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Diagrama 8: Ramificação da oitava categoria

2.3 Família: uma unidade de cuidados para seus membros

Para a maioria das pessoas a família representa um esteio de relevante significância, tanto no que tange à estruturação de seus laços afetivos quanto nos referenciais de significância, apoio, cuidado e respeito.

Esse olhar sobre a família conduz à compreensão de que a família é uma unidade de interação entre os subsistemas que a compõem em sua totalidade e suas redes de relações mais amplas, ou seja, o universo de suas inter-relações intra e extrafamiliar. É a família em si o conjunto e a interseção de relação entre suas partes e o todo. No entanto, este é um tema oriundo de muitas definições, muitas das quais ao longo da história de estudos com família foram desviando-se do que se acredita ser a

família, uma vez que num sentido genérico ela muda e se adapta às circunstâncias

históricas e às diferentes exigências dos estádios de desenvolvimento. Segundo Minuchin (1982, p. 57), “uma família é um sistema que opera através de padrões transacionais”4.

No entanto, estudos como os de Althoff, Elsen & Nitschke dizem que “um olhar mais detalhado sobre as pesquisas de família na literatura em diferentes áreas […] leva a afirmar que esse campo de conhecimento, embora bastante extenso, encontra-se ainda compartimentalizado”. E continuam: “estudos desenvolvidos em uma mesma disciplina surgem algumas vezes repetidos em outra, com a definição dos mesmos objetivos, população alvo e fenômeno a ser investigado, numa falta clara de comunicação entre elas’’ (ALTHOFF, ELSEN & NITSCHKE, 2004, p. 21).

A constatação dessas autoras encontra eco em Delgado (2003), quando busca explorar definições de família ao longo da história, passando por antropólogos, sociólogos e historiadores até concluir, sintetizando seus achados, que cada um desses

4 Por transacionais refere-se o autor ao estabelecimento de relações de quem, como e quando a família

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ramos do conhecimento têm seu próprio conceito de família, “sempre de forma parcelada, enquanto o seu cotidiano não é assim” (DELGADO 2003 p. 33).

Em estudo similar ao desenvolvido por Delgado, sobre tantas tentativas de definir família, Costa ressalta “a incompletude de todas as definições (COSTA, 2004, p.4). E continua, dizendo que “muitas falam de aspectos específicos da relação familiar, outras de características gerais. Nenhuma, portanto, é globalizante” (p. 5). Aqui, no entanto, faz exceção à Teoria Geral dos Sistemas. O autor conclui seu artigo dizendo que “estejamos mais preparados para suas transformações, diversidades vinculares e suas possibilidades de construção do crescimento humano” (COSTA, 2004, p. 11).

Mioto (1998) também faz referência à divergência de estudos em torno do conceito de família, destacando as definições que a posicionam como um grupo natural ou simples objeto compartilhado, mas enquanto grupo social, historicamente construído. A autora lança pressupostos para a compreensão da família com vistas a ajudá-la num determinado momento histórico de sua vida. Tais pressupostos encontram-se alicerçados na utilização de teorias que possam subsidiar a ação e permitam ultrapassar limites do bom senso e da intuição. Contribuindo com Mioto está Laing (1972), ao reforçar que a família não é um objeto social compartilhado, mas sim um todo organizado nos elementos que a constituem, como um conjunto de relações e padrões de relacionamento, no qual os indivíduos se desenvolvem e se apropriam da estrutura do grupo familiar.

A família é sem dúvida uma estrutura de valor, agente socializador e uma unidade de complexidade e multidimensionalidade. Assim, tomo como base a preocupação dos autores citados até o presente momento, por compreender que estudar a família em sua multidimensionalidade não é uma das tarefas mais simples, muito pelo contrário, mas esses estudos alertam para a importância de se pesquisar família como unidade. E nesse aspecto, estudos como os de Wright & Leahey (2002) destacam a importância e a necessidade de estudar a família como um sistema, explorando seus elos com outros componentes que constituem o sistema familiar e a abordagem profissional de intervenção na família. Fundamenta o estudo na Teoria Geral dos Sistemas, da cibernética, da comunicação, da mudança e da biologia da

cognição. Para as autoras, “um sistema familiar é parte de um supra-sistema mais amplo e, por sua vez, é composto de muitos sistemas” (WRIGHT & LEAHEY, 2002 p. 38).

Essas autoras julgam fundamental compreender o significado de sistema, por sua “grande utilidade quando aplicado a família” (WRIGHT & LEAHEY, 2002, p. 38). Nesse sentido, referem-se à família definindo-a como um “complexo de elementos em mútua interação”, o que possibilita enxergar cada família como uma unidade de interação entre seus membros e não a estudá-los individualmente. Entretanto, “é preciso ter em mente que cada membro individual da família, por sua vez, é um subsistema e um sistema. Um sistema individual é tanto uma parte como um todo, tal como a família” (p.38).

Essa compreensão vai ao encontro do que Galera e Villar Luis (2002) trazem à discussão da comunidade científica sobre a abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem. As autoras buscam alguns conceitos que consideram primordiais para intervenção com a família: sistema, ser humano, família, saúde familiar, intervenção de enfermagem, hipóteses, circularidade, hipóteses sistêmicas e neutralidade.

Galera e Villar Luis fazem uma crítica que considero de extrema relevância para o pesquisador que trabalha com família:

[…] em muitas delas o pesquisador entrevista somente um familiar de cada família. Interpreta as respostas desse familiar como sendo a representação fiel da opinião da família. Se a realidade de cada pessoa é uma reformulação de sua experiência, é justo pensar que a opinião de um elemento da família e a interpretação que o pesquisador faz desta opinião não são, necessariamente, a representação de todo o grupo (GALERA & VILLAR LUIS, 2002, p. 143).

Sobre este entendimento Humberto Maturana (1995) ressalta que toda entidade viva somente pode perceber, responder, pensar, acreditar e agir de acordo com os limites de sua estrutura única e como um ser em acoplagem estrutural. Em outras palavras, só temos o mundo que criamos com o outro (MATURANA & VARELA, 2005). Esse conceito salienta que a realidade descrita por uma pessoa não existe independente dela, pois é uma reformulação de sua experiência. E, conseqüentemente, a realidade descrita por um indivíduo não é uma “realidade objetiva”, para uma

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realidade entre parênteses, pois é uma reformulação de uma experiência vivida.

Considero ainda importante acrescentar esta argumentação de Maturana (1995) ao conceito de Minuchin, Colapinto & Minuchin (2000, p.27): “uma família é uma classe especial de sistema, com estrutura, pautas e propriedades que organizam a estabilidade na mudança. Também é uma pequena sociedade humana cujos membros em contato cara a cara têm vínculos emocionais e uma história compartilhada”. Desse modo, a explicação que me permite transitar sobre esse tema está na compreensão de perceber o indivíduo como unidade do sistema familiar, uma parte separada, mas também uma parte do conjunto. Assim, no reconhecimento das partes está implicada a pressuposição do todo, ou seja, a família enquanto unidade.

Considerando os aspectos enunciados pelos autores acima, mas especialmente sobre compreender a família em suas partes e no todo, e não isoladamente, percebo que ramos do conhecimento como a psicologia está há mais tempo nessa caminhada pela compreensão do indivíduo e da família, particularmente com os terapeutas da família. Estudos como o de Foley (1990, p. 46) demonstram essa compreensão e preocupação em perceber a família como um todo. O autor relata que a “terapia familiar, como abordagem aos problemas de um membro individual da família, enfoca o relacionamento da pessoa e seu sistema familial, que é visto como decisivo para a compreensão da patologia”. E reforça que “não se pode ler os principais teóricos da terapia familiar sem um bom conhecimento da teoria dos sistemas e de como ela se aplica ao sistema que chamamos de “família” (FOLEY, 1990, p. 46).

No pensamento sistêmico, não há absolutos ou certezas, para os terapeutas da família a realidade e a verdade são circulares, afirma Papp (1992).

Ao desenvolverem estudos sobre família, sistema e ciclo vital, Cerveny e Berthoud (2002) compreendem que a família é uma unidade dinâmica em constante processo de mudança, daí ser necessário compreender o indivíduo e a família simultaneamente. As autoras discorrem sobre a autonomia e a individualidade dizendo que “não podem ser reconhecidas separadas do sistema plurigeracional, em que o indivíduo é ao mesmo tempo parte de um todo de um sistema maior, que por sua vez pertence a sistemas maiores, num processo contínuo de comunicação e integração” (CERVENY & BERTHOUD, 2002, p.17).

Em outro estudo anterior ao mencionadado, as mesmas autoras buscaram identificar o perfil da família paulista com base no conhecimento do ciclo vital da família sobre a temática do ninho vazio. Como resultado obtiveram que a referida população não vivenciava a síndrome do ninho vazio, e que eram muito produtivas e colaboradoras com os filhos num sistema de troca constante, concluindo que durante muito tempo pesquisas sobre ciclo vital e família baseadas nas obras de Carter e McGodrick e na família norte-americana não consideravam a realidade dos valores específicos do contexto de tais famílias, demonstrando que os especialistas em família ainda se baseavam muito naquela literatura. Compreenderam que é importante considerar a família como um sistema ativo em constante transformação, uma unidade que assegura a diferenciação de seus membros (CERVENY & BERTHOUD, 1997).

Em pesquisa realizada por Creutzberg & Santos (2000), os participantes do estudo percebem a família como o centro da vida e, segundo as autoras, sempre vinculada à função de proteção e cuidado. Segundo elas, é necessário rever os nossos valores conceituais quanto a sua estrutura e organização passados historicamente através dos modelos instituídos nas diversas áreas do conhecimento; enfatizam que devemos enxergar as famílias como elas são.

Perceber as famílias como elas são e não como desejamos que elas sejam tem sido o desafio enfrentado para discorrer sobre esse tema. No entanto, muitos autores vêm até o momento colaborando com este estudo, que é corroborado por Mello (1995, p. 57), ao considerar que devemos enxergar a família longe “da rigidez das fórmulas e sem olhos preconceituosos”, ou seja, “como elas são, e não como deveriam ser, segundo modelos que são abstratos, pois são históricos e presos às diferentes perspectivas das classes sociais”.

Finalmente, considero importante acrescentar a maneira de Osório colocar-se perante a evolução e a compreensão da família, dizendo que devemos considerar que “o universo familiar é uma realidade vivencial compartilhada por todos em relações de reciprocidade e mutualidade” e que a “instituição familiar tende a evoluir para níveis mais satisfatórios de interação entre seus membros e uma maior aproximação de sua destinação à medida que gradativamente abrimos mão do primado da posse e do domínio de uns sobre os outros no contexto familiar” (OSÓRIO, 2002, p. 22).