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O presente capítulo objetivou descrever e analisar as variáveis independentes capazes de influenciar o uso variável e o avanço da gramaticalização dos Extensores Gerais na comunidade de fala de Natal. Os fatores analisados foram: função desempenhada pela forma, extensão estrutural da forma, sexo dos informantes e faixa etária dos informantes.

Para implementar a pesquisa, cumprir os objetivos geral e específicos, além de atestar as hipóteses formuladas, realizamos a análise de cada variável independente

mencionada. Obtivemos indícios de que tal é a forma mais gramaticalizada por ter sido favorecida pela função mais gramaticalizada, a requisição de solidariedade.

Os indícios de mudança medidos através do sexo e da idade permitem diferentes interpretações, desde mudança no sentido de avanço da gramaticalização do tal liderada pelos homens à disseminação social de coisa e tudo liderada pelas mulheres. É possível que haja uma mudança em progresso liderada pelos pré-adolescentes envolvendo coisa, enquanto os resultados para tudo não trazem indícios de mudança no que se refere à idade.

Diante do que foi aqui exposto, encerramos nossa análise do uso variável dos Extensores Gerais na comunidade de fala de Natal. Esta pesquisa não encerra as possibilidades de análise da variável extensão geral, uma vez que, por se tratar de um estudo inédito, há muito ainda a pesquisar sobre como essas variantes se comportam na comunidade. A seguir, apresentamos as considerações finais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o exposto na introdução, esta pesquisa trouxe como objetivo geral descrever e analisar a variação discursivo-pragmática entre formas variantes compostas pelos elementos nucleares coisa, tal e tudo na indicação da função gramatical de extensão geral na comunidade de fala de Natal. A fim de cumprir esse objetivo foram propostos objetivos específicos para investigar como cada variável independente controlada influencia o emprego das formas em enfoque.

No embasamento teórico desta pesquisa está a sociolinguística variacionista, que defende que a língua apresenta variabilidade de uso em todos os níveis, ou seja, os usuários da língua realizam escolhas entre dois os mais sons, palavras ou expressões. Para essa teoria, do ponto de vista social, a língua é vista como elemento essencial na identificação de grupos e na demarcação de diferenças sociais na comunidade, e, do ponto de vista linguístico, como um sistema heterogêneo (cf. GÖRSKI et al., 2003).

Associada à sociolinguística está a gramaticalização de uma perspectiva funcionalista, assim apresentada por Hopper e Traugott (2003, p. 1): “se preocupa em demonstrar como itens lexicais e construções passam, em certos contextos linguísticos, a servir a funções gramaticais ou como itens gramaticais desenvolvem novas funções gramaticais”.

O corpus que serviu como fonte de dados é composto por 48 entrevistas sociolinguísticas oriundas do Banco de Dados FALA-Natal (cf. TAVARES, 2016). Para esta pesquisa, foram coletados 366 dados dos Extensores Gerais nas 48 entrevistas que compõem o Banco de Dados. A fim de encontrar resultados quantitativos mais seguros, todas as entrevistas constituintes do banco de dados foram empregadas.

Seguindo o mesmo modelo metodológico de pesquisas anteriores que buscaram avaliar o emprego dos Extensores Gerais em outros idiomas, (cf. CHESHIRE, 2007; TAGLIMONTE e DENIS, 2010; PICHLER, 2010; PICHLER; LEVEY, 2011; FERNÁNDEZ, 2015; SECOVA, 2017), selecionamos para análise os seguintes grupos de fatores: extensão funcional e extensão estrutural da forma, sexo e faixa etária dos informantes.

As hipóteses foram formuladas de acordo com cada fator. Esperávamos que as formas variantes mais avançadas, em termos de gramaticalização, fossem mais empregadas na indicação de funções de natureza textual/interacional; que as formas menores, em termos de extensão formal, fossem mais empregadas em funções de natureza

textual/interacional; que as mulheres utilizassem de maneira mais efetiva as formas mais gramaticalizadas, em termos de extensão funcional; e a faixa etária mais jovem realizasse maior uso das variantes mais gramaticalizadas no que se refere à extensão funcional das variantes.

O fator extensão funcional das formas teve significativa relevância para nossa análise. Como esperado, as funções listadas em pesquisas anteriores feitas em outras línguas também se manifestaram em nosso corpus, sendo algumas de maneira sobreposta. Os Extensores Gerais compostos pelo elemento nuclear tal são os mais gramaticalizados, uma vez que foram empregados de maneira mais consistente codificando a função mais gramaticalizada. Essa função, a de requisição de solidariedade, foi definida por Overstreet (2005) como um recurso que é empregado pelo falante para indicar uma suposição de conhecimento compartilhado com o ouvinte, mas não sobre categorias referenciais tão específicas quanto as envolvidas na função de marcação de categoria, e sim sobre categorias mais amplas, como acontecimentos, sensações, sentimentos, entre outros.

As formas variantes compostas pelo substantivo coisa se mostraram as menos gramaticalizadas, já que foram favorecidas pela função de marcação de categoria considerada função de ordem mais referencial e a menos gramaticalizada dentre as analisadas (cf. OVERSTREET, 2014). Essa variante foi responsável por 68% dos dados dessa função. As variantes compostas pelo pronome tudo ocupam um lugar intermediário, em termos de gramaticalização, já que a diferença de emprego ente as duas funções, marcação de categoria e requisição de solidariedade, não foi tão significativa quanto nas demais variantes. Para a função de marcação de categoria, essas variantes codificaram 18% dos dados, e para a função de requisição de solidariedade, elas foram responsáveis por 33% dos dados.

Quanto ao fator extensão da forma, não foi possível realizar uma investigação consistente em nosso corpus. As variantes são, em sua maioria, compostas por um ou dois elementos, o que impossibilita que essas formas variantes tenham seu uso influenciado pela extensão que apresentam. Para Cheshire (2007), formas curtas derivaram de formas longas, por meio de um processo de gramaticalização constituído por redução fonológica. Desse modo, quanto mais empregada for a forma reduzida, mais gramaticalizada ela estará. Isso não é passível de confirmação através do corpus de onde extraímos os dados.

Referente ao sexo dos informantes, coisa e tudo foram favorecidos pelas mulheres e tal foi favorecido pelos homens, o que levou a duas possibilidades de interpretação. Uma é de que haveria mudança no sentido de disseminação social das duas primeiras

formas capitaneada pelas mulheres, e outra é de que haveria mudança no sentido do aumento de gramaticalização de tal rumo a uma maior especialização na requisição de solidariedade. Apenas estudos futuros podem ser mais esclarecedores a esse respeito.

Finalmente, no que diz respeito à idade, uma vez que coisa foi favorecido pelos pré-adolescentes, talvez esteja em andamento uma mudança conduzida por esse grupo etário. Diferentemente, tal pode estar sofrendo mudança caracterizada por um pico de uso na fala adolescente, mas também pode estar envolvido em um processo de age grading. Já tudo, favorecido pelas duas faixas etárias mais velhas e desfavorecido pelas duas faixas etárias mais jovens, parece não estar passando por um processo de mudança.

As possibilidades de estudo dos Extensores Gerais não se esgotam nesta pesquisa. O fato de se tratar de um fenômeno pouco investigado no português brasileiro permite que a extensão geral seja analisada por meio de diferentes vieses.

Uma possibilidade de análise dos Extensores Gerais está voltada à pesquisa das variantes COISA, TAL e TUDO segundo o desenvolvimento histórico das formas. Esse estudo permitiria averiguar como essas formas, que têm origens diferentes, chegaram a desempenhar funções semelhantes na língua e, além disso, apontar se e como esse desenvolvimento histórico é capaz de influenciar o uso de cada variante atualmente.

Outra pesquisa que pode ser feita na comunidade de fala de Natal é a análise das variantes que têm sentido de negação, tais como e nada, nem nada, nem nada disso, nem

nada não e não sei o que. Essas formas foram empregadas de maneira significativa entre

os informantes aqui considerados, e, desse modo, merecem uma investigação capaz de identificar quais são os fatores que influenciam seu emprego.

Fora isso, quando a pesquisa voltada ao uso dos Extensores Gerais for mais difundida no país e houver mais comunidades de fala investigadas em relação ao seu emprego, será possível desenvolver pesquisas comparativas entre essas comunidades e a comunidade de fala natalense. Isso garantiria que a extensão geral, tão investigada em outros idiomas, seja também bem analisada no português brasileiro.

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