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DEFINIÇÕES NECESSÁRIAS EM FUNÇÃO DA ADOÇÃO DA

CAPÍTULO 1 – ESTADO DE DIREITO E CORRUPÇÃO ENTRE OS CÓDIGOS

2.2 DEFINIÇÕES NECESSÁRIAS EM FUNÇÃO DA ADOÇÃO DA

Neste trabalho, adotar-se-á um conceito de interpretação embasado nos pressupostos da Filosofia da Linguagem e da Teoria dos Sistemas. No entanto, para que se possa apreender os resultados da aplicação dessas teorias, necessário se faz fixar a definição de alguns termos que serão utilizados e comentados, tais como: (i) linguagem; (ii) língua; (iii) fala; (iv) signo; (v) símbolo; (vi) enunciação; (vii)

97 ADEODATO, João Maurício. A retórica constitucional (sobre a tolerância, direitos humanos e outros

enunciado; (viii) atos de fala; (ix) comunicação; (x) sistema comunicacional; (xi) observação; (xii) autodescrição.

A seguir, serão apresentados os conceitos para tais termos, não com o escopo de exaurir tais definições, apontando a diversidade de enfoques teóricos possíveis. O objetivo é o de fixar em que acepção tais expressões são utilizadas nesta tese. Veja-se abaixo:

(i) Linguagem: é a forma de expressividade no processo comunicacional que, segundo FERDINAND DE SAUSSURE,98 engloba a língua e a fala. Trata-se, de acordo com PAULO DE BARROS CARVALHO, da capacidade do ser humano de se comunicar por meio dos signos.99 ROMAN JAKOBSON explica: “[...] uma das tarefas essenciais da linguagem é vencer o espaço, abolir a distância, criar uma continuidade espacial, encontrar e estabelecer uma linguagem comum ‘através das ondas’”.100

(ii) Língua: é o sistema convencional de signos utilizado para exprimir as ideias. Refere-se a uma instituição social, de caráter homogêneo e concreto, decorrente de uma espécie de contrato estabelecido entre os membros da sociedade. A língua apresenta uma resistência às tentativas isoladas de modificação por parte dos indivíduos.101

Explica SAUSSURE que a língua “é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade”102. Continua o autor: “Enquanto a linguagem é heterogênea, a língua assim delimitada é de natureza homogênea: constitui-se num sistema de signos

98 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo

Paes e Izidoro Blikstein. 12. ed. São Paulo: Editora Cultrix, [ca. 1990], p. 92.

99 CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, 2008, pp. 30-32.

100 JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. Tradução de José Paulo Paes e Izidoro

Blikstein. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 24.

101 Cf. SAUSSURE. Curso de lingüística geral, p. 22-24.

onde, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas.”103

(iii) Fala: segundo SAUSSURE, a fala é “[...] a soma do que as pessoas dizem, e compreende: a) combinações individuais, dependentes da vontade dos que falam; b) atos de fonação igualmente voluntários, necessários para a execução dessas combinações.”104

Há entre a língua e a fala uma relação de dependência, pois a língua é oriunda da fala e por ela atualizada. Nesse sentido, afirma TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM: “A fala é o modo de atualizar a língua ao imprimir novos usos às palavras.”105 Será necessário que haja uma massa falante para que exista uma língua.106

(iv) Signo: é a representação de algo. Segundo a terminologia husserliana, será a relação triádica entre suporte físico, significado e significação. Sendo que por suporte físico se entende a base material com a qual temos contato físico; por significado a referência externa do signo (algo que está no mundo); e por último, a significação compreende a ideia, a noção ou o conceito suscitados na mente de quem interpreta.107

(v) Símbolo: é um dos tipos de signo ao lado do ícone e do índice, segundo a classificação proposta por CHARLES S. PIERCE.108 Os símbolos são decorrentes de convenções estabelecidas entre os homens, arbitrariamente construídos, como, por exemplo, as palavras, as notas musicais, as bandeiras, os emblemas etc.. PAULO DE BARROS CARVALHO adverte que, não há, em princípio, nenhuma ligação do símbolo com o objeto do mundo (significado) que ele representa. Ensina o autor:

103 SAUSSURE. Curso de lingüística geral, p. 23. 104 Ibid., p. 28.

105 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2005, p. 15. 106 Cf. SAUSURE. Curso de lingüística geral, p. 92.

107 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método, 2008, pp. 33-34.

108 PIERCE, Charles S. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. 4. ed. São Paulo:

Aceitos por convenção, os símbolos são largamente utilizados nos mais diferentes códigos da comunicação. Deles não pode haver melhor exemplo que as palavras de um determinado idioma. O vocábulo casa nada sugere, considerado em si mesmo, a respeito da entidade real que menciona. É produto de convenção, formada num processo evolutivo que a gramática histórica pode em parte explicar, se bem que a escolha propriamente dita, no seu modo primitivo de existir, continue sendo ato arbitrário.109

(vi) Enunciação: é o ato de produção do enunciado, visto como uma atividade discursiva. Conforme explica TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM: “[...] a enunciação se opõe ao enunciado como um processo a seu produto, algo dinâmico em contraposição ao estático. Todo enunciado pressupõe enunciação.”110 Por ser o aspecto dinâmico da língua, JOSÉ LUIZ FIORIN, citando Derbrat-Orecchioni, diz ser impossível descrever o ato de enunciação em si mesmo.111

(vii) Enunciado: é a expressão linguística, produto da enunciação. Segundo AURORA TOMAZINI DE CARVALHO: “[...] são as sentenças (frases) formadas pelo conjunto de fonemas e grafemas devidamente estruturadas que tem por finalidade transmitir o conteúdo completo, num contexto comunicacional.”112 Ele consiste numa expressão material.

Para MANFREDO ARAÚJO DE OLIVEIRA, nos moldes da classificação de J. L. AUSTIN, há dois tipos de enunciados: constativo e performativo. O primeiro verificaria uma situação de fato, entre eles, encontra-se o declarativo. Já o segundo, performativo, executa uma ação, como p. ex., “digo sim no casamento ao padre.”113

(viii) Atos de fala: são as expedições de enunciados, que podem ser tanto escritos quanto orais. E outra vez levando em conta a proposta de AUSTIN, o autor

109 CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, 2008, p. 35. Nesse sentido, CARLOS

SANTIAGO NINO informa que: “[…] los símbolos tienen sólo una relación convencional con los objetos representados;” (NINO, Carlos Santiago. Introducción al análisis del derecho, 2. ed. ampliada e revisada, 13. reimpressão. Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo Depalmasrl., 2005, p. 248.)

110 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2005, p. 24.

111 FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2. ed.

São Paulo: Ática, 1999, p. 31.

112 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-

semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 173.

113 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea.

supracitado explica que os atos de fala podem ser divididos em: (a) locucionários, (b) ilocucionários e (c) perlocucionários. Tal classificação parte da diferença entre os enunciados constativos e os performativos.114

De acordo com TÁREK MÓYSES MOUSSALLEM, o ato locucionário é aquele referente ao próprio dizer (p. ex.: “Ela me disse: “Vá embora!”). O ato ilocucionário versa sobre aquilo que se faz ao falar alguma coisa (p. ex.: “Ela me convenceu a ir embora”). E, por último, o ato perlocucionário é o resultado verificado no destinatário decorrente da ação de dizer algo (p. ex.: “Ela obrigou-me a ir embora”).115

O importante é perceber nessa classificação que a linguagem não possui tão somente a função descritiva, formada apenas por sentenças declarativas, como supôs a teoria tradicional da linguagem.116

(ix) Comunicação: é o compartilhamento de informações. Numa acepção, a comunicação será a transmissão de mensagens, de um emissor para um receptor, por meio de um canal, num código em comum entre dois. PAULO DE BARROS CARVALHO conceitua cada um desses elementos:

(1) emissor: é a fonte da mensagem, aquele que comporta as informações a serem transmitidas; (2) canal: é o suporte físico necessário à transmissão da mensagem, sendo o meio pelo qual os sinais são transmitidos (é o “ar”, para o caso da comunicação oral, mas pode apresentar-se em formas diversas, como faixas de freqüência de rádio, luzes, sistemas mecânicos ou eletrônicos, etc.); (3) mensagem: é a informação transmitida; (4) código ou repertório (comum a ambos): é o conjunto de signos e regras de combinações próprias a um sistema de sinais, conhecido e utilizado por um grupo de indivíduos ou, em outras palavras, é o quadro das regras de formação (morfologia) e de transformação (sintaxe) de signos; (5) receptor: a pessoa que recebe a mensagem, o destinatário da informação; (6) conexão psicológica: é a concentração subjetiva do emissor e receptor na expedição e na recepção da mensagem; e (7) contexto: é o meio envolvente e a realidade que circunscrevem o fenômeno observado.117

114 OLIVEIRA. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, 1996, pp. 157-161. 115 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2005, pp. 16-17.

116 Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea,

1996, pp. 150-151 e MOUSSALEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária, 2005, p. 11.

Dessa forma, para que haja a comunicação é necessário que emissor e receptor tenham um código em comum. Em geral, nas comunicações sociais utiliza- se a linguagem idiomática como código em comum, sendo a partir dela construído o significado das mensagens. É nesse sentido, que ROMAN JAKOBSON denomina o emissor de codificador da mensagem e o receptor de decodificador da mensagem. Na comunicação, haverá troca de mensagens, por meio de um canal (natural ou artificial) e de um código que seja comum ao emissor (remetente ou codificador) e ao receptor (destinatário ou decodificador).118

Todavia, o termo “comunicação” será utilizado neste trabalho numa acepção mais ampla do que a transmissão de mensagens entre emissor e receptor. Num processo comunicativo será possível perceber uma conexão de seleções. Explica NIKLAS LUHMANN: “Obtém-se a comunicação mediante uma síntese de três diferentes seleções: a) a seleção da informação; b) a seleção do ato de comunicar; e c) a seleção realizada no ato de entender (ou não entender) a informação e o ato de comunicar.”119 Nessa linha, esclarece DALMIR LOPES JR.: “A comunicação, assim apresentada, deve ser compreendida como uma junção de três momentos: informação (Information); mensagem (Mitteilung) e compreensão (Verstehen).”120

(x) Sistema Comunicacional: é o sistema social, também denominado sistema funcional. É fechado operacionalmente por meio de código e programas próprios.

Para a Teoria Sistêmica, os sistemas são estruturas que, por meio de operações realizadas no seu interior, se diferenciam do seu ambiente. São três os tipos de sistemas fechados: biológicos, psíquicos e sociais.121 Para qualificar um sistema é necessário partir da diferença entre sistema e meio. O sistema é proveniente de um ato de distinção, como destaca CELSO FERNANDES

118 JAKOBSON. Lingüística e Comunicação, 1995, p. 19-23. 119 LUHMANN. Introdução à teoria dos sistemas, 2009, p. 297.

120 LOPES JR., Dalmir. Introdução. In: ARNAUD (Org.); LOPES JR. (Org.). Niklas Luhmann: Do

Sistema Social à Sociologia Jurídica, 2004, p. 14.

CAMPILONGO: “Não há sistema sem ambiente.”122. Assim preleciona NIKLAS LUHMANN:

O que muda na atual compreensão da Teoria dos Sistemas, em relação aos avanços alcançados nos anos 1950 e 1960, é uma formulação mais radical, na medida em que se define o sistema como a diferença entre sistema e meio. Tal formulação necessita de um desenvolvimento explicativo, já que se apóia em um paradoxo de base: o sistema é a diferença resultante da diferença entre sistema e meio. O conceito de sistema aparece, na definição, duplicado no conceito de diferença. 123

NIKLAS LUHMANN separa os sistemas sociais (comunicacionais) dos psíquicos. Ele não verá a sociedade como um conjunto de pessoas, mas como um conjunto de comunicações, que se distinguem das operações que ocorrem no nível da consciência, atividade cognitiva dos indivíduos. Como explica GOTTFRIED STOCKINGER, essa distinção feita por LUHMANN não é ontológica, mas epistemológica, no nível operacional dos sistemas sociais.124

A comunicação, como algo independente do indivíduo, é que será tida como sistema. Enfatiza CELSO FERNANDES CAMPILONGO: “Tenha-se em mente que, no âmbito social, sistemas são sempre sistemas de comunicação. Insista-se: sistemas sociais são sistemas de comunicação. Comunicações formam a sociedade. Operações sociais são comunicações.”125

(xi) Observação: é uma operação de distinção. É a escolha de um dos lados da diferença. Como explica CELSO FERNANDES CAMPILONGO: “Observação, portanto, é a operação de definição ou escolha por uma parte (e não pela outra). Essa escolha depende da distinção entre dois lados. Outras distinções dariam ao lado escolhido outro sentido. O processo de comunicação pode ser

122 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Interpretação do direito e movimentos sociais: Hermenêutica do

Sistema Jurídico e da Sociedade. Tese apresentada ao Concurso de Professor Titular junto ao

Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, p. 66. (Material inédito).

123 LUHMANN. Introdução à teoria dos sistemas, 2009, p. 81.

124 STOCKINGER, Gottfried. Para uma Teoria Sociológica da Comunicação. Salvador: Editoração

Eletrônica Facom (UFBA), 2001, pp. 33-34.

125 CAMPILONGO. Interpretação do direito e movimentos sociais: Hermenêutica do Sistema Jurídico

descrito como um contínuo de observações com a escolha de informações.”126 E, como evidencia LUHMANN, uma observação produz a si mesma, ao produzir uma observação.127

Por sua vez, o observador é aquele que observa, que realiza as distinções. É ele que construirá as barreiras dos sistemas sociais. Para a teoria sistêmica, o observador no sistema social, não será considerado como um sistema psicológico ou uma consciência. O observador é construído pela própria observação. Explica o autor supramencionado: “Observar é a operação, enquanto observador é um sistema que utiliza as operações de observação de maneira recursiva, como sequências para obter uma diferença em relação ao meio.”128

É a observação que estabelece os limites por meio da diferenciação. Ela partirá sempre do sistema, podendo se referir a algo interno (auto-observação) ou a algo externo (hetero-observação).

E, ainda, a observação poderá se dar em níveis distintos e infinitos. As observações de primeira ordem são as distinções realizadas na demarcação do sistema social. Aquelas que dão forma diante do meio. E as observações de segunda ordem, aquelas observações das observações dos observadores. Como explica CELSO FERNANDES CAMPILONGO: “A observação de segunda ordem deve tentar observar aquilo que o observador de primeira ordem não pode ver: os dois lados das distinções pressupostas nos movimentos de escolha do observador de primeira ordem.”129 Podem ocorrer, a partir dessas, outras sobreposições de observações.

(xii) Autodescrição: é a produção de textos que coordenam um grande número de observações.130 A autodescrição, explicita NIKLAS LUHMANN, é: “[...] la autodescripción es la elaboración de un texto autológico, un texto que se refiere a sí

126 CAMPILONGO. Interpretação do direito e movimentos sociais: Hermenêutica do Sistema Jurídico

e da Sociedade, 2011, p. 72.

127 LUHMANN. Introdução à teoria dos sistemas, 2009, p. 153. 128 Ibid., p. 154.

129 CAMPILONGO. Interpretação do direito e movimentos sociais: Hermenêutica do Sistema Jurídico

e da Sociedade, 2011, p. 73.

mismo.”131 Explica o autor que a autodescrição será uma representação da unidade, da função, da autonomia e da indiferença dos sistemas.

Como é a observação que constitui o observador, na teoria sistêmica, será a descrição que constituirá a autodescrição, pois aqui não há pressuposição de um sujeito separado do seu objeto. Como explica CELSO FERNANDES CAMPILONGO: “Autodescrições cuidam da representação do sistema no próprio sistema.”132

Assim, utilizando os termos aqui clarificados, buscar-se-á nos próximos itens, compreender, a partir da Filosofia da Linguagem e da Teoria Sistêmica, a atividade de interpretação dos textos jurídicos.

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