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Para que uma pesquisa do ponto de vista da sociolinguística variacionista seja implementada, fatores inerentes à sociedade também devem ser controlados, uma vez que a sociolinguística é a área que “toma como ponto de partida as regras gramaticais de uma língua para analisar os pontos em que essas regras fazem contato com a sociedade”

(TAGLIAMONTE, 2006, p. 4). Desse modo, é extremamente relevante que condicionadores como idade, classe social, sexo e escolaridade dos informantes sejam analisados em pesquisas que buscam avaliar como se apresenta a língua falada em determinadas comunidades.

Seguindo a metodologia aplicada em estudos anteriores (CHESRIHE 2007, TAGLIAMONTE; DENIS 2010, PICHLER e LEVEY 2011), já mencionados no capítulo referente ao estado da arte, esta pesquisa analisa como os fatores sociais sexo e faixa etária influenciam o emprego dos Extensores Gerais na comunidade de fala natalense.

4.3.1 Sexo dos informantes

Segundo Labov (1990), de todos os princípios sociolinguísticos, o mais claro e mais consistente é o contraste entre homens e mulheres. Portanto, esse grupo de fatores pode revelar muito a respeito do emprego dos Extensores Gerais no corpus analisado.

Pesquisas sociolinguísticas anteriores que objetivaram confrontar o uso da língua realizado por homens e mulheres apontaram para uma tendência feminina de preferir formas não estigmatizadas. Alguns autores afirmam que essa preferência feminina tem explicações sociais, uma vez que a mulher realiza suas escolhas linguísticas como um meio de reafirmar sua posição na sociedade. Ou seja,

Generalizações a respeito do uso da linguagem padrão podem estar ligadas a generalizações sobre a posição das mulheres na sociedade [...] As mulheres têm que fazer muito mais do que os homens simplesmente para manter seu lugar no mercado da língua padrão [...] As mulheres podem ter que recorrer a extremos linguísticos para solidificar seu lugar, onde quer que seja. (ECKERT, 2000, p. 192).

Para outros autores, o comportamento linguístico feminino está ligado à capacidade perceptiva que a mulher tem em notar a evolução linguística. Por essa razão, para Labov (2001), a mulher transita entre uma conduta linguística conservadora e uma conduta linguística inovadora, uma vez que “em situações estáveis as mulheres percebem e reagem ao prestígio ou estigma mais fortemente que os homens, e quando a mudança começa, as mulheres são mais rápidas e mais vigorosas no emprego do novo simbolismo social” (LABOV, 2001, p. 291). Tendo isso em vista, o referido autor, ao elaborar os quatro Princípios da Mudança Linguística, fez afirmações a respeito do comportamento feminino diante da inovação linguística. De acordo com esses princípios, para as variáveis sociolinguísticas estáveis, as mulheres mostram um menor emprego de variantes

estigmatizadas e um maior emprego de variantes de prestígio quando comparadas aos homens. Além disso, na mudança linguística vinda de fora da comunidade, as mulheres adotam as formas de difusão em uma taxa mais alta do que os homens. Do mesmo modo que, na mudança linguística iniciada dentro da comunidade, as mulheres usam taxas mais altas de formas inovadoras do que os homens (cf. LABOV, 2001).

No caso dos Extensores Gerais, estudos realizados em outros idiomas apontaram que o sexo não influenciou de forma significativa a escolha da forma. Tagliamonte e Denis (2010) encontraram resultados similares no que se refere ao emprego das formas variantes dos Extensores Gerais realizados por homens e mulheres. Pichler e Levey (2010) mostraram que os homens, em todos os recortes etários e principalmente os mais jovens, usaram mais Extensores Gerais que as mulheres, mas que essa diferença não é suficientemente significativa. Secova (2017) concluiu que as mulheres mostraram alto uso de determinadas formas variantes; entretanto, como elas são responsáveis pela maioria das ocorrências, não havia dados suficientes de homens que permitissem conclusões relevantes sobre as diferenças de sexo.

Em nossa pesquisa, o sexo dos informantes foi controlado com o objetivo de verificar se na comunidade de fala de Natal há diferença significativa no modo como homens e mulheres empregam os Extensores Gerais. Nossa hipótese é que, caso haja uma forma em estágio mais avançado de gramaticalização em termos de extensão funcional, essa forma será mais empregada pelas mulheres.

O corpus analisado é constituído por 24 informantes do sexo feminino e 24 informantes do sexo masculino. É possível verificar os resultados na tabela a seguir:

Tabela 7: Distribuição dos Extensores Gerais em relação ao sexo dos informantes

Coisa Tal Tudo

Sexo Aplic. % P.R. Aplic. % P.R. Aplic. % P.R. Feminino 93/194 48 0,60 41/194 21 0,30 60/194 31 0,60 Masculino 49/190 26 0,39 97/190 51 0,69 44/190 23 0,39 Total 142/384 37 - 138/384 36 - 104/384 27 -

Na tabela 7, observa-se a frequência de cada variante de acordo com o sexo dos informantes. Os resultados mostram que as variantes apresentaram resultados distintos quanto aos sexos.

Em relação às variantes compostas pelo elemento nuclear coisa, é possível perceber que elas foram favorecidas pelo sexo feminino, com frequência de 48% e P.R. de 0,60. Já os homens apresentaram frequência de 26% e P.R. de 0,39, o que representa desfavorecimento.

Resultado similar foi encontrado para as variantes que têm como núcleo o pronome tudo. As mulheres pareceram favorecer essas formas, com frequência de 31% e P.R. de 0.60, enquanto os homens as desfavoreceram, com frequência de 23% e P.R. de 0.39.

No tocante às variantes que apresentam como elemento nuclear o pronome tal, é notório que foram favorecidas pelos homens, com taxa de uso de 51% e P.R. de 0,69, enquanto, entre as mulheres, a taxa de uso foi de 21% e o P.R. foi de 0,30, indicativo de desfavorecimento.

Os resultados revelam que a variante tal, aparentemente mais gramaticalizada em relação à função (cf. a seção 4.1), não foi a forma mais empregada pelas mulheres. O sexo feminino foi favorável às variantes compostas por tudo e coisa. Por sua vez, os homens favoreceram a forma variante tal.

Há pelo menos duas explicações para esses resultados. Para a primeira, é preciso considerar que, na sociolinguística variacionista, o termo mudança refere-se à disseminação ou à difusão social das inovações e a análise do grau de mudança é mensurado através do controle das distribuições sociais das formas envolvidas (cf. LABOV, 1972). Em contraste, para o funcionalismo, o termo mudança envolve, em primeiro lugar, o processo de surgimento das inovações e, em segundo lugar, o processo de propagação social das inovações. (cf. HOPPER; TRAUGOTT, 1993).

Nessa perspectiva, as variantes coisa e tudo podem ser mais recentes no domínio da extensão geral, sendo a variante tal a mais antiga. Nesse caso, talvez os resultados sejam indicativos de um possível avanço de um processo de disseminação social dessas formas ao longo da comunidade de fala. Essa disseminação estaria sendo liderada pelas mulheres. Isso poderia se refletir posteriormente em um avanço no processo de gramaticalização, com as variantes com tudo e coisa tendo seu uso progressivamente ampliado para a função de requisição de solidariedade. Essa hipótese pode ser testada apenas se estudos diacrônicos trouxerem evidência da época em que cada forma adentrou o domínio.

No entanto, não se pode descartar a existência de um processo de mudança rumo a uma crescente utilização das variantes com tal na função de requisição de solidariedade

que esteja sendo liderado pelos homens. Embora as mulheres assumam à frente em, segundo Tagliamonte (2012), cerca de 90% dos casos de mudança, há uma margem de 10% de liderança masculina. Nesse caso, o avanço do processo de gramaticalização estaria levando à uma crescente especialização de tal na indicação de requisição de solidariedade.

4.3.2 Idade dos informantes

O uso da língua está diretamente relacionado à idade dos falantes. Estudos variacionistas realizados em tempo aparente, que buscam verificar indícios de mudança linguística em uma comunidade de fala, geralmente recorrem ao grupo de fatores faixa etária como meio de captação do desenvolvimento de determinada variante ao longo do tempo. Segundo Tagliamonte (2012), as diferenças de idade são vistas como análogos temporais, refletindo etapas históricas no progresso da mudança.

Nessa perspectiva, ao comparar resultados obtidos em diferentes faixas etárias, é possível relacionar um aumento ou uma redução da frequência de uso de uma forma variante, entre essas faixas etárias, com indícios de mudança em andamento. Isso é possível devido à hipótese clássica da mudança em tempo aparente, segundo a qual “cada pessoa preserva durante a vida o sistema vernacular que foi adquirido durante seus primeiros anos de formação até a puberdade” (COELHO et al., 2015, p. 85). Desse modo, os informantes de uma pesquisa que tinham 60 anos de idade no dia que foram entrevistados, empregaram traços linguísticos adquiridos há 45 anos. Segundo Naro (2013, p. 46):

O que permite esta visão simultânea das diversas etapas do processo dinâmico de mudança é o congelamento do sistema linguístico do falante na época da puberdade, e é justamente este postulado fundamental que subjaz à hipótese clássica do relacionamento entre mudança linguística e idade: o processo da mudança se espelha na fala das sucessivas faixas etárias.

Entretanto, nem sempre a diferença de uso de uma determinada variante entre as diferentes faixas etárias de uma comunidade de fala significa mudança em andamento. Em alguns casos, essa distinção de uso pode significar uma mudança linguística no sistema gramatical subjacente, ou toda a comunidade pode estar mudando a maneira de falar, bem como dois tipos de mudança podem estar acontecendo simultaneamente (cf. TAGLIAMONTE, 2012).

Outro fator relevante que pode ser percebido por meio de diferenças de emprego das formas variantes entre as faixas etárias controladas em uma pesquisa é o age grading. Essa modalidade de variação ocorre quando as diferentes faixas etárias empregam a língua de maneira distinta umas das outras apenas pelo fato de estarem em estágios de vida diferentes. Ou seja, “se os indivíduos mudam seu comportamento linguístico ao longo de suas vidas, mas a comunidade como um todo não muda, o padrão pode ser caracterizado como de age grading” (LABOV, 1994, p. 84).

É necessário salientar que, quando a variável em análise apresenta indícios de age

grading, isso significa que não há mudança em andamento, uma vez que, nesse caso, o

falante reduz o uso de determinadas variantes à medida que envelhece e, alternativamente, outras variantes podem surgir. Nessa perspectiva, as variantes que não estão incluídas na língua culta de uma comunidade de fala tendem a ser mais utilizadas pelos informantes adolescentes, mas, na fase adulta, quando as pessoas sofrem mais pressões sociais, seja pelo mercado de trabalho seja pela educação dos filhos, essas variantes tendem a desaparecer (cf. TAGLIAMONTE, 2012).

Um problema que reside na pesquisa em tempo aparente é como o pesquisador pode confirmar se os resultados obtidos evidenciam um caso de mudança em andamento ou um caso de age grading. Segundo Tagliamonte (2012), a melhor maneira de resolver esse impasse é implementar um estudo em tempo real, entretanto a grande maioria dos

corpora empregados em pesquisas sociolinguísticas não permite esse tipo de estudo.

Nesse caso, a autora indica que, ao realizar um estudo em tempo aparente, o pesquisador compare os resultados obtidos a resultados obtidos em pesquisas anteriores que investigaram a mesma comunidade de fala.

Dentre as pesquisas listadas no capítulo referente ao estado da arte, há casos de mudança em andamento e casos em que os resultados não permitiram confirmar se a variação em análise se tratava de uma mudança em andamento ou de um caso de age

grading.

Cheshire (2007), por exemplo, afirma que é difícil estabelecer comparações quando os dados são extraídos em diferentes circunstâncias e, para a autora, isso serve de alerta para conclusões precipitadas a respeito do resultado de diferentes faixas etárias. Ou seja, não há como ter certeza se o comportamento diferenciado entre as faixas etárias analisadas representa age grading ou mudança em andamento quando o pesquisador não pode confirmar se os dados da diferentes faixas etárias são comparáveis entre si, tanto em termos de conteúdo quanto de contexto (cf. CHESHIRE, 2007).

Pichler e Levey (2011), por outro lado, afirmam que os Extensores Gerais são responsáveis por marcar fortemente diferenciações sociais na comunidade analisada. Segundo os autores, os resultados obtidos para a faixa etária não apontaram para gramaticalização em andamento, o que deixa claro que o alto índice de emprego da forma realizado pelas mulheres jovens não é indicativo de mudança em andamento, mas aponta para age grading.

No corpus empregado em nossa pesquisa, os informantes estão divididos em quatro diferentes faixas etárias, sendo 12 participantes no grupo de 8 a 12 anos (pré- adolescentes), 12 no grupo de 15 a 21 anos (adolescentes), 12 no grupo de 25 a 45 anos (adultos jovens), e 12 no grupo com mais de 50 anos (adultos mais velhos). Esse grupo de fatores foi controlado com o objeto de verificar se há diferença significativa entre as idades no que diz respeito ao emprego dos Extensores Gerais. Nossa hipótese é a de que indivíduos mais jovens tendem a ser líderes de mudança, então é possível que eles estejam na liderança no uso da variante possivelmente mais gramaticalizada quanto à extensão funcional, aquela que agrupa as formas nucleadas por tal. Seguem-se os resultados para esse grupo de fatores condicionante:

Tabela 8: Distribuição dos Extensores Gerais em relação à faixa etária

Coisa Tal Tudo

Idade Aplic. % P.R. Aplic. % P.R. Aplic. % P.R. Pré-adolescentes 42/69 61 0,76 15/69 22 0,37 12/69 17 0,38 Adolescentes 52/132 40 0,53 69/132 52 0,75 11/132 8 0,22 Adultos jovens 39/116 34 0,52 38/116 32 0,37 39/116 34 0,66 Adultos + velhos 9/67 13 0,17 16/67 24 0,32 42/67 63 0,86 Total 142/384 37 - 138/384 36 - 104/384 27 -

A tabela 8 mostra os resultados relativos à cada variante quanto à idade dos informantes. É possível perceber que as variantes apresentaram resultados distintos ao compararmos cada faixa etária.

As variantes compostas pelo substantivo coisa foram mais empregadas pelos informantes mais jovens, os pré-adolescentes, com frequência de 61% e P.R. de 0,76. Os adolescentes e adultos jovens apresentaram resultados aproximados em relação a essa variante, com frequências de 40% e 34% e P.R de 0,53 e 0,52, respectivamente. Esses pesos relativos giram em torno do ponto neutro de 0,50, sendo, portanto, neutros ou levemente favorecedores das variantes com coisa. Já os adultos mais velhos, faixa etária que menos empregou a forma em questão, contaram com frequência de 13% e P.R. de 0,17. Se há uma mudança em andamento rumo ao aumento de uso das formas com coisa, ela teria se iniciado entre os pré-adolescentes, e parece bastante restrita a esse grupo.

No que diz respeito às variantes compostas pelo elemento nuclear tal, verifica-se que foram favorecidas pelo segundo grupo mais jovem, os adolescentes, com frequência de 52% e P.R. de 0,75. No que tange às demais faixas etárias, nota-se que os resultados obtidos são similares, uma vez que os pré-adolescentes e os adultos jovens apresentam frequência de 32% e P.R. desfavorecedor de 0,37, cada um, e os adultos mais velhos, frequência de 24% e P.R. desfavorecedor de 0,32. Se for um caso de mudança, ela estaria sendo liderada pelos adolescentes, com um padrão específico identificado por Labov (2001), segundo o qual pode haver um pico de uso de formas inovadoras no final da adolescência, ao que se segue a diminuição do uso dessas formas à medida que aumenta a idade dos informantes e ao que se precede um uso menor pelos pré-adolescentes.

Não se pode descartar, porém, o fenômeno de age grading, pelo qual grupos etários variados utilizam formas distintas devido ao período de vida em que estão. Uma

situação de age grading não é reveladora de mudança, pois o esperado é que os indivíduos, geralmente adolescentes, diminuam o uso das formas com a entrada na vida adulta. A natureza das formas envolvidas em age grading é comumente informal ou até estigmatizada, o que não parece ser o caso de tal, mas não foram realizados testes de atitude que poderiam auxiliar a diferenciar as variantes sobre enfoque quanto a graus de estilo. Somente pesquisas posteriores podem ajudar a esclarecer essa questão.

É necessário salientar que, quando a variável em análise apresenta indícios de age

grading, isso significa que não há mudança em andamento, uma vez que, nesse caso, o

falante reduz o uso de determinadas variantes à medida que envelhece e, alternativamente, outras variantes podem surgir. Nessa perspectiva, as variantes que não estão incluídas na língua culta de uma comunidade de fala tendem a ser mais utilizadas pelos informantes adolescentes, mas, na fase adulta, quando as pessoas sofrem mais pressões sociais, seja pelo mercado de trabalho seja pela educação dos filhos, essas variantes tendem a desaparecer (cf. TAGLIAMONTE, 2012). Todavia, apenas uma nova pesquisa feita com um corpus constituído daqui a alguns anos pode auxiliar a diagnosticar qual das duas possibilidades parece ser a correta.

Quanto às variantes compostas pelo pronome tudo, foram favorecidas entre os informantes de idade mais avançada, com frequência de 63% e P.R. de 0,86, seguidos pelos adultos mais jovens, com frequência de 34% e P.R. de 0,66. Os pré-adolescentes apresentaram P.R. desfavorecedor de 0,38, e os que menos utilizaram as formas, os adolescentes, apresentaram P.R. desfavorecedor de 0,22. Em razão dessa distribuição, não há diagnóstico de mudança para as formas com tudo, e sim uma polaridade entre os dois grupos mais jovens, desfavorecedores, e os dois grupos mais velhos, favorecedores.

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