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Capitulo 3 – Breve histórico sobre a proibição das drogas

3.5 Diamba, Maconhismo e controle social

A legislação penal sobre drogas e suas aplicações, no Brasil, representam formas de controle social de determinados grupos e comportamentos que ameaçam a manutenção de determinadas estruturas de poder (em especial, aquelas manifestas nas relações de trabalho) ou que ameaçam interesses específicos de determinados grupos profissionais e empresariais, como fica evidente na consolidação das carreiras de médicos, juristas e psiquiatras, bem como na consolidação da indústria farmacêutica e da indústria cervejeira. Nem sempre controle significa interdição total e punições severas. A elaboração de regulamentos, com declarados fins sanitários, foi capaz de diferenciar a cerveja das bebidas alcóolicas destiladas (distinção que até hoje se manifesta na liberação de publicidade na televisão apenas para bebidas de baixo teor alcoólico). As leis promulgadas no século XX seguiram sempre o preceito de que era necessário distinguir as drogas utilizadas para uso médico (frise-se: uso controlado por médicos e farmacêuticos de substâncias que popularmente passaram a se chamar remédios, e não mais drogas) daquelas utilizadas com fins lúdicos, recreativos ou cuja administração terapêutica não era realizada pelas categorias profissionais autorizadas. Também vale reparar que, dentro do arcabouço jurídico da proibição das drogas, pouco importam as evidências científicas sobre benefícios e malefícios à saúde trazidos pelo consumo de diferentes substâncias. Especialmente no caso brasileiro, nunca houve lei que previsse tratamento diferenciado para os consumidores das diferentes drogas. Isto é, na letra da lei nunca houve diferenciação, mas nas práticas da polícia e do judiciário se repara que diferentes tipos de drogas (que correspondem a tipos diferentes de usuários, em termos de renda, classe social, cor e gênero) levam a diferentes punições. É ilustrativo o exemplo da proibição da maconha.

Avaliar a etiologia do consumo de drogas é uma boa maneira para se entender por que determinadas drogas são proibidas e seus usuários sujeitos a duras sanções penais, enquanto outras escapam do rígido controle estatal. Em artigo escrito com Adauto Botelho, o Dr. Pedro

Pernambuco Filho reprova que uso de maconha não esteja mais restrito aos mais pobres, atribuindo a sua disseminação entre os brancos a uma espécie de vingança dos negros outrora escravizados:

Vê-se, pois, como entre as classes pobres e quase incultas dos nossos sertões, um novo vício, pior talvez que o álcool, começa a fazer a sua obra destruidora e desgraçadamente parece que, como se não bastassem já os outros tóxicos, a diamba tende a entrar para o rol dos vícios elegantes

Constatamos que, na capital de um grande Estado, as decaídas já iniciaram seu culto à diamba, a que Iglésias chama a planta da loucura.

Dir-se-ia, dada sua origem, que a raça, outrora cativa, trouxera bem guardado consigo, para ulterior vingança, o algoz que deveria mais tarde escravizar a raça opressora.

(grifo no original; Botelho e Pernambuco Filho, 1958)

O trabalho supracitado faz parte da coletânea organizada pela Comissão de Fiscalização de Entorpecentes (Brasil, 1958). Traço comum dos trabalhos ali publicados é apresentação de informações sobre a origem e os efeitos intoxicantes da diamba, ao mesmo tempo em que são feitos comentários genéricos sobre as mazelas sociais causadas pela droga. Por exemplo: “No Maranhão é grande o consumo da diamba e toda aquela gente, macilenta, inerte, imbecil, tem dois males que os corrói para a miséria, a verminose a degradada diamba.” (Pereira, 1958: 54) Como já foi dito em relação ao álcool, medidas de combate ao consumo de maconha tem como pano de fundo ideais eugenistas: “é difícil a proibição do uso de diamba por mais severa que sejam as leis e por isso julgamos que as providências a serem oficialmente postas em prática devem chegar aos extremos e com uma firmeza inabalável. Trata-se da eugenia, da pureza da raça”. (Pereira, 1958).

De fato, as medidas extremas foram levadas a cabo já na década de 1920, quando foi assinado o Decreto 14969, de 1921, complementar ao já mencionado Decreto 4294/01, que regulamentava “as penalidades impostas aos contraventores e sanatórios para os toxicômanos”. As citações do parágrafo anterior são do engenheiro agrônomo Leonardo Pereira. Em 1924, ele

havia pedido ao ministro da Agricultura, Indústria e Comércio autorização para erradicar plantações de maconha no Pará, justificando que “os maiores criminosos e responsáveis por esta degenerescência do caboclo nortista, é o chefe político, que necessita da bestialização do povo, para poder explorar nesta nova fase da escravidão brasileira, o povo ingênuo, canabizando-o.” (Pereira, 1958: 64) Ao longo do livro, é perceptível a frágil base empírica das conclusões de alguns autores. Em meio a informações anedóticas surgiam citações ao trabalho do sr. Francisco Iglesias (que administrara cannabis sativa a pombos e ratos em laboratório, em meio a menções a trabalhos e congressos estrangeiros. Heitor Peres afirma, sustentado pelo parecer da comissão dos Estados Unidos encarregada de estudar a maconha, que “(...) a intoxicação diâmbica, ou similar, não traz crise de abstinência ou, mais claramente, não provoca falta – aquela necessidade imperiosa de nova ingestão, mal terminados os efeitos da anterior.” Sugere então que não se fale em “diambomania”, termo adequado se o uso da droga configurasse uma “toxicomania verdadeira”; o correto seria falar em “diambismo”, “uma modalidade brasileira do canabismo” (Pereira, 1958: 71). Ainda em relação aos efeitos sobre o indíviduos, são vários os trabalhos que associam o consumo de maconha ao desenvolvimento de transtornos psiquiátrico, especialmente a esquizofrenia, a partir de observações casuísticas6.

6 A principal fragilidade dos argumentos dessas pesquisas (e isso ainda é muito comum entre pesquisadores

contemporâneos) está em sustentar relações causais entre o consumo de drogas e o desenvolvimento de quadros psicopatológicos, ou entre o uso de drogas e a propensão a cometer crimes. Por exemplo, sem estabelecer qualquer relação cronológica entre os dois eventos, ou controlar quaisquer variáveis.