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Capítulo 6 – Análise qualitativa dos processos

6.4 Delegacias especializadas e penas incomuns

A maconha representa a maior parte dos termos circunstanciados e ações penais por porte de drogas para consumo pessoal. Esse fato não é surpreendente, porém chama a atenção saber quem realiza os procedimentos policiais. As delegacias especializadas (Cord e DTE) e até mesmo agentes da polícia federal acabam encaminhando usuários de droga ao sistema de justiça criminal. No último caso se encaixa a detenção de Verônica, detida em uma festa na Orla do Lago Sul, por portar maconha.

Em janeiro de 2006, Havia uma “missão policial” designada para “reprimir o tráfico de entorpecentes” na festa “Hip Hop, raggae [sic], rock”, cujo panfleto de divulgação apresenta “uma folha de cannabis”, conforme a autoridade policial registrou no termo circunstanciado. No início da madrugada, os três policiais federais presenciaram Verônica “portando substância entorpecente com odor característico de cannabis sativa”. No laudo realizado pelos peritos do Instituto Nacional de Criminalística foi confirmado ser maconha o material de 0,08g que, “para bem e fielmente permitir uma adequada sistemática de análises, foi totalmente consumido”. A autora, estudante universitária, residente na Asa Sul, que alegou em depoimento viver com a renda da pensão que recebe do pai, foi conduzida até a sede da Superintendência Regional da Polícia Federal, onde assinou o termo circunstanciado, se comprometendo a comparecer à audiência preliminar. Na audiência realizada em um Juizado, anuiu diante da proposta do Ministério Público, que propôs “tratamento a ser feito junto ao NUPS – Núcleo Psicossocial do Juizado, pelo prazo de 6 (seis) meses”. Em um texto padrão, que se repete em vários casos, o relatório do NUPS aponta que “a beneficiária em questão obteve aproveitamento suficiente para ampliar suas reflexões sobre sua relação com as substâncias psicoativas”, não necessitando de “mais intervenções psicossociais”.

A seguinte ocorrência policial foi registrada pela Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (DTE). Era sexta-feira de uma tarde de junho de 2006. Na avenida Elmo Serejo de Taguatinga, Leandro e mais dois indivíduos estavam dentro de um carro, quando foram abordados pelos policiais. O Auto de Apresentação e Apreensão lista uma lata de merla, um cigarro contendo provavelmente merla e maconha, 1 colher de sopa, 1 canivete, 1 anzol, 1 isqueiro e 1 caixa de papel de seda. Leandro é identificado como sujeito de cor parda, solteiro, estudante e camelô de 25 anos de idade, morador de uma quadra 400 da Asa Sul. A massa líquida de maconha foi 0,90g, enquanto a merla pesava 14,70g. Na audiência realizada em novembro de 2006, Leandro aceitou

a pena alternativa de “10 (dez) horas de serviços gerais no Hospital Regional de Ceilândia, no prazo de 01 (um mês) a contar do trânsito em julgado da sentença”. O autor não cumpriu a pena estipulada em audiência preliminar. Em outubro de 2007 foi oferecida a denúncia contra Leandro. Em maio de 2008 foi realizada audiência de instrução e julgamento; sem que o mandado de notificação e citação tivesse sido devolvido, não se sabia se o denunciado havia sido citado. Em dezembro do mesmo ano, passados mais de dois anos da data do fato, era proferida a sentença que extinguia a punibilidade por prescrição, uma vez que já vigia a atual lei de drogas, que impunha o teto de 5 meses para medidas educativas ou prestação de serviço aos usuários de drogas.

Em um raro caso de porte de cocaína, o autor recebeu uma pena pouco usual. Em janeiro de 2005 policiais da DTE policiais detiveram 5 indivíduos enquadrados no artigo 16 da Lei nº. 6.368/76. Entre eles estava Euler, procurador federal, pego com uma quantidade de 0,57g de cocaína. Dos quatro indivíduos que compareceram à audiência preliminar, somente a mulher, professora com ensino superior completo, recebeu a proposta de cumprir 40 horas de serviços gerais no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN). Ficou acertado que o indivíduo identificado como taquígrafo, residente do Lago Sul, “doasse o [valor] de R$300,00 (...) a ser revertido a Casa Abrigo. O outro, mecânico, residente no Pedregal-GO, deveria “doar” R$200 destinados a mesma instituição. Por fim, Euler concordou em “doar” 20% do seu salário líquido, valor que também iria para a Casa Abrigo. Em nenhum momento se esclarece o porquê da diferenciação das penas, nem se fala do eventual caráter terapêutico da doação de dinheiro ou da realização de serviços em um hospital.

Mais peculiar que a prestação pecuniária como porcentagem do salário foi a transação ofertada a Edson. O boletim de ocorrência de dezembro de 2006 relata que foi feita uma denúncia apontando com que roupa estava o indivíduo que fumava maconha próximo a uma drogaria em Taguatinga Norte. Identificado como vendedor de vale-transporte, morador da Estrutural, Edson já tinha obtido a suspensão de um processo por porte de drogas e, depois de receber uma sentença de 6 meses também com base no artigo 16 da Lei 6.368/76, cumpria pena no regime semiaberto. Logo que foi abordado, ele relatou que é usuário de drogas há 17 anos. Em 2007, o Ministério Público entendeu que, na vigência da Lei 11.343/06, esses antecedentes não inviabilizariam a transação penal, porque a nova lei de drogas vedava expressamente a aplicação de pena restritiva de liberdade, como a que era foi recebida por Edson anteriormente. Em audiência, ocorrida em

julho de 2007, ele aceitou a transação penal que foi homologada nos seguintes termos: “A proposta de pena alternativa, como forma exclusão [sic] da ação penal, desde que regularmente cumprida, consistirá em que o (a,s) autor (a, es) doará, nesta data, 02 caixas de canetas esferográficas,

Marca Bic, na cor azul, à Defensoria Pública de Taguatinga, devendo conter em cada caixa 50 canetas.” [texto com os grifos originais].