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CAPÍTULO 1 – ESTADO DE DIREITO E CORRUPÇÃO ENTRE OS CÓDIGOS

1.6 PROCESSAMENTO DAS INFLUÊNCIAS POLÍTICAS E

É no estudo dos limites das repercussões das influências políticas e econômicas no direito que a teoria sistêmica de Luhmann tratada nos itens anteriores dará enormes contribuições. Sobre a importância dessa teoria na análise da interação do direito com o meio, GUNTHER TEUBNER expõe:

A teoria dos sistemas deve muito do seu sucesso ao facto de perspectivar os sistemas como realidades abertas e adaptáveis ao respectivo meio envolvente (“Umwelt”, “environment”). Deixando de conceber estes como realidades fechadas e como mónadas opacas [...].66

Em conjunto com o fechamento operativo de cada sistema social está a sua abertura cognitiva. Trata-se, segundo LUHMANN, de um paradoxo: “O sistema é aberto porque é fechado, ou ainda, é fechado porque é aberto.”67 Tal paradoxo, explica o autor, não é uma contradição lógica, mas uma questão que decorre da própria definição de clausura operacional como reprodução recursiva por meio do código lícito/ilícito e não como negação da abertura.

Aplicando os conceitos de fechamento e abertura da teoria sistêmica luhmaniana, percebe-se, por um lado, que o fechamento do sistema jurídico é garantido pela sua qualidade normativa, em que todas as comunicações necessitam passar por normas jurídicas (“direito que cria direito por meio do direito”). E, por outro lado, verifica-se que a abertura do sistema jurídico é tida como cognitiva, ou seja, trata-se de um processo de aprendizado que será observado na interpretação jurídica heterorreferente.

Não se pode negar que muitos atos jurídicos são condicionados por influências políticas e econômicas. A questão está em saber como e em que medida essas interferências podem ocorrer sem que se afaste a infungibilidade do código do direito. Do contrário, haverá corrupção dos códigos intersistêmicos e,

66 TEUBNER. O direito como sistema autopoiético, 1989, pp. 27-28.

67 LUHMANN. A Restituição do Décimo Segundo Camelo: Do Sentido de uma Análise Sociológica do

Direito. In: ARNAUD (Org.); LOPES JR. (Org.). Niklas Luhmann: Do Sistema Social à Sociologia

consequentemente, bloqueios na concretização do direito constitucional. Sobre a utilização dos códigos da política e da economia MARCELO NEVES comenta:

O sistema político reproduz-se, primariamente, de acordo com o código de preferência generalizado “poder superior/inferior (convertido contemporaneamente na diferença entre governo e oposição) e os seus respectivos programas, estabelecidos por procedimentos eleitorais, parlamentares, burocráticos etc. Nesse sentido, “poder ou não-poder” é uma disjunção que não se confunde com aquela entre “ter ou não-ter”. Em outras palavras, o código de preferência da economia não se sobrepõe ao código da política, nem vice-versa. Correspondentemente, os programas e critérios econômicos e políticos não se transportam, diretamente, de um para o outro.68

Observa-se, mais uma vez, que será a infungibilidade desses códigos que garantirá a autonomia autorreferencial dos subsistemas sociais. A abertura cognitiva que se opõe a essa clausura operacional não pode ser entendida como um contato direto como meio.69 As interferências oriundas do ambiente deverão ser processadas dentro de cada sistema social parcial, a partir dos seus próprios códigos. Caso assim não fosse, voltar-se-ia aos sistemas abertos e retroceder-se-ia ao período anterior ao Estado de Direito.

Por certo que a característica de autoprodução do direito (normas que produzem normas) não pode levar à falsa ideia de que, na sua reprodução, o direito criaria seus novos elementos sem nenhuma participação do ambiente externo. É inquestionável que na (re)produção das normas há diversas influências dos diversos subsistemas sociais, mormente, dos sistemas político e econômico. Nesse sentido, explica GUNTHER TEUBNER:

[...] a teoria autopoética considera que a influência das condicionantes sociais, econômicas e políticas do direito não está excluída, mas é mesmo pressuposta, por um sistema jurídico auto- produtivo. Não é a inexistência desta influência proveniente do meio envolvente o que a teoria autopoética veio inovadoramente sublinhar, mas apenas a forma particular como aquela se repercute no sistema.70

68 NEVES. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e além

de Luhmann e Habermas, 2008, p. 86.

69 Cf. TEUBNER. O direito como sistema autopoiético, 1989, p. 170. 70 Ibid., p. 45.

No entanto, essas interferências políticas e econômicas deverão ser processadas unicamente pelo código lícito/ilícito do direito. Ensina CELSO FERNANDES CAMPILONGO: “O direito positivo não entende outras razões além daquelas traduzíveis no termos de seu código, programas e função.”71 Assim, continua o autor: “Modificações nos sistemas político e econômico podem ser captadas pelo sistema jurídico a partir dos respectivos acoplamentos estruturais.”72

A forma de interiorizar os ruídos do ambiente se dá por meio dos acoplamentos estruturais, entendidos pela teoria sistêmica como a coligação das situações e das mudanças ocorridas no ambiente por meio das suas operações internas.73

O autor supracitado ajuda a esclarecer a diversidade desses ruídos entre os subsistemas ao exemplificar que o não pagamento do preço acordado num negócio jurídico gera um ruído econômico no direito. Aqui, porém, não interessa para o direito saber se o não cumprimento pelo devedor foi mais conveniente ou lucrativo, mas apenas saber qual a consequência jurídica de tal ato (lícito/ilícito).74

Há casos, porém, de neutralização (ausência de interferência) entre os sistemas, como o que ocorre entre os sistemas econômico e político, exemplificado por MARCELO NEVES, no qual nem sempre os mais ricos serão os “donos do poder”.75

Os órgãos estatais responsáveis pela criação e aplicação das normas jurídicas deverão processar esses ruídos políticos e econômicos sem perder de vista a diferenciação entre os subsistemas sociais, sob pena de desestabilizar a autonomia do direito. A comunicação do direito com os demais subsistemas terá a interpretação e a decisão judicial como importantes instrumentos. É o que será aprofundado nos próximos capítulos.

71 CAMPILONGO. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial, 2002, p. 22. 72 Ibid., p. 97.

73 Ibid., p. 95. 74 Ibid., p. 97.

75 NEVES. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e além

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