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Outras decisões do Supremo Tribunal Federal afinadas a dimensão ampla de legalidade

5. PODER EXECUTIVO E SEUS ATOS NORMATIVOS

5.4. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal, do Legislativo e do cidadão Leading cases 172 em normas ambientais.

5.4.3. Outras decisões do Supremo Tribunal Federal afinadas a dimensão ampla de legalidade

Outros Acórdãos recentes do Supremo Tribunal Federal, embora não associados ao ordenamento jurídico-ambiental e a tutela de interesses difusos, evidenciam a dimensão de legalidade adotada pela Corte constitucional.

Revelam o reconhecimento de maior capacidade normativa do Poder Executivo e do Judiciário, sem caracterizar violação à separação das funções ou ao primado da democracia. Afasta-se a ideia de um princípio da legalidade extremamente rígido (formal), vinculando a garantia de lei prevista na Constituição da República de 1988, artigo 5º, inciso II, como “garantia de norma”.

À guisa de exemplo, cite-se o julgamento do Habeas Corpus nº 85.060185, sob a relatoria do então Ministro Eros Grau.

Na oportunidade, o paciente havia sido condenado a doze anos e oito meses de reclusão pela prática dos crimes de formação de quadrilha (CP, art. 288) e gestão fraudulenta de instituição financeira (Lei 7.492/1986).Alegou-se violação ao princípio da legalidade, uma vez que ato regulamentar teria estabelecido a especialização de varas e a competência de juizes por natureza de feitos.

Com clareza ímpar, o eminente Relator fundamentou seu voto no sentido de que tal matéria (especialização de varas e competência por natureza da ação) não é objeto de reserva de lei formal, mas apenas “reserva de norma”, à luz do princípio da

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Excerto do voto do Rel. Ministro. Celso de Mello no AC - AgR-QO 1033 / DF - DISTRITO FEDERAL - questão de ordem no ag.reg. na ação cautelar - Julgamento: 25/05/2006. Disponível em www.stf.jus.br . Acesso: 28/06/2012.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 85.060, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23/09/2008, Primeira Turma, DJE de 13/02/2009. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso: 28/06/2012.

legalidade esculpido na Constituição da República, artigo 5º, inciso II.

Segundo Eros Grau, o preceito ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ – compreende duas hipóteses:

a) vinculação às definições da lei; e

b) vinculação às definições ‘decorrentes’ – isto é, fixadas em virtude dela – de lei.

No primeiro caso estaríamos diante da ‘reserva da lei’. No segundo, em face da ‘reserva da norma’ (a norma poderia ser tanto prevista em lei formal, como regulamentar ou regimental). E esclarece:

“Na segunda situação, ainda quando as definições em pauta se operem em atos normativos não da espécie legislativa - mas decorrentes de previsão implícita ou explícita em lei – o princípio estará sendo devidamente acatado. No caso, o princípio da legalidade expressa reserva da lei em termos relativos (=reserva da norma), razão pela qual não impede a atribuição, explícita e implícita, ao Executivo e ao Judiciário, para, no exercício de função normativa, definir obrigação de fazer e não fazer que se imponha aos particulares – os vincule.”186

Sustenta, ainda, o eminente Eros Grau que o princípio da legalidade na Constituição da República de 1988, artigo 5º, inciso II, expressa “reserva de lei em termos relativos” (“reserva da norma”), sendo devidamente acatado quando ato normativo regulamentar ou regimental definir obrigação de fazer ou não fazer alguma coisa aos seus destinatários.

Somente quando a Constituição exigir reserva de lei em termos absolutos é que o ato normativo não legislativo não traduzirá validade formal para definir obrigações ou restringir o exercício de direitos. Nesses casos, haverá ofensa ao princípio da legalidade – não àquele do artigo 5º, inciso II, mas ao previsto especialmente em determinados dispositivos espalhados no texto da Constituição.

Sobre o princípio da legalidade com reserva de lei formal, Eros Grau cita pelo menos três hipóteses previstas na Constituição de 1988:

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“...em pelo menos três oportunidades (isto é, no artigo 5º, XXXIX, no artigo 150, I, e no parágrafo único do artigo 170) a Constituição retoma o princípio, então adotando em termos absolutos: não haverá crime ou pena, nem tributo, nem exigência de autorização de órgão público para o exercício de atividade econômica sem lei, aqui entendida como tipo específico de ato legislativo.(...) se há matéria que não podem ser reguladas senão pela lei – evidente que das excluídas a essa exigência podem tratar, sobre elas dispondo, o Poder Executivo e o Judiciário, em regulamentos e regimentos.”187

Com base nesses fundamentos, o Relator entendeu que inexistia ilegalidade em Resolução do Presidente do Tribunal Regional Federal ao estabelecer a especialização de varas.

Noutro giro, afastou ainda o argumento de delegação de competência legislativa. Quando o Executivo e o Judiciário editam atos normativos não legislativos estão exercendo função normativa que lhes foi autorizada pela Constituição ou pela lei formal, o que destoa do sentido de função legislativa.

Importante destacar neste julgamento o posicionamento do Ministro Ayres Britto acerca do princípio da legalidade previsto no artigo 5º, inciso II:

“...não posso perder a oportunidade de dizer que não aceito, de modo algum, com todas as vênias ao eminente Ministro Eros Grau, que o inciso II do artigo 5º da Constituição não se refira à lei fazendo, mas à lei mandando fazer. Pelo contrário, acho que esse inciso, segundo o qual ‘ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de lei’, sintetiza um comando constitucional de máximo prestígio à lei formal, ao Poder Legislativo.”188

Como se vê ainda em outros fragmentos de seu voto, o eminente Ministro Ayres Britto defende a supremacia da lei formal, decorrente do princípio da legalidade, adotando a expressão “prestígio máximo à lei em sentido formal” como sinônimo de “em virtude de lei”. Na ausência de lei, a liberdade estaria assegurada, assim como a licitude da conduta humana. No que tange a Administração Pública, afirma que o administrador não retira sua regra de competência senão da lei em

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Excerto do voto do Ministro Eros Grau. no Acórdão do HC 85.060, p. 377 188

sentido formal189.

A conclusão do julgamento ocorreu em sessão seguinte, após retorno de vista concedida ao Ministro Cezar Peluso. No interregno das sessões, houve o julgamento de outro Habeas Corpus sobre caso análogo, então sob a relatoria da Ministra Carmen Lúcia, cujo posicionamento serviu de importante subsídio para o voto do Ministro Cezar Peluso.

A exemplo dos outros Acórdãos citados, bem como de sua doutrina, já referida nesta dissertação, não é difícil deduzir quais foram as conclusões da Ministra Carmen Lúcia sobre o tema, reconhecendo a legalidade e constitucionalidade do ato normativo em tela por vinculação direta a preceitos da Constituição e, ainda, inexistência de ofensa a separação dos poderes.

As decisões do Supremo Tribunal Federal ora colacionadas evidenciam os embates travados perante o Poder Judiciário acerca dos limites da função normativa do Poder Executivo, admissibilidade de delegações pelo Legislativo, limites da separação das funções estatais, etc. Revela claramente uma paulatina mudança de entendimento, encontrando resistências com base na corrente positivista e ainda nas raízes da teoria de Montesquieu, data venia, mal interpretadas.

Não obstante, apesar de votos divergentes em sua fundamentação, os resultados dos julgamentos têm mostrado que a tese vitoriosa perante a Suprema Corte brasileira orienta-se no sentido de reconhecer a capacidade normativa do Poder Executivo com maior amplitude, indicando uma nova dimensão ao princípio da legalidade e uma releitura do princípio da separação das funções estatais a afastar efetivamente ideias absolutas, passando a contemplar relativismos necessários à dinâmica do sistema jurídico.

Toda a divergência jurisprudencial acerca da função normativa do Poder Executivo, inseguranças causadas na sociedade e Administração Pública e a marcante mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal demonstram, mais uma vez, a importância do tema e a necessidade de se estabelecer balizas para essa prefalada capacidade de editar normas regulamentares.

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5.4.4. Decretos legislativos para sustar atos normativos do executivo e

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