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DEFININDO O CONCEITO DE AUTOFORMAÇÃO

A autoformação vem sendo discutida no âmbito da formação docente, muitas vezes sendo atribuídos sentidos equivocados a sua significação, que podem ter origem na ausência de um significado para definir este processo. O exemplo disso é que ao pesquisar sua origem em dicionários, com o verbete autoformação, constatamos a sua inexistência.

Em sua pesquisa sobre a prática de projetos e a autoformação, CAVALCANTE (2002) atribui o significado a palavra autoformação partindo da etimologia de dois termos, como observamos a seguir:

Autoformação: palavra formada por termos que congregam em si sentidos próprios. Auto, do elemento grego autòs - com significado de si mesmo; do prefixo latino actus, que encerra a idéia de próprio de si mesmo, independente. Formação, do latim formationem – constituição de um objeto; o conjunto de elementos formadores de um corpo; maneira pela qual se constitui uma personalidade. (CAVALCANTE, 2002, p. 101).

Partindo dessa abordagem, a autoformação é definida como o processo pelo qual alguém decide formar-se individualmente através de diversos elementos, de modo que possa contribuir em sua formação pessoal, profissional, social, dentre outras. Ou seja, surge através da decisão voluntária e consciente do indivíduo em mobilizar seus saberes e fazeres para atender aos seus anseios no decorrer do exercício do seu trabalho, constituindo uma nova forma de aprendizagem que, no decorrer da profissão se tornará um hábito.

Nesse cenário, buscamos compreender como os professores definiriam o conceito de autoformação questionando: De acordo com sua experiência profissional, como você

definiria a autoformação? Constatamos que alguns corresponderam ao conceito explicitado

acima e outros se confundiram ao responder a questão. Agrupamos assim as opiniões em três categorias, como podemos observar no quadro 1.

Quadro 1 – Definição de autoformação.

CATEGORIAS DE ANÁLISE Nº DE RESPOSTAS DOS PROFESSORES

Processo em que o professor reorganiza e busca novos conhecimentos com o objetivo de aplicar/ repassar conteúdos escolares para os alunos.

02 Busca pessoal pelo conhecimento partindo das

necessidades/dificuldades que surgem na realidade escolar, aprimorando as aprendizagens existentes e gerando novas, contribuindo para a prática pedagógica.

09 Refere-se à formação continuada de professores. 01 Não soube definir o conceito coerentemente. 05

Fonte: Questionário aplicado em março de 2019

Observando o quadro apresentado percebemos que o conceito de autoformação é confuso para os professores, mesmo assim, 50% dos participantes conseguiram dar uma resposta coerente com a conceituação presente atualmente. Na primeira categoria destacamos

que os docentes acreditam que a autoformação proporciona aos mesmos buscar

conhecimentos a fim de aplicar os conteúdos na sala de aula. Consideremos para fins de

exemplificação as respostas dos professores inseridos nesta categoria.

Professor 01: Definiria como uma maneira de aprimorar novos conhecimentos a ser aplicado dentro da sala de aula e assim desenvolver um trabalho de qualidade com a turma.

Professor 04: São formações que o professor precisa realizar constantemente para ampliar os conhecimentos e inovar os repasses dos conteúdos a serem trabalhados com os alunos.

Percebe-se que os docentes situam a autoformação como um processo de estudo dos conteúdos escolares para a aplicação em sala de aula, em outras palavras, a busca do conhecimento é restrita aos saberes que os alunos devem aprender através do ensino. A competência a ser desenvolvida pelo professor por meio da autoformação, nessa perspectiva, é o domínio dos conteúdos que devem ser “repassados” no momento da aula, uma visão mais técnica do fazer docente.

Justino (2013) demonstra que a questão técnica na década de 1980 era o principal ponto de discussão no decorrer da formação docente da época. Segundo a autora, de acordo com estudos de Martins (2009) a mesma:

[...] apresenta em seu estudo um trabalho desenvolvido na década de 1980, quando a questão técnica e política do trabalho docente era o foco principal. Tais estudos indicavam que a competência do professor estava relacionada ao domínio dos conteúdos e seu entendimento sobre as relações entre os diversos aspectos da escola. Os cursos de formação docente davam mais atenção à formação técnica, e em segundo plano ficavam a análise e a compreensão sobre a organização escolar e os resultados da ação docente (JUSTINO, 2013, p. 64-65).

A visão técnica do ensino incorpora a ideia de que um bom profissional é aquele que tem domínio dos saberes e procedimentos aplicados na sala de aula desconsiderando, às vezes, as peculiaridades de cada espaço educativo, tornando seu fazer repetitivo. É notório que a visão técnica se encontra presente na resposta dos docentes mencionados. Ressaltamos aqui que não desconsideramos os conhecimentos sobre os conteúdos escolares, pois é parte integrante do ensino, mas, quando a ênfase é dada ao domínio destes os docentes podem omitir a reflexão, a capacidade de identificar problemas e buscar reinventar sua prática.

Muitas vezes, uma situação problemática apresenta-se como um caso único. [...] Quando um profissional reconhece uma situação como única não pode lidar com ela apenas aplicando técnicas derivadas de sua bagagem de conhecimento profissional. E, em situações de conflito de valores, não há fins claros que sejam consistentes em si e que possam guiar a seleção técnica dos meios.

Então podemos afirmar que as técnicas são necessárias, porém nem sempre aplicáveis em situações novas. O que se deve considerar aqui é que o professor consiga no seu fazer identificar as situações problemáticas do cotidiano da escola e da sala em que leciona, diferenciando as técnicas e os pressupostos em que sua prática se baseia e, ser capaz de avaliar-se. Essa autoavaliação supõe a necessidade da reflexão sobre e na prática, muitas vezes levando o indivíduo a construir caminhos inéditos para a sua ação.

A autoformação tem por objetivo proporcionar além da compreensão dos conteúdos outras possibilidades de conhecimento numa formação contínua do professor, atendendo as necessidades pessoais, profissionais e, também, a satisfação por mobilizar constantemente seus saberes. Ela incorpora os saberes e as técnicas já existentes, transformando-as ou não de acordo com os objetivos de formação do docente que busca nesse processo autoformativo enriquecer a sua identidade profissional.

Em relação à segunda categoria, salientamos que esta corresponde ao disposto em nossa conceituação do que seria a autoformação: uma busca pessoal pelo conhecimento para atender as necessidades de cada professor de modo que possa mobilizar seus saberes e

fazeres, avaliando, refletindo, organizando a sua ação pedagógica em prol de sua formação. Observemos a seguir algumas respostas.

Professor 02: A busca de conhecimentos, diante de suas necessidades surgidas no seu dia-a-dia, para adquirir formação pessoal, profissional e social.

Professor 07: Um período de estudo que lhe transmite além do conhecimento pedagógico, uma reflexão acerca da sua prática educativa, possibilitando melhoramento e aprendizado.

Professor 08: A autoformação acontece quando o profissional busca realizar estudos e pesquisas, com objetivo de superar suas dificuldades e necessidades para enriquecimento e aprimoramento de sua formação cotidiana.

Professor 13: Processo permanente de aperfeiçoamento dos saberes necessários a atividade docente realizado ao longo da vida profissional com objetivo de assegurar aprendizagem significativa.

Professor 16: O professor torna-se mediador do processo de ensino-aprendizagem. O professor torna-se um dos principais membros dessas mudanças, para isso sua formação e prática deve ser continuada e com estudos initerruptos.

Percebe-se que os professores 02 e 08 enfatizam a busca do conhecimento por parte do profissional mediante as necessidades que surgem e também das suas inquietações sobre os acontecimentos do dia a dia letivo, visto que em muitas situações não dispõem de saberes e práticas que deem suporte a ação. Para Schon (2000, p. 16), essa busca parte da necessidade do profissional em solucionar problemas, pois “[...] quando um profissional define um problema, ele escolhe e nomeia os aspectos que irá observar”. Isto é, trata-se de uma ação consciente do indivíduo, determinando os objetivos que pretende alcançar com essa busca pelo conhecimento. Além disso, Schon ainda nos diz que:

Dependendo de nossos antecedentes disciplinares, papéis organizacionais, histórias passadas, interesses e perspectivas econômicas e políticas, abordamos situações problemáticas de formas diferentes. Um nutricionista, por exemplo, pode transformar uma preocupação vaga como a subnutrição de crianças em países em desenvolvimento em uma questão de selecionar uma dieta adequada. Porém, os agrônomos podem abordar o problema em termos de produção de alimentos; [...] No campo da subnutrição, identidades profissionais e perspectivas econômicas e políticas determinam a forma como as pessoas vêem uma situação problemática e os debates sobre essa questão giram em torno da construção do problema a ser resolvido (SCHON, 2000, p. 16).

Transferindo esse pensamento para o campo da educação encontramos também diversos posicionamentos sobre variados temas que permeiam as instituições escolares, por exemplo, a questão da indisciplina ainda é um fator de discussão e de embates ideológicos, pedagógicos e políticos entre os educadores. Historicamente a educação é envolvida por concepções pedagógicas, tendências educacionais, teorias de aprendizagem, teorias sociais e psicopedagógicas, dentre outras, que se modificam para atender as demandas de cada época. Tudo isso influencia a forma como construímos a nossa identidade profissional e atuamos no ensino, bem como na nossa capacidade de formar-se continuamente.

O professor 07 se situa nesse contexto quando afirma que a autoformação dá-se quando o docente busca estudar e pesquisar, acrescentando ainda um elemento em sua fala: a reflexão sobre a prática educativa. Na sociedade atual tudo se encontra em constante transformação, exigindo dos sujeitos uma adaptação contextualizada que possibilite a inserção destes em sociedade. Assim também ocorre com os professores nas escolas. Eles começam a repensar o seu papel nessa sociedade imersa em tecnologias e informação, necessitando refletir sobre a sua prática, dado que alguns se sentem ultrapassados e precisam reorganizar sua identidade e responsabilidade em relação ao ensino. Segundo Alarcão (2011):

Na mesma lógica das capacidades e das atitudes que pretende ajudar a desenvolver nos seus alunos, o professor tem, também ele, de se considerar num constante processo de autoformação e identificação profissional. Costumo dizer que tem de ser um professor reflexivo numa comunidade profissional reflexiva (ALARCÃO, 2011, p. 34).

Desse modo, assim como os alunos que ensinam o professor torna-se aluno de si mesmo considerando que, apesar de se encontrar na posição de mediador do conhecimento na sala de aula, ele não tem o domínio de todos os saberes que também se encontram em constante desenvolvimento. É por meio da reflexão existente na autoformação que o professor pode buscar informação e transformá-la em saber profissional, reconstruindo a sua identidade para atender aos novos contextos educacionais em que se insere.

No tocante aos professores 13 e 16 destacamos em sua fala que a autoformação pode ser definida como um “processo permanente de aperfeiçoamento” em que “o professor torna- se mediador do processo de ensino-aprendizagem”. Quer dizer, durante toda a sua atividade profissional o docente está buscando se aperfeiçoar no que faz tendo a postura de mediador do próprio processo de aprendizagem. Nessa conjuntura o pensamento e a reflexão tornam-se importantes, tendo em vista que:

O pensamento tem como ponto de partida o que se denominou apropriadamente uma

bifurcação de caminhos, uma situação ambígua, que apresenta um dilema, que

propõe alternativas. Não existe reflexão, quando consentimos que nossa atividade mental passe insensivelmente de um assunto para o outro, ou que nossa imaginação se entregue livremente a seus caprichos. [...] Na suspensão de incerteza, trepamos metaforicamente em uma árvore: procuramos atingir um lugar donde possamos inspecionar outros fatos e, por um descortino mais completo da situação, compreender a relação desses fatos em si (DEWEY, 1959, p. 23).

São os caminhos opostos, os problemas que se apresentam na profissão docente que levam o professor a buscar a autoformação como uma alternativa válida o seu constante aperfeiçoamento. Para isso, como afirma Dewey, a reflexão atua como um mecanismo que possibilita pensar ordenadamente sobre cada assunto, onde o docente poderá avaliar as situações, os acontecimentos, buscando e intervindo na realidade de sua ação educativa responsavelmente.

Por fim, 06 professores não chegaram a uma conclusão sobre o conceito de autoformação, sendo inseridos em outras duas categorias definindo-a como formação

Professor 05: É um processo no qual devemos sempre está participando para podermos compartilhar conhecimentos, como também de formação para os docentes, para sermos conhecedores das novas mudanças ocorridas na educação. Professor 09: A autoformação acontece quando aprendemos através de praticas diárias, possibilitando assim a efetivação do conhecimento pedagógico.

Professor 12: Muito importante, pois a todo momento temos que estar buscando inovar nossas práticas.

Constata-se que o professor 05 afirma que a autoformação trata-se da formação continuada porque a cita como um processo em que devem sempre participar, mas como bem discutimos autoformar-se depende exclusivamente da decisão autônoma do indivíduo. Em relação ao professor 09, este conclui que é o aprendizado decorrente das práticas. Ainda que as ações do professor em sala de aula contribuam em sua experiência profissional a autoformação possibilita ao professor aprender em qualquer espaço a partir de qualquer situação educativa que lhe seja apresentada, quer seja no ensino ou não. O professor 12 possivelmente não compreendeu a questão que lhe foi proposta, citando somente a importância da autoformação e deixando inexplícito o conceito.

4.2 POSSIBILIDADES DE REFLEXÃO E REORGANIZAÇÃO DE SABERES E

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