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Organização do corpus e do método de coleta

A fim de investigar o uso dos Extensores Gerais, extraímos os dados de entrevistas sociolinguísticas. A entrevista sociolinguística é um gênero textual estrategicamente desenvolvido por Labov (2008 [1972]) com o objetivo de capturar a fala mais informal de um indivíduo, independente da natureza do fenômeno em análise. De acordo com Freitag (2014, p. 125), a realização da coleta de dados com entrevistas sociolinguísticas é um modo relativamente rápido e altamente eficaz para constituir uma amostra de uma comunidade de fala. Para que seja possível relacionar aspectos linguísticos com aspectos sociais, fatores de ordem social – escolaridade, classe social, gênero, idade e etnia – devem ser controlados na seleção dos indivíduos. O entrevistador deve estimular o informante a falar longamente sobre diversos tópicos, pois a entrevista “é considerada um fracasso se o falante fizer não mais que responder perguntas” (TAGLIAMONTE, 2006, p. 39).

Embora a entrevista sociolinguística tenha sido pensada com o objetivo de possibilitar a captura do vernáculo dos informantes, algumas características composicionais, tais como seu modelo estruturado e a presença do próprio entrevistador, poderiam interferir no processo. Levando isso em conta, Labov (2001) lança uma nova perspectiva para as entrevistas, dando mais enfoque na interação entre entrevistador e entrevistado. Isso garante que, embora ainda se trate de um gênero bem definido, o entrevistador, ao guiar a entrevista por tópicos de maior interesse e envolvimento emocional do entrevistado, acaba dividindo com ele o controle da conversa e isso resulta em uma hora ou mais de fala espontânea (cf. VALLE; GÖRSKI, 2014, p. 99).

As entrevistas envolvidas nesta pesquisa são oriundas do Banco de Dados FALA- Natal (cf. TAVARES, 2016), em processo final de construção. Esse banco de dados está sendo constituído com o objetivo de possibilitar estudos que se voltem para a descrição do português falado em Natal. Ao final do processo de construção, o FALA-Natal será composto por 48 entrevistas sociolinguísticas, com duração média de 60 minutos cada, realizadas com natalenses, que, além de terem nascido na cidade, também tenham pais nativos natalenses.

Em termos de estratificação social, o Banco de Dados FALA-Natal, para facilitar estudos comparativos, segue um modelo similar ao de outros bancos existentes no país, como o Programa de Estudos sobre o Uso da Língua – PEUL e o Projeto Variação

Linguística na Região Sul do Brasil – VARSUL, dividindo os informantes de acordo com sexo, idade e grau de escolaridade. As entrevistas são distribuídas da seguinte forma:

i) quanto ao sexo: 24 informantes do sexo feminino e 24 informantes do sexo masculino;

ii) quanto à idade: 12 informantes de 8 a 12 anos, 12 informantes de 15 a 21 anos, 12 informantes de 25 a 45 anos e 12 informantes de mais de 50 anos;

iii) quanto ao nível de escolaridade: 12 informantes cursando o ensino fundamental I, 12 informantes com ensino fundamental I completo, 12 informantes com ensino fundamental II completo e 12 informantes com ensino médio completo.

Para esta pesquisa, foram coletados 366 dados dos Extensores Gerais nas 48 entrevistas que compõem o Banco de Dados. A fim de encontrar resultados quantitativos mais seguros e mais bem definidos, todas as entrevistas constituintes do banco de dados foram empregadas.

Após coletados, os dados foram classificados de acordo com a função desempenhada. As funções foram delimitadas com base nas propostas encontradas na literatura, expostas no capítulo referente à discussão do estado da arte. Entretanto, nem todas as funções propostas pelos autores foram localizadas em nossos dados, e, além disso, alguns autores nomeiam a mesma função de modo distinto. Fernández (2015) listou as funções de discurso de relato para indicar relato impreciso de um discurso direto proferido em um momento anterior e solicitação de pedido para indicar preservação da face do falante, enquanto, para as mesmas funções, Overstreet (2005) havia dado outras nomenclaturas, como aproximação e polidez negativa. As funções identificadas em nossa amostra de dados são detalhadamente descritas no próximo capítulo.

Devido à baixa recorrência de algumas formas, para que fosse viável uma análise quantitativa, agrupamos as variantes de acordo com o núcleo da forma. Os dados foram distribuídos em três grupos distintos de acordo com a palavra central que apresentam. O primeiro grupo é formado pelas variantes que apresentam como núcleo o substantivo

coisa. Esse grupo congrega as seguintes variantes: essas coisas, essas coisas assim e muita coisa assim. O segundo grupo conta com as variantes compostas pelo pronome tal

e abrange as formas tal e e tal. Já o último grupo é composto pelas formas que têm o pronome tudo como núcleo. Nesse grupo, estão as formas tudo, e tudo, tudo isso e

tudinho. Cada um desses grupos foi tomado como uma variante, o que quer dizer que a

Algumas formas encontradas no corpus não puderam ser incluídas nos dados analisados. A forma e coisa e tal, além de ser composta por dois elementos nucleares (coisa e tal), apresentou apenas uma ocorrência. As formas nananã, pererere, perepepê,

papapá e bababá foram excluídas por não apresentaram a configuração estrutural

característica de Extensor Geral considerado na delimitação do contexto variável. Ademais, essas formas foram encontradas apenas na fala dos indivíduos da faixa etária de 25 a 45 anos e não apresentaram mais de dois dados cada, o que impossibilita uma análise estatística confiável. É possível ver, a seguir, exemplos de usos das formas supracitadas:

(11) A primeira vez foi muito gozada a minha viagem à Paris. Eu fui pra Paris e fui e B., nós fomos os dois. E pegamos o avião e coisa e tal, aí uma certa hora houve a janta, certa hora apagaram as luzes, aí tinha que tomar um remédio. Aí como é que eu vou pedir água? Não sabia falar nada em francês, nada. (BDFN)

(12) E depois que eu comecei a trabalhar de carteira assinada, saí de dois condomínios que nunca o pessoal pediram nada que eu estudasse, nem... nem dava incentivo nenhum, né? E nem eu tinha interesse, eles sempre me elogiava “o trabalho é bom, não sei o que, papapá. (BDFN)

(13) Aí G.A. começou dizendo “eita. A. J., como... eh... sumiu com o prato? Sumiu com o prato” aí todo mundo começou a mangar de mim dizendo “eita, ela jogou o prato pra casa do vizinho, nananã”. (BDFN)

As formas negativas dos Extensores Gerais como e nada, nem nada, nem nada

disso, nem nada não e não sei o que também foram excluídas em nossa pesquisa. Essas

Tabela 3: Frequência das formas negativas dos Extensores Gerais

Formas Negativas N %

E nada 1 0,5

Nem nada 20 11

Nem nada disso 1 0,5

Nem nada não 3 2

Não sei o que 154 86

Total 179 100

Com a intenção de verificar que influência fatores sociais e linguísticos exercem na escolha entre as variantes investigadas nesta pesquisa, são analisados quatro grupos de fatores, sendo dois sociais e dois linguísticos:

i) Função desempenhada pela forma: função de marcação de categoria; função de requisição de solidariedade; função de hedge de qualidade; função de intensificação; e função de encerramento de tópico;

ii) Extensão da forma: forma curta (composta de um ou dois itens); forma longa (composta de mais de dois itens);

iii) Sexo: feminino; masculino;

iv) Idade: de 8 a 12; de 15 a 21 anos; de 25 a 45 anos; e mais de 50 anos.

Os dados foram submetidos à análise estatística através do programa GOLDVARB X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), para cálculo de frequências, percentuais e pesos relativos, e para identificação da ordem de significância dos fatores considerados. O peso relativo é uma medida multivariada frequentemente utilizada na pesquisa variacionista. Essa medida resulta do controle simultâneo de elementos contextuais (no formato de grupos de fatores) que podem influenciar o fenômeno variável. Em uma análise multivariada, “[...] cada efeito de um fator na análise é calculado enquanto são controlados, até o máximo possível, os outros fatores” (GUY; ZILLES, 2007, p. 100). Os pesos relativos variam de 0 a 1. Quanto mais próximo de 0, menos influente é o fator que o recebeu; quanto mais próximo de 1, maior é a influência. Um peso de 0.50 tende a ser indiferente, mas, “embora isso geralmente seja verdadeiro, não é o modo mais preciso de se conceber os pesos dos fatores. […] a posição relativa

dos pesos em relação uns aos outros é que é o critério relevante para a interpretação dos resultados” (TAGLIAMONTE, 2006, p. 145).

No próximo capítulo, apresentamos a análise dos resultados obtidos para a influência dos grupos de fatores função desempenhada pela forma, extensão da forma, sexo e idade.

4 ANÁLISES DOS RESULTADOS

Neste capítulo, analisamos contextos influenciadores para o emprego dos Extensores Gerais que apresentam como núcleo as formas tudo, tal e coisa por meio do controle dos fatores sociais sexo e idade e de fatores que a literatura vem relacionando com a gramaticalização de extensores gerais, quais sejam a função e a extensão estrutural. Para tanto, apresentamos a interpretação dos resultados obtidos na análise quantitativa dos dados coletados no corpus pesquisado.

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