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Olhar a família sob a lente da complexidade, da instabilidade e da

A concepção apresentada por Vasconcellos (2002) contrapõe-se à visão linear de ciência que “criou” uma armadilha ao separar as ciências físicas das humanas, das sociais, de separar a física da química, da psicologia, da sociologia, da biologia e daí

por diante, ou seja, estabeleceu uma desintegração dos saberes que fragmentou por muito tempo, e ainda fragmenta, a visão de mundo e de tudo que existe nele.

O pensamento sistêmico surge então como uma linguagem comum que permite a transdisciplinaridade, razão pela qual pode ser apresentado como o novo paradigma da ciência, que sai da simplicidade para ampliar o seu foco de observação, atingindo assim a complexidade; sai da estabilidade para a instabilidade e sai da objetividade para a intersubjetividade (VASCONCELLOS, 2002).

É difícil aplicar os pressupostos simplicidade, estabilidade e objetividade às ciências humanas, uma vez que nestas permeia toda uma complexidade do existir, suas relações são mediadas por transações mútuas de reciprocidade plenas de instabilidade, imprevisibilidade e incontrolabilidade do sistema. Ainda estará atuando nesse espaço a intersubjetividade.

A complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade são dimensões interdependentes entre si, ampliando a possibilidade de compreensão dos sistemas individual, familiar e supra-sistemas – a rede social.

• Olhar a família através das lentes da complexidade é enxergá-la enquanto estrutura organizacional, de interação e relacionamento entre seus membros, num dado momento contextual e atual, considerando as relações intra-sistêmicas através das quais se poderá ver uma teia de fenômenos recursivamente interligados.

• Olhar a família através das lentes da instabilidade é enxergá-la em processo de vir a ser ou tornar-se, pois é dinâmica e não estática, o que pressupõe que está em constante mudança para a “estabilidade”, está aberta ao fluxo de entrada e saída de energia com o ambiente, interagindo com ele e garantindo o funcionamento do todo familiar pelo mecanismo de circulação da informação entre os vários sistemas.

• Olhar a família através das lentes da intersubjetividade é enxergá-la fazendo parte do contexto. É criar espaços consensuais, não de verdades pré-estabelecidas, mas um espaço de consenso estabelecido em relação aos diversos domínios de experiências – morais, sociais, religiosos, éticos e outros.

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A família é uma das grandes manifestações da complexidade humana, e a teoria sistêmica procura avançar na direção dessa complexidade. Edgar Morin (1991) diz que a complexidade é uma palavra problema e não uma palavra solução. A complexidade mostra-se exatamente onde o pensamento da simplicidade falha, pois este desintegra a complexidade do real. A complexidade, por sua vez, integra tudo o que tem ordem, distinção, precisão no conhecimento, integra o mais possível os modos simplificadores de pensar, mas recusa as conseqüências mutiladoras, redutoras, unidirecionais e, finalmente, ilusórias de uma simplificação do real na realidade.

O pensamento complexo aspira ao conhecimento multidimensional, mas o conhecimento completo é impossível. Morin (1991) destaca a “inteligência cega” como aquela que destrói os conjuntos e as totalidades, isolando todos os objetos em sua volta sem perceber o elo inseparável entre o observador e a coisa observada. A complexidade é o conjunto de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo. A complexidade enlaça os aspectos da instabilidade e da intersubjetividade.

CAPÍTULO 4

O PERCURSO TOMADO PARA DESVELAR/COMPREENDER A FAMÍLIA

[…] nosso ponto de vista é o resultado de um acoplamento estrutural, tão válido quando o de nosso oponente,

mesmo que o dele nos pareça menos desejável.

(Maturana & Varela, 2001, p. 268)

A opção metodológica deste estudo foi determinada pela questão norteadora da pesquisa “como se desvela a dinâmica de relações familiares no convívio com o idoso

portador de diabetes mellitus tipo 2?”. É, assim, uma abordagem metodológica que

pudesse contemplar o indivíduo e a família de forma sistêmica com perspectiva particular de desvelar o fenômeno e melhor compreendê-lo (MORSE, 1994). E, desse modo, buscar percorrer um maior “raio de visão” que contemplasse o todo e as partes do sistema familiar.

Fui buscar nas ciências humanas um referencial que respondesse a essa intenção, pois a família, enquanto unidade, é considerada como um sistema em interação que se desenvolve no sentido da evolução e da complexificação (RELVAS, 1996).

Na minha prática com familiares e pessoas idosas portadoras de Diabetes Mellitus tipo 2 observo que as relações entre eles constituíam-se num cuidado que implicava desenvolvimento afetivo, em que no contexto familiar engendrava uma relação intersubjetiva, a qual interferia de modo significativo no desenvolvimento do processo saúde-doença nas dimensões biopsicossociocultural-meio-ecológico e espiritual da família.

Tal observação me motivou a compreender como se dava o sistema de inter- relações familiares em seu processo de viver humano, numa visão que não fosse a das partes separadamente e sim do todo, focalizada nas conexões e nas relações familiares, mais do que nas características individuais do idoso portador de Diabetes Mellitus.

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Por isso, é indispensável abordar a família como um sistema que, segundo Elsen (2002, p. 12), é

um sistema de saúde para seus membros, sistema este do qual faz parte um modelo explicativo de saúde-doença, ou seja, conjunto de valores, crenças, conhecimentos e práticas que guiam as ações de seus membros, na prevenção e no tratamento da doença (ELSEN, MARCON & SILVA, 2002).

Ainda, e sobretudo porque a compreensão de sistema ultrapassa o olhar de partes isoladamente para conceber o todo e as partes simultaneamente na organização da unidade familiar, uma unidade resultante das partes em inter-relação mútua, numa totalidade organizada, feita de elementos solidários (BERTALANFFY, 1968; VASCONCELLOS, 2002; MORIN, 1977).