáceo, o líquido amniótico, o leite e colostro, o mecónio, o exame

585

PINHO, Cristina Borges de – Medicina Legal e Direito Penal. Revista de Direito Penal

(Universidade Autónoma de Lisboa), p. 45.

586

PINHO, Cristina Borges de – Medicina Legal e Direito Penal. Revista de Direito Penal

(Universidade Autónoma de Lisboa), p. 45 (nota (3)); DIAS, Figueiredo, apud. PINHO, Cristina

Borges de – Medicina Legal e Direito Penal. Revista de Direito Penal (Universidade Autónoma de

Lisboa), p. 45 (nota (3)).

587

COSTA, Pinto da – Problemas Médico-Legais do Artigo 356.º do Código Penal: Infanticídio.

Separata de «O Médico» 779, p. 7.

588

O autor refere que “uns chamam de estado puerperal a gravidez, o parto e o puerpério que o segue; outros, só a este último; terceiros entendem que o estado puerperal começa após o parto, e dura o tempo da involução clínica do útero. Existem ainda os que o admitem até o desaparecimento dos lóquios ou aparição da menstruação (…) Para o penalista, não interessa o estado puerperal antes ou algum tempo depois do parto, pois só leva em conta o estado puerperal durante e logo após o parto”. Cfr. GOMES, Hélio, apud. NETO, Alfredo Cataldo; DORNELLES, Fabíola – Pais Homicidas e Inimputabilidade: Um estudo transdisciplinar. Revista Brasileira de Direito Imed [Em linha], p. 95.

589

FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal (2.º volume), p. 258, 339-340.

590

FRANÇA, Genival Veloso de – Fundamentos de Medicina Legal, p. 204.

591

Uma vez que “não há, em geral, elementos para uma precisão diagnóstica a fim de se dizer que a mulher é multípara” – FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal (2.º volume), p. 258.

124

microscópico do útero e do ovário, e (se necessário) a análise dos tipos de sangue na perícia da investigação da paternidade592).593

Entende-se por gravidez “o estágio fisiológico da mulher durante o qual ela traz dentro de si o produto da concepção”.594

Para tanto, analisa-se, nomeadamente o estado geral da mulher595 – cansaço, palidez, sonolência, lipotimia – bem como o aspecto dos órgãos genitais externos – que deverão denotar grande traumatismo recente na vulva, grandes e pequenos lábios, fúrcula, hímen, e períneo – no caso de o parto ser recente e de a mulher se encontrar viva.596 Já no caso de parto antigo e mulher viva, por vezes a mulher ainda revela, externamente, cloasma gravídico no rosto, a existência de vergões nacarados no ventre, coxas, seios, e pigmentação da linha alba. Mais característico é o encontro de cicatriz perineal e vestígios do hímen roto, traumatizado e retraído.597

Existem, igualmente, especificidades para o exame de cada um dos partos em mulheres mortas.598

Quanto ao estado puerperal, deve ter-se primeiramente em conta a obviosidade de que nem sempre o puerpério acarreta uma perturbação psíquica: “é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente”. Fora destes casos, não há motivo para proceder à distinção entre o infanticídio e o homicídio.599 Consequentemente, a realização da perícia médica reveste-se de primordial relevância.600

Tem-se como puerpério “o período de tempo entre a dequitação placentária e o retorno do organismo materno às condições pré-gravíticas, tendo duração média de 6 semanas”, enquanto o estado puerperal é “uma alteração temporária em mulher previamente sã,

592

Para aprofundamento do seu estudo, vide FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal (2.º volume), p. 263- 286.

593

FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal (2.º volume), p. 252-253, 258-267; FRANÇA, Genival Veloso de – Fundamentos de Medicina Legal, p. 202.

594

FRANÇA, Genival Veloso de – Fundamentos de Medicina Legal, p. 202.

595

Sobre o parto e os sinais médico-legais de parto na mulher, vide FRANÇA, Genival Veloso de –

Fundamentos de Medicina Legal, p. 205-206.

596

FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal (2.º volume), p. 253-254.

597

FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal (2.º volume), p. 254-255.

598

Sobre o assunto, cfr. FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal (2.º volume), p. 255-257.

599

FÁVERO, Flamínio – Medicina Legal (2.º volume), p. 304; BITENCOURT, Cézar Roberto, apud. NETO, Alfredo Cataldo; DORNELLES, Fabíola – Pais Homicidas e Inimputabilidade: Um estudo transdisciplinar. Revista Brasileira de Direito Imed [Em linha], p. 96.

600

NETO, Alfredo Cataldo; DORNELLES, Fabíola – Pais Homicidas e Inimputabilidade: Um estudo transdisciplinar. Revista Brasileira de Direito Imed [Em linha], p. 96.

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com colapso do senso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho”.601

Por seu turno, quanto à última definição, Maranhão considera que “o chamado estado puerperal constitui uma situação sui generis, pois não se trata de uma alienação, nem de uma semi-alienação, mas também não se pode dizer que seja uma situação normal”, mas sim “um estado transitório, incompleto, caracterizado por defeituosa atenção, deficiente senso-percepção e que confunde o objectivo com o subjectivo”602, se bem que igualmente considera que “as psicoses que se instalam pós-parto são erradamente chamadas de puerperais, pois não constituem entidade autónoma, antes trata-se de esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, estado confusional”, entre outras, sendo que “essas manifestações psicopatológicas, com quadros clínicos bem definidos, encontram no puerpério condições propícias para sua instalação, como a exaustão, as alterações hormonais, tensão emocional, que se associam para precipitar um surto ou episódio psicótico”.603

Por outro lado, Alcântara considera tratar-se de “uma obnubilação mental seguinte ao desprendimento fetal que só se manifesta na parturiente que não recebe assistência, conforto ou solidariedade, e é um quadro mais jurídico do que médico, embora haja algumas explicações etiopatogénicas”.604

Roberson Guimarães considera que é facto biológico bem estabelecido que o parto desencadeia uma súbita queda dos níveis hormonais e alterações bioquímicas no sistema nervoso central, sendo que a disfunção ocorreria no eixo Hipotálamo-Hipófise-Ovariano, o que provocaria estímulos psíquicos com subsequente alteração emocional.605

Talvez o maior crítico seja Genival Veloso de França, o qual chega mesmo a afirmar que “não há nenhum elemento psicofísico capaz de fornecer à perícia elementos consistentes e seguros para se afirmar que uma mulher matou seu próprio filho durante ou logo após o parto motivada por uma alteração chamada «estado puerperal», tão- somente porque tal distúrbio não existe como patologia própria nos tratados

601

GUIMARÃES, Roberson – O Crime de Infanticídio e a Perícia Médico-Legal [Em linha]. Sobre o puerpério e respectivo diagnóstico, cfr. FRANÇA, Genival Veloso de – Fundamentos de Medicina

Legal, p. 207.

602

MARANHÃO, apud. GUIMARÃES, Roberson – O Crime de Infanticídio e a Perícia Médico-Legal [Em linha].

603

MARANHÃO, Ramos, apud. SILVA, João Ricardo Anastácio da – A Real Influência do Estado Puerperal face ao Crime de Infanticídio. Revista Jurídica da UNIFIL [Em linha], p. 129.

604

ALCÂNTARA, apud. GUIMARÃES, Roberson – O Crime de Infanticídio e a Perícia Médico-

Legal [Em linha].

605

126

médicos”.606

“Nada mais fantasioso que o chamado estado puerperal, pois nem sequer tem um limite de duração definido”.607

Flamínio Fávero admite “a possibilidade de um estado puerperal puro, ou seja, gerado unicamente pelo parto, sem nenhum antecedente”608

, sendo esta posição compartilhada por Médici Filho, Aníbal Bruno, Gomes Neto, entre outros juristas brasileiros.

Brouardel considera que “a mania puerperal não nasce e não desaparece instantaneamente, ela dura algumas semanas ou alguns meses, um médico não pode estar errado neste diagnóstico”.609

Pinto da Costa refere, por sua vez, que “por vezes, a mãe que mata o infante, não o faz para ocultar a sua desonra, mas porque tem perturbações de tipo psicológico inerentes ao puerpério e que podem atingir um nível psicótico”, acrescentando que o infanticídio pode ser cometido pela epiléptica como também pela esquizofrénica, sendo, portanto, que “estas doentes podem ter morto o filho, actuando em curto-circuito, por acto impulsivo, resultante da transformação directa dos impulsos efectores em actos, sem que haja análise da consciência”. Mais refere, finalmente, que “pode admitir-se também que o infanticídio seja praticado por um acto compulsivo, precedido de análise da consciência com reconhecimento de que o acto é absurdo, e que, por haver perturbaçõies afectivo-volitivas, a mulher decida executá-lo para anular a ansiedade”, sendo este modo de actuação próprio das doentes obsessivas.610 De notar que “a influência perturbadora que leva a mulher a matar um filho não atinge o nível psicótico porque neste caso a mãe seria inimputável”, sendo que “o que conta são as modificações

606

FRANÇA, Genival Veloso de – Fundamentos de Medicina Legal, p. 235. Cremos, pela evolução do discurso do autor na sua obra, que este não considerou/considera a Psicologia Forense e/ou a Psiquiatria Forense enquanto perícias, facto que é de lamentar profundamente. Na mesma página, refere que existe a Psicose Puerperal (referindo-se à mesma, igualmente bem, como psicose pós-parto) e que a American Psychiatric Association procedeu a alterações no seu DSM. Vide, igualmente, FRANÇA, Genival Veloso de – Fundamentos de Medicina Legal, p. 242-243.

607

FRANÇA, Genival Veloso de – Fundamentos de Medicina Legal, p. 236; RONCHI, Joyce – A

(Im)Possibilidade de Excludente de Culpabilidade no Estado Puerperal no Crime de Infanticídio: Um estudo acerca da (in)imputabilidade do agente causada pela doença mental nos casos comprovados de psicose [Em linha], p. 16. Novamente, cremos que, pelo discurso ao longo do seu

estudo, estas palavras de França são apenas proferidas em sinal de discordância com o ordenamento jurídico – e se assim for, subscrevemos, tanto que é esse o objectivo do nosso estudo.

608

FÁVERO, Flamínio, apud. SILVA, João Ricardo Anastácio da – A Real Influência do Estado Puerperal face ao Crime de Infanticídio. Revista Jurídica da UNIFIL [Em linha], p. 129.

609

BROUARDEL, P. – L’Infanticide, p. 160. Texto original: “La manie puerpérale ne naît pas et ne disparaît pas instantanément, elle dure quelques semaines ou quelques mois, un médecin ne saurait se tromper dans ce diagnosticˮ. (traduções nossas)

610

COSTA, Pinto da – Problemas Médico-Legais do Artigo 356.º do Código Penal: Infanticídio.

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importantes relativas a alterações comportamentais significativas”.611 Quanto à duração, há, igualmente, uma indefinição total.612

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