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CAPÍTULO 1 – ESTADO DE DIREITO E CORRUPÇÃO ENTRE OS CÓDIGOS

2.5 NORMAS JURÍDICAS CONSTRUÍDAS NA INTERPRETAÇÃO

A interpretação jurídica, promovida pelo observador de primeira ordem, será etapa indispensável para a instauração do processo comunicacional do direito, pois será ela que promoverá a construção do significado da informação e do ato de comunicar,158 a partir da análise dos textos jurídicos. Lembre-se, contudo, que a observação realizada pelo intérprete deverá partir do código lícito/ilícito, que é a

156 CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, 2008, p. 283.

157 MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Tradução Conrado Hübner Mendes. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2008, pp. 198-199.

158 Pontua-se que, para NIKLAS LUHMANN, o ato de entender (última etapa do processo

comunicacional) não equivale à compreensão e sim ao último nível da comunicação. Segundo ele: “O

ato de entender, tal como requer ser utilizado neste contexto, não deve ser compreendido como um

estado substancialmente psíquico, mas somente como condição para que uma comunicação possa seguir adiante.” (LUHMANN. Introdução à teoria dos sistemas, 2009, p. 302).

diferença do direito com relação aos demais subsistemas sociais. Tal código é orientado pelo programa condicional “se/então”, “hipótese/consequência”, como explica CELSO FERNANDES CAMPILONGO:

Contudo, apesar de se delimitar uma forma (lícito/ilícito) pela validade, ainda não se define, com isso, o que é lícito e o que é ilícito. Para tanto são necessários programas. No direito, esses programas orientadores são condicionais (se/então, hipótese/conseqüência jurídica). Em resumo, o meio “validade” se cristaliza na atribuição dos valores lícito ou ilícito orientada por programas condicionais.159

Numa perspectiva da lógica jurídica, para que as mensagens produzidas pelo sistema comunicacional do direito alcance a função reguladora proposta, deverá apresentar-se numa estrutura hipotética-condicional, que associa, por meio de um vínculo implicacional, uma consequência a um acontecimento factual. PAULO DE BARROS CARVALHO salienta que essa é a forma sintática necessária dos juízos construídos a partir dos enunciados prescritivos:

Para terem sentido e, portanto, serem devidamente compreendidos pelo destinatário, os comandos jurídicos devem revestir um quantum de estrutura formal. Em simbolismo lógico, teríamos: D [F (S’RS’’)], que se interpreta da seguinte forma: “deve-ser que, dado o fato F, então se instale a relação jurídica R, entre os sujeitos S’ e S’’.” Apenas com esse esquema formal haverá possibilidade de sentido deôntico completo. 160

A significação condicional, construída pelo intérprete do direito, é denominada norma jurídica em sentido estrito. Será, pois, por meio da linguagem das normas jurídicas que o direito regulará as condutas intersubjetivas. Preconiza LOURIVAL VILANOVA: “Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito.”161

159 CAMPILONGO. Interpretação do direito e movimentos sociais: Hermenêutica do Sistema Jurídico

e da Sociedade, 2011, p. 69.

160 CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, 2008, p. 168.

161 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max

A norma jurídica não será extraída do texto jurídico, mas será fruto da construção do intérprete, orientado pelo nexo implicacional. Aliás, tirando o plano da expressão (S1 – a literalidade textual, suporte físico das significações jurídicas), os demais planos da trajetória de construção de sentido, apontados por PAULO DE BARROS CARVALHO, demandarão atividade interpretativa. São eles: S2: Plano das significações – o conjunto dos conteúdos de significações dos enunciados jurídicos; S3: Plano das normas jurídicas – o conjunto articulado das significações normativas – o sistema de normas jurídicas stricto sensu; e S4: Plano da sistematização – organização das normas numa estrutura escalonada – vínculos de coordenação e de subordinação entre as regras jurídicas.162

JULIANO MARANHÃO explica que a interpretação do ordenamento jurídico é a atividade de clarificação e determinação do conteúdo normativo, que se restringe em identificar: “soluções normativas (obrigatório, permitido, proibido) aplicáveis às ações em casos hipotéticos de conflito que sejam relevantes”. E diz ser essa, pois, a função mais importante da dogmática jurídica: “Por meio da interpretação, a dogmática orienta a conduta dos sujeitos normativos, respondendo a questões hipotéticas da forma: de acordo com o ordenamento jurídico, o sujeito normativo que se encontrar em determinada situação, deve, pode ou não realizar a ação A?”163

Isso não quer dizer, esclarece JULIANO MARANHÃO, que a interpretação jurídica ficará adstrita à forma “se b, então a” e não poderá estipular definições como “circulação de mercadorias” ou ordenar a hierarquia dos princípios. Explica o autor: “Tais proposições são empregadas com o objetivo de esclarecer conceitos normativos, que ao final servirão para dar resposta às questões da forma proposta, tais como, ‘se a matriz transfere um produto à sua filial, deve ou não recolher imposto sobre circulação de mercadorias?’”.164

162 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp.

109-133.

163 MARANHÃO, Juliano. Padrões de racionalidade na sistematização de normas. Tese (Doutorado

em Direito) - Universidade de São Paulo, 2004, pp. 112-113.

Em suma, entende-se que a interpretação jurídica será construída pelo participante da comunicação que, após conferir significações aos símbolos veiculados pelos documentos normativos, bem como ao ato de comunicar, produzirá um conjunto sistematizado de normas jurídicas, identificando quais as condutas que são permitidas, obrigatórias e proibidas.

2.6 “NECESSIDADE DE REDUNDÂNCIA” COMO LIMITE NO

PROCESSO INTERPRETATIVO

Sabe-se até aqui que interpretar o direito, a partir do paradigma da Filosofia da Linguagem e da Teoria Sistêmica, não será um processo de descobrimento do verdadeiro sentido dos enunciados jurídicos e, sim, um processo de construção da significação desses enunciados realizado pelo sujeito interpretante a partir dos textos normativos. Todavia, quando se reconhece o intérprete como o único responsável pela produção da interpretação, não se pode dissociar a sua atividade interpretativa individual das regras que foram eleitas coletivamente em determinadas coordenadas de espaço e de tempo.

Se interpretar o direito é construir normas jurídicas a partir do texto jurídico, a interpretação deverá observar as regras do jogo vigentes na comunidade social com relação à utilização da língua que é o código utilizado na comunicação jurídica. Daí afirmar TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. que: “[...] para interpretar, temos de decodificar os símbolos no seu uso, e isso significa conhecer-lhes as regras de controle da denotação e conotação (regras semânticas), de controle das combinatórias possíveis (regras sintáticas) e de controle de funções (regras pragmáticas).”165

Destaca-se que a língua apresenta uma rigidez de regras decorrente do tempo e da coletividade. Entre os objetos culturais, a língua é a que mais sofre influência da coletividade, uma vez que é utilizada por todos, o tempo todo. No entanto, será nela também que menos se verificarão mudanças. Isso decorre,

segundo FERDINAND DE SAUSSURE, do peso da coletividade e do passado. Explica ele:

Se a língua tem um caráter de fixidez, não é sòmente porque está ligada ao peso da coletividade, mas também porque está situada no tempo. Ambos os fatos são inseparáveis. A todo instante, a solidariedade com o passado põe em xeque a liberdade de escolher. Dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem e cachorro. Isso não impede que exista no fenômeno total um vínculo entre esses dois fatores antinômicos: a convenção arbitrária, em virtude da qual a escolha se faz livre, e o tempo, graças ao qual a escolha se acha fixada. Justamente porque o signo é arbitrário, não conhece outra lei senão a da tradição, e é por basear-se na tradição que pode ser arbitrário. 166

O termo “tradição” mencionado por SAUSSURE parece ter relação com o termo “redundância” evidenciado por NIKLAS LUHMANN. A redundância, segundo o autor, resulta da circularidade na utilização da informação precedente na produção de novas operações do sistema autopoiético. Para que haja a manutenção de um sistema social é necessário observar a redundância no processamento das informações. O autor elucida: “Sin reduncancia, la perdida de información producida por el mal funcionamiento de la transmisión de información en el sistema, se haría irreconocible y, por lo tanto, incorregible. Mientras más informaciones tenga que procesar un sistema, más dependerá de que haya consideración de las informaciones importantes.”167

Com relação à linguagem idiomática, será possível ao longo do tempo perceber alterações na língua decorrentes do ato de fala. No entanto, no caminho da sua evolução, haverá uma fidelidade ao passado decorrente da sua característica de continuidade. É o que esclarece FERDINAND DE SAUSSURE: “[...] o signo está em condições de alterar-se porque se continua. O que domina, em toda alteração, é a persistência da matéria velha;”.168

É por esse motivo que UMBERTO ECO, ao tratar de interpretação de texto, explicita a necessidade de limites no processo interpretativo. Após

166 SAUSSURE. Curso de lingüística geral, [ca. 1990], p. 88. 167 LUHMANN. El derecho de la sociedad, 2005, p. 417. 168 SAUSSURE. Curso de lingüística geral, [ca. 1990], p. 89.

apresentaras teorias que defendem a infinitude no ato interpretativo, o autor declara: “O que quero dizer aqui é que existem critérios para limitar a interpretação. Caso contrário, correríamos o risco de nos ver diante de um paradoxo meramente lingüístico do tipo formulado por Macedonio Fernandez: ‘Neste mundo faltam tantas coisas que, se faltasse mais uma, não haveria lugar para ela’.”169

Não se quer com isso dizer que a interpretação jurídica se dará tão só a partir de regras lógicas. Conforme alerta FABIANA DEL PADRE TOMÉ, sendo o direito objeto cultural, o sujeito terá a possibilidade de construir várias significações para os enunciados:

Sendo o direito um objeto cultural, criado pelo homem e integrado na cultura, a qual lhe dá sentido, não há como falar em uma solução única, quando se está diante da aplicação do direito. O adágio segundo o qual, “na clareza da lei cessa a interpretação”, não se sustenta. Até mesmo para dizer que uma lei é clara, demanda-se interpretação, a qual pretende dar, ingenuamente, aquele sentido unívoco.170

Resta claro que os Estados Modernos utilizam o texto jurídico como instrumento de representação do sistema jurídico e a interpretação jurídica como a construção da autodescrição desse sistema. Ressalta-se, contudo, que a presença de um texto escrito no processo comunicativo não viabiliza a construção de uma única interpretação. Essa, conforme já afirmado, será o produto de muitas escolhas realizadas pelo intérprete ao longo do seu percurso de construção de sentido do texto jurídico. Aí é que surge a denominada “discricionariedade” no ato interpretativo.

No entanto, da premissa de que não há uma única interpretação não decorre a conclusão de que todas as interpretações são adequadas na manutenção do fechamento operacional do sistema. Será a redundância na construção da informação, promovida pela interpretação jurídica, que dará consistência ao sistema jurídico, garantindo, com isso, a sua autonomia e a legitimidade concedida pela sociedade na resolução dos conflitos intersubjetivos.

169 ECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1993, pp. 46-47. 170 TOMÉ. Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico. In: HARET (Coord.); CARNEIRO

(Coord.). Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudo Paulo de Barros

No campo do direito, uma interpretação será prejudicial à autonomia do sistema quando não obedecer às regras do jogo da linguagem jurídica. Caso o intérprete construa tal interpretação, alheia às regras, afirmar-se-á que sua atitude foi arbitrária. E, em se tratando de intérprete-julgador, tal atitude, se reiterada, refletirá manutenção da consistência do sistema jurídico.

2.7 PLANOS SINTÁTICO, SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO DA

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