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Para realizar o estudo da variação no uso dos Extensores Gerais, é necessária, antes de tudo, a delimitação do contexto variável desse fenômeno. Para que a definição da variável linguística seja possível, é preciso estabelecer o espectro total de contextos linguísticos em que ela ocorre, definir todas as variantes quanto for possível distinguir e estabelecer um índice quantitativo para medir valores das variáveis (cf. PICHLER 2010). Ou seja, para compreender o processo que permeia a variação linguística de um determinado fenômeno em análise, é preciso isolar todo o conjunto de possíveis variantes. Porém, a definição de um fenômeno discursivo-pragmático como variável tem sido uma atividade geradora de debate entre alguns pesquisadores variacionistas, uma vez que os conceitos definidores da variação linguística foram desenvolvidos especialmente no âmbito de análises no nível fonológico, incluindo o conceito de variante, posto que, de acordo com a concepção original, é necessário que haja entre as formas equivalência semântica.

Não é fácil aplicar às variantes discursivas os conceitos definidos acima devido às propriedades semânticas e distribucionais específicas. De acordo com Pichler (2013, p. 28):

Em primeiro lugar, variantes discursivo-pragmáticas são tipicamente desbotadas semanticamente e, assim sendo, não podem ser definidas em termos de equivalência semântica. Em segundo lugar, elas são tipicamente opcionais, tanto referencial como sintaticamente, e desse modo não podem ser identificadas em termos de não-ocorrência.

Ao desenvolver o conceito de variável linguística para análise da variação fonológica, Labov (1966 apud GÖRSKI; TAVARES 2017) aponta como ponto determinante das variantes o fato de carregarem o mesmo significado representacional e, além disso, essas formas precisam ser passíveis de intercâmbio em um mesmo contexto (cf. GÖRKI; TAVARES 2017). Essa definição de variável linguística dificulta a análise de fenômenos discursivos. As formas variantes da Extensão Geral, ao longo do tempo e a partir de processos de gramaticalização, passaram a acumular novas funções além da função primária de marcação de categoria, e dessa forma, acabaram sofrendo um esvaziamento semântico (cf. CHESHIRE, 2007).

No entanto, para que fenômenos discursivos sejam analisados em consonância com os pressupostos da sociolinguística variacionista, é necessário que haja entre as variantes algum tipo de equivalência. Algumas possibilidades têm sido discutidas, e entre elas está a definição do contexto variável por meio da equivalência funcional das formas. Essa proposta, que surgiu do descontentamento de Dines (1980) e Lavandera (1978), entre outros, em transferir conceitos da variável linguística para a análise da variabilidade além do nível fonológico, foi implementada por Dines (1980) em seu estudo dos Extensores Gerais and that, and stuff like that, or something. Segundo a autora, é possível estabelecer equivalência entre as formas de acordo com a função comum desempenhada por elas, “guiando o ouvinte para integrar o elemento anterior como um exemplo ilustrativo de algum caso mais geral” (DINES, 1980 apud PICHLER, 2010, p. 588).

Como já visto, estudos mais recentes têm mostrado que os Extensores Gerais no inglês desempenham, na verdade, uma ampla gama de funções (OVERSTREET 2005; CHESHIRE 2007; TAGLIAMONTE; DENIS 2010; PICHLER 2010; PICHLER; LEVEY 2010; TAGLIAMONTE 2016). De modo semelhante, os Extensores Gerais no português brasileiro codificam mais de uma função. Em nossa amostra de dados, identificamos as seguintes funções descritas no quarto capítulo: marcação de categoria, quando o falante emprega a forma variante para apontar para uma categoria mais ampla; requisição de solidariedade, quando o falante emprega a forma para indicar uma suposição de conhecimento compartilhado com o ouvinte; hedge de qualidade, quando o falante sinaliza que o discurso direto que se segue é na verdade impreciso e pode não representar o que foi dito na totalidade; encerramento de tópico, quando o falante emprega o Extensor Geral para deixar claro que concluiu sua fala; e intensificação, quando o falante emprega duas formas em sequência para dar ênfase. Seguem os respectivos exemplos:

(6) ... aí lá tinha um bequinho lá que tinha... naquelas barraquinhas que vende, eh... macaxeira com carne, refrigerante, essas coisas. (DDFN)

(7) Já tentei várias vezes fazer bolo. Quando não tem ninguém em casa, aí eu vou, tento, aí eu faço. Teve uma vez que ficou bom, né? Eu fiquei feliz e tal. (BDFN)

(8) Aí como... como eu vi ele chorando e vi que ele tinha saído da lotérica, foi lá ver a mulher, eu pensei que tinha relação entre ele e a mulher, né? Aí eu perguntei “Adelson, tá chorando rapaz? Que que houve e tal?” (BDFN) (9) Eu não tenho esse negócio de... de uma música que você... que lhe marcou,

que... não tem não essas coisas. (BDFN)

(10) Foi um Natal muito triste assim, a gente ficou lembrando muito dela, e foi... na véspera... foi na véspera de Natal, então na noite da ceia do Natal a gente tava lá, mas de manhã tinha... teve o enterro tal, essas coisas. (BDFN)

Algumas pesquisas que buscaram avaliar o comportamento dos Extensores Gerais no inglês tomaram como base, para delimitar o contexto variável, a equivalência estrutural. Pichler e Levey (2011), por exemplo, definiram as variantes de acordo com a similaridade estrutural e controlaram as diferentes funções através de um grupo de fatores, a fim de testar que papel elas desempenham na escolha das variantes, reconhecendo, assim, a multifuncionalidade dos Extensores Gerais. Tagliamonte (2016) aponta que, estruturalmente, os Extensores Gerais são construções semifixas que compartilham um padrão esquemático comum, o qual, tipicamente, envolve: um conector (and/or), um genérico (stuff/thing), ou um pronome indefinido (something/everything/anything) e um comparativo opcional (like that). Similarmente, embora Dines (1980) considere em sua análise a equivalência funcional, ela também descreve a configuração estrutural dos Extensores Gerais segundo o esquema: AND/OR [PRO FORM] (LIKE THAT), sendo

PRO FORM referentes genéricos.

No português brasileiro, as variantes dos Extensores Gerais se comportam de modo semelhante às variantes no inglês. A maioria deles apresenta elementos em comum, como os pronomes tudo/tal ou o substantivo coisa, que ocupam o papel de núcleo da estrutura, somados a elementos opcionais como o pronome essas, o pronome muita e a conjunção e. Isso é perceptível ao se comparar as variantes a seguir: essas coisas, essas

delimitação do contexto variável na análise dos Extensores Gerais na comunidade de fala de Natal deve considerar, além da função, a equivalência estrutural.

A abordagem usada para circunscrever o contexto variável deve ser aquela que melhor se enquadrar nos objetivos particulares do estudo, bem como aquela que considera o tipo de variante em investigação e suas características específicas (cf. WATER, 2016).

Neste estudo, consideramos a variável discursiva Extensão Geral, em termos funcionais, como um fenômeno superordenado (cf. GIVÓN, 1995; GÖRSKI et al., 2003; GÖRSKI; VALLE, 2016). Há uma macrofunção – a Extensão Geral – e microfunções – marcação de categoria, requisição de solidariedade, hedge de qualidade, intensificação e encerramento de turno. Essa questão será retomada no quarto capítulo.

Para delimitar o contexto variável, também é necessário considerar a frequência das formas variantes. A frequência de uso dos itens deve ser maior que 10 ocorrências na totalidade do corpus e as variantes que apresentam um índice de ocorrências inferior a isso devem ser excluídas da análise, pois “as leis estatísticas gerais determinam que com menos de 10 tokens, existe uma alta probabilidade de flutuação aleatória, mas com números maiores que 10, há 90% de conformidade com a norma prevista, aumentando para 100% com 35 tokens” (TAGLIAMONTE, 2012, p. 136). Esse critério que leva em consideração a quantidade de ocorrências de uma variante, deve, na verdade, ser considerado em qualquer pesquisa variacionista, posto que não há como garantir resultados seguros em uma análise fundamentada em variantes com menos de 10 ocorrências.

Na próxima seção será apresentado o corpus, a metodologia da pesquisa, bem como os grupos de fatores analisados nesta pesquisa.

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