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7. A DEFINIÇÃO DE LIMITES DA FUNÇÃO REGULAMENTAR

7.2. Os limites materiais

7.2.3. Delegação legislativa e a deslegalização

Trata-se de limitação material ao exercício de função regulamentar os casos

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Note-se que há casos na Constituição da República de 1988 que se admite os denominados regulamentos autônomos (CR/88, artigo 84, inciso VI), bem como o exercício de função regimental pelo Poder Judiciário. Mesmo o Poder Legislativo não estaria obrigado a editar leis através do processo formal legislativo em todas as suas deliberações, admitindo-se Decretos Legislativos e Resoluções.

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de reserva absoluta de lei formal.

Da mesma forma, nos casos em que o constituinte vedou a edição de leis delegadas265 ou medidas provisórias266 não se admite que o Legislador estabeleça por meio de leis ordinárias tão somente standards (conceitos abertos e flexíveis) que autorizem a edição de regulamentos amplos. Isso significaria claro desvio da proteção imposta pelo Constituinte, revelando uma forma inadequada (inconstitucional) de delegação da função legislativa.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se pronunciar, compartilhando do entendimento de que é vedado ao Executivo valer-se de regulamentos autorizados por lei ordinária para inovar na ordem jurídica, quando a Constituição veda, inclusive, a edição de leis delegadas sobre a matéria267. Se não é possível o mais (lei delegada), muito menos o regulamento, que caracterizaria uma mascarada atribuição de competência específica regulamentar para, na verdade, o Executivo exercer função legislativa.

O fenômeno da deslegalização é admissível nos casos previstos pelo sistema jurídico constitucional. Nas hipóteses admitidas para os regulamentos autorizados (ou delegados) e autônomos.

Quando o Poder Constituinte derivado transfere do Legislativo para o Executivo determinadas matérias ou mesmo quando o legislador infraconstitucional autoriza a edição de regulamentos, consignando na lei formal apenas standards (sem que haja reserva de lei absoluta), estaremos diante de casos de deslegalização lícita.

Não há, aí, ofensa à separação das funções, desde que o ordenamento jurídico conceba formas de controle, preservando o equilíbrio entre as funções.

Como bem anota José Carlos Francisco (2009), diante do fenômeno da delegificação (ou deslegalização), o novo regulamento poderá, quando editado no contexto da lei que lhe autorizou ou reconheceu a capacidade normativa mais ampla, dispor inclusive de modo contrário ao que dispunha a legislação anterior. “Aliás, caso um assunto anteriormente tenha sido confiado à lei e posteriormente 265 V. CR/88, artigo 68, §1º. 266 V. CR/88, artigo 62, §1º. 267

É o que se depreende do julgamento da ADIN nº 1296, tendo como Relator Ministro Celso de Mello, DJ 10/08/1995, Pleno, Unânime.

tenha sido transferido pelo Constituinte para o âmbito do regulamento autônomo, vimos que se configura uma das possibilidades de delegificação”268.

No sistema jurídico brasileiro, verifica-se tal fenômeno por meio de atribuições conferidas às Agências reguladoras e no próprio Direito Ambiental, como veremos adiante.

A Constituição e o legislador infraconstitucional, ao dispor sobre a competência específica para a edição de atos administrativos-normativos (v.g. Agências Reguladoras, Autarquias, Conselhos Deliberativos etc.), poderão autorizar expressamente a sua regulação, estabelecendo os seus limites para que haja a possibilidade de controle.

É certo que os atos administrativos-normativos terão limites materiais, assim como sua eficácia e abrangência à luz da legalidade observarão níveis decorrentes de um sistema escalonado de normas. Isto não impede inovações primárias e secundárias na ordem jurídica, desde que o sistema reconheça tal competência e não reste caracterizado um fenômeno de delegação legislativa ou deslegislação não autorizada pela Constituição.

Nesse sentido, é possível a criação de Resoluções, Deliberações Normativas, avisos, instruções, portarias, etc. como atos normativos-regulamentares expedidos por autoridades públicas, agências reguladoras, conselhos da Administração Pública, desde que sua capacidade normativa seja estabelecida, autorizada e reconhecida pelo sistema jurídico, e que os limites materiais sejam definidos pela norma precedente autorizativa (sistema escalonado), o que implica sua tolerância pela Constituição (inexistência de reserva de lei formal).

Importante, ainda, o registro do artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais transitórias269, que admite hipótese de delegação de parcela da

268

FRANCISCO, 2009, p. 389. 269

ADCT. Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa; II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie. § 1º - Os decretos-lei em tramitação no Congresso Nacional e por este não apreciados até a promulgação da Constituição terão seus efeitos regulados da seguinte forma: I - se editados até 2 de setembro de 1988, serão apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de até cento e oitenta dias a contar da promulgação da Constituição, não computado o recesso parlamentar; II - decorrido o prazo definido no inciso anterior, e não havendo apreciação, os decretos-lei ali mencionados serão considerados rejeitados; III - nas hipóteses definidas nos incisos I e II, terão plena

função normativa que caberia ao Poder Legislativo para o Poder Executivo. Matérias que a rigor seriam objeto de reserva absoluta de lei poderiam, assim, ser disciplinadas pelo Poder Executivo, inovando amplamente na ordem jurídica.

Alguns órgãos integrantes do Poder Executivo, portanto, com base no artigo 25 do ADCT, possuem competência normativa que seria objeto de reserva de lei, destoando do rígido princípio da legalidade imposto genericamente na Constituição sobre determinadas matérias.

É com base nesse mesmo artigo 25 do ADCT, bem como na CR/88, artigo 5º, inciso II, que muitos autores administrativistas (já citados nesta pesquisa) ainda insistem na impossibilidade de o Poder Executivo inovar na ordem jurídica, bem como editar os denominados regulamentos autorizados (ou delegados). Essa mesma doutrina conservadora não raras vezes acoima de inconstitucional os atos normativos das Agências Reguladoras (ressalvadas as agências previstas no próprio texto constitucional), por entender que as leis infraconstitucionais que as instituem não poderiam reconhecer-lhes competência para editar regulamentos amplos, como definição de obrigações ou concessão de benefícios270.

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