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Delineando o paradigma tradicional da ciência e o novo paradigma da ciência

3.2 A abordagem do novo paradigma da ciência segundo Vasconcellos e o

3.2.1 Delineando o paradigma tradicional da ciência e o novo paradigma da ciência

de termo amplamente presente em nossos dias para as diversas áreas do conhecimento. No entanto, para ela “nem sempre as pessoas conseguem entender o que significam essas novidades, por não terem oportunidade de refletir sobre como as coisas eram antes dessas mudanças que estão acontecendo” (VASCONCELLOS, 2002, p. 67). E, nesse sentido, refere-se à passagem da ciência tradicional (séc. XVII a XIX), da objetividade, simplicidade e estabilidade, para a ciência pós-moderna (séc. XX), da complexidade, instabilidade e intersubjetividade. E faz uma distinção entre ambas as vertentes epistemológicas, esclarecendo a diferença existente e explicando por que chama o paradigma atual de novo paradigma:

O pressuposto da simplicidade: a crença em que, separando-se o mundo complexo em partes, encontram-se os elementos simples, em que é preciso separar as partes para entender o todo, ou seja, o pressuposto de que “o microscópio é simples. Daí decorrem, entre outras coisas, a atitude de análise e a busca de relações”.

O pressuposto da estabilidade do mundo: a crença em que o mundo é estável, ou seja, em que “o mundo já é”. Ligados a esse pressuposto estão a crença na determinação – com a consequente previsibilidade nos fenômenos – e a crença na reversibilidade – com a consequente controlabilidade dos fenômenos. O pressuposto da objetividade: a crença de que “é possível conhecer objetivamente o mundo tal como ele é na realidade” e a exigência da objetividade como critério de cientificidade. Daí decorrem os esforços para colocar entre parênteses a subjetividade do cientista, para atingir o universo, ou versão única do conhecimento (VASCONCELLOS, 2002, p. 69).

E sair

Do pressuposto da simplicidade para o pressuposto da complexidade: o reconhecimento de que a simplicidade obscurece as inter-relações de fatos existentes entre todos os fenômenos do universo e de que é imprescindível ver e lidar com a complexidade do mundo em todos os seus níveis. Daí decorrem, entre outras, uma atitude e o reconhecimento de contextualização dos fenômenos e o reconhecimento de causalidade recursiva.

Do pressuposto da estabilidade para o pressuposto da instabilidade do mundo: o reconhecimento de que “o mundo está em processo de tornar-se”. Daí decorre necessariamente a consideração da indeterminação, com a conseqüente imprevisibilidade de alguns fenômenos, e da sua irreversibilidade, com a conseqüente incontrolabilidade desses fenômenos. Do pressuposto da objetividade para o pressuposto da intersubjetividade na constituição do conhecimento do mundo: o reconhecimento de que “não existe uma realidade independente de um observador” e de que o conhecimento científico do mundo é construção social, em espaços consensuais, por diferentes sujeitos/observadores. Com conseqüência, o cientista coloca a “objetividade entre parênteses” e trabalha admitindo autenticamente o multi-

versa: múltiplas versões da realidade, em diferentes domínios lingüísticos de

explicações (VASCONCELLOS, 2002, p. 101-2).

Vasconcellos (2002) considera o pensamento sistêmico como o paradigma da ciência contemporânea ou como a epistemologia da ciência novo-paradigmática. Ressalta, no entanto, que “conscientizarmo-nos de nosso paradigma – e questioná-lo – requer esforço e não é processo fácil” (p. 35), pois mudança de paradigma implica necessariamente rever nossos valores e idéias, ou seja, a maneira como vemos o

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mundo. Acrescenta que “as mudanças de paradigma só podem ocorrer por meio de vivências, de experiências, de evidências que nos coloquem frente a frente com os limites de nosso paradigma atual” (VASCONCELLOS, 2002, p. 35).

A compartimentalização do todo em partes como se as partes não influenciassem o todo, como afirma Bertalanffy (1968), numa visão mecanicista, linear e biologicista da concepção da ciência, decorre do “célebre método de Descates do pensamento analítico, que tem sido uma característica essencial do moderno pensamento científico” (CAPRA, 1996, p. 41). A abordagem analítica ou reducionista na qual as partes não podem ser analisadas separadamente a não ser se reduzidas a partes menores, tão aceita no paradigma da ciência tradicional, a exemplo da área “biomédica”, na qual a doença era entendida como algum tipo de avaria na “máquina” de uma pessoa, um mau funcionamento das partes, ou seja, a “máquina avariou”. Para Capra (1996), o “grande impacto que adveio com a ciência do século XX foi a percepção de que as partes não podem ser entendidas pela análise” (p. 41).

Os paradigmas são importantes, como importante é o ângulo de referência através do qual se olha para dimensões diferentes. Como afirma Vasconcellos (2002, p. 43), o “pensamento sistêmico é o novo paradigma ou a nova epistemologia da ciên- cia, é o sentido de paradigma como crenças e valores dos cientistas […] de quadro de referência epistemológico, no sentido da visão ou concepção de mundo implícita na atividade científica”. Quando essa abordagem é aplicada à ciência como um todo, é preciso saber que

a complexidade das relações causais recursivas nas redes de redes que constituem a natureza em todos os seus níveis introduz necessariamente a incerteza, a imprevisibilidade. E a consciência da destruição da certeza remete necessariamente ao pensamento relacional: se não é verdadeiro em si, é verdadeiro em relação a quê? A quem?

Pensar a instabilidade, irreversibilidade, a evolução, associados aos processos de auto-organização, exige de nós uma ampliação de foco, um foco mais abrangente que permita incluir o tempo irreversível. Ou seja, requer um pensamento complexo, integrador, que afaste a disjunção, a simplicidade (VASCONCELLOS, 2002, p. 152).

entre paradigma e epistemologia, este último como o modo e a forma de conhecer. Destaca, entretanto, que é “neutro de seus sentidos – o de premissas ou pressupostos – que o tenho considerado como equivalente a paradigma” (p. 45).

Na compreensão de paradigma e/ou epistemologia é imprescindível o exercício que devemos fazer para ampliar as lentes com as quais buscamos o foco de forma a enxergarmos sistemas amplos. Sobre esta ampliação, Vasconcellos (2002) fala do objeto em contexto, ou seja, olhar através das lentes da contextualidade. Para ela, contextualizar é

reintegrar o objeto no contexto, ou seja, é vê-lo existindo no sistema. E ampliando mais o foco, colocando o foco nas interligações, veremos este sistema interagindo com outros sistemas, veremos uma rede de padrões

interconectados, veremos conexões ecossistêmicas, veremos redes de redes ou sistemas de sistema (p. 112).

Ampliar o foco envolve uma visão circular sobre o todo num dado quadro de referência, no qual, ao ampliar o foco, o observador verá a complexidade, o que lhe permitirá descrever a instabilidade e acatar a intersubjetividade (VASCONCELLOS, 2002), pois o olhar sistêmico, ao contextualizar o fenômeno, amplia “o foco, o observador pode perceber em que circunstâncias o fenômeno observado acontece, verá relações intra-sistêmicas e intersistêmicas, verá não mais um fenômeno, mas uma teia de fenômenos recursivamente interligados e, portanto, terá diante de si a complexidade do sistema” (VASCONCELLOS, 2002, p. 151). Desse modo, poderá incluir-se a si mesmo na observação, buscando ultrapassar a concepção de causalidade linear do paradigma da ciência tradicional para uma causalidade circular para o fenômeno observado.

Reconhecer o dinamismo das relações existentes num sistema pressupõe reconhecer que o sistema está em curso, em processo constante de mudança e evolução, autogerenciando-se e auto-organizando-se. Assim, o olhar de um observador sistêmico o levará a perceber que, no sistema, deverá reconhecer e assumir a instabilidade, a imprevisibilidade e a incontrolabilidade (VASCONCELLOS, 2002). Ainda segundo a autora,

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ao reconhecer sua própria participação na constituição da “realidade” com que está trabalhando, e ao validar as possíveis realidades instaladas por distinções diferentes, o observador se inclui verdadeiramente no sistema que distinguiu, com o qual passa a se perceber em acoplamento estrutural, e estará atuando nesse espaço de intersubjetividade que constitui com o sistema com que trabalha [...] (VASCONCELLOS, 2002, p.151).

Essa compreensão do novo paradigma da ciência por Vasconcellos (2002) possibilita ultrapassar a ciência tradicional sem relegar os seus conhecimentos, mas pelo contrário, usá-los para fazer uma nova leitura de forma a incluir os aspectos da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade para transcender o pensamento sistêmico, no sentido da objetividade entre parênteses.

Por outro lado, Vasconcellos (2002) ainda percebe objetividade entre parênteses em Capra (1996), embora ele cite nos seus escritos os trabalhos de Maturana e Varela – a teoria da cognição de Santiago. Segundo Capra (1996),

o que torna possível converter a abordagem sistêmica numa ciência é a descoberta de que há conhecimento aproximado. Essa improvisação é de importância decisiva para a ciência moderna. O velho paradigma baseia-se na crença cartesiana na certeza do conhecimento científico. O paradigma novo é reconhecido que todas as concepções e todas as teorias científicas são limitadas e aproximadas. A ciência nunca pode fornecer uma compreensão completa e definitiva (p. 49).

Assim, a percepção da intersubjetividade é ainda uma necessidade a ser inaugurada por muitos de nós, a olhar para o próprio Capra (1996), que desenvolveu um livro belíssimo de dez anos de estudos e discussões e concebe como novo paradigma o pensamento sistêmico, mas considera-o pela vertente do pensamento contextual e processual. Aqui, no entanto, não inclui o pensamento relacional. E, nesse sentido, deixa a objetividade entre parênteses. Ao considerar aqui o relacional percebemos que o pensamento sistêmico em si só, busca a complementaridade dos saberes e do vir a saber e assim quando Vasconcellos (2002) enfatiza que Capra não considerou a objetividade entre parênteses, ela busca, no entanto, acrescentar a necessidade de ampliar as discussões para a inclusão de se perceber que a realidade

não existe independente de um observador.

Bertalanffy (1968), Capra (1996) e Vasconcellos (2002) vêm montando um “quebra-cabeça” para o pensamento sistêmico, ou seja, unindo as várias idéias para a concretude de um paradigma que conceba o todo e as partes de forma multiversa, ou, em outras palavras, arrisco dizer que é buscar ver quotidianamente o mundo com um olhar novo-paradigmático. E esse novo olhar remete à consciência de que o conhecimento não nos pertence. Convém reforçar que meu olhar se lança nos autores acima citados, aos quais humildemente tenho buscado compreender para a fundamentação teórica do processo de pensar/agir humano neste estudo.