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O diabetes mellitus tipo 2 Perscrutando a doença e o panorama atual

Diagrama 8: Ramificação da oitava categoria

2.1 O diabetes mellitus tipo 2 Perscrutando a doença e o panorama atual

Comumente denominado “diabetes” e descrito pela primeira vez no século II, o Diabetes Mellitus-DM só começou, de fato, a ser desvendado no início do século XX. Trata-se de uma “doença crônica causada pela deficiência do pâncreas na produção de insulina, ou por incapacidade da insulina de exercer adequadamente suas funções” (OPAS, 2003, p. 46).

Com a mudança demográfica, a prevalência do diabetes parece relacionada com o aumento da idade, sendo maior em homens do que em mulheres e aumentando mais ainda a partir dos 65 anos. A estimativa da doença no mundo é, segundo Wild, ultrapassar os 2,8% existentes em 2000 para 4,4% em 2030. Em 2030 estima-se que o número de pessoas com diabetes acima de 64 anos de idade será superior a 82 milhões em países em desenvolvimento e superior a 48 milhões em países desenvolvidos (WILD, at. al., 2004).

Esse estudo de Wild vem agravar ainda mais as previsões desenvolvidas em 1998 por King, Aubert e Herman sobre a prevalência de diabetes no mundo até 2025: seus achados mostraram que, a manter-se a tendência, haverá 72 milhões de casos nos países em desenvolvimento, ou seja, mais de 75% das pessoas com diabetes residirão em países em desenvolvimento, mas no que se refere à idade as previsões mantêm-se inalteradas, mantendo-se o maior risco a partir dos 65 anos de idade (KING, AUBERT & HERMAN, 1998)

Como enfatizam Caruso e Sillivan, o número absoluto de idosos com diabetes vai continuar aumentando por duas razões: (a) a taxa de diabetes diagnosticada em pessoas de 65 a 74 anos de idade e de mais de 75 anos aumentou cerca de 2,5 vezes nos últimos 30 anos, e (b) o número de pessoas idosas em risco está crescendo (CARUSO & SILLIVAN, In REICHEL, 2001).

O exemplo dessa constatação aparece nos resultados da campanha nacional instituída pelo Ministério da Saúde – Brasil, em 2001, para detectar a doença diabetes mellitus na população brasileira, que encontrou 14,66% de casos identificados em cerca de 2,9 milhões de indivíduos suspeitos. Convém salientar que tal medida focalizou a população acima dos 40 anos.

A continuidade de levantamento diagnóstico através de campanhas periodicamente contribuirá para redimensionar as Políticas Públicas de Saúde e para redesenhar a Política de Atenção ao Idoso, o que reforça a preocupação com o cuidado ao idoso diabético e com a relação familiar no domicílio.

No Brasil, a prevalência do diabetes na população urbana é de 7,6%, semelhante à de países desenvolvidos (MINISTÉRIO SAÚDE, 2000). Os custos da assistência médica são altos, e a maior parte dessa despesa é com internações para tratar complicações cardiovasculares decorrentes da doença, as quais são a quarta causa de hospitalização em nosso país.

No lançamento mundial da segunda edição do Diabetes Atlas em Paris, a International Diabetes Federation – IDF (2004) alerta a comunidade científica e em geral sobre o impacto do diabetes no mundo, destacando a progressão da doença revelada nas pesquisas como as citadas aqui, segundo as quais em 2025 haverá cerca de 472 milhões de pessoas com risco de desenvolver diabetes, dado superior ao apresentado pela OMS (2003) que estima para o mesmo período 300 milhões de portadores de diabetes mellitus.

No Brasil, pesquisa realizada em 27 Estados pelo Ministério da Saúde (2004), no período de 01/1999 a 05/2004, revela a existência oficial de 388.729 brasileiros com diabetes tipo 2, dos quais 16.089 na Bahia, colocando-a em sétimo lugar entre os Estados. O mais inquietante é que a doença tende a ser diagnosticada por “acaso”, geralmente em atendimentos emergenciais e quase sempre tardiamente, num período estimado de cerca de sete a doze anos e quase sempre em pessoas com mais de quarenta anos.

Reichel (2001) refere que a expectativa de vida do idoso portador do diabetes é menor do que a dos não-diabéticos, e que há muitas razões para a hiperglicemia no envelhecimento, como: resistência à insulina comprometida, transporte de glicose diminuído, comprometimento da inibição de liberação de glicose hepática e disponibilidade alterada de glicose. O autor destaca aindaque “muito da hiperglicemia no idoso pode ser associado com fatores tais como a obesidade e o estilo de vida sedentário, em vez do envelhecimento per se” (REICHEL, 2001, p. 372).

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crônicas, por outro, a família pode mostrar-se como o centro do qual emanam cuidados de prevenção, promoção e reabilitação da saúde de seu membro idoso. Vários são os aspectos tratados na ampla literatura de enfermagem sobre o papel da família. Elsen considera

[…] a família um sistema de saúde para seus membros, sistema este do qual fazem parte um modelo explicativo de saúde-doença, ou seja, um conjunto de valores, crenças, conhecimentos e práticas que guiam as ações da família na promoção de saúde de seus membros, na prevenção e no tratamento da doença. Este sistema inclui ainda um processo de cuidar no qual a família supervisiona o estado de saúde de seus membros, toma decisões quanto aos caminhos que deve seguir nos casos de queixas e de sinais de mal-estar, acompanha e avalia constantemente a saúde e a doença de seus integrantes pedindo auxílio a seus significantes e/ou profissionais [...](In ELSEN, MARCON & SILVA, 2002, p.12)

Na esteira do raciocínio de Elsen, alguns aspectos merecem destaque para compreender características de sinais e sintomas manifestos da doença no idoso portador do diabetes para que não sejam confundidos com os de outras enfermidades. Reichel (2001) faz as seguintes referências: a poliúria no idoso leva a pensar mais freqüentemente em doença prostática do que em diabetes, e na mulher idosa uma infecção das vias urinárias é mais comumente cogitada do que o diabetes.

A anorexia do envelhecimento pode mascarar qualquer polifagia. O mal-estar devido ao diabetes pode resultar em anorexia e perda de peso. A polifagia em idosos pode ser bem-vinda, pois a hipodipsia do envelhecimento, com a sua incapacidade de sentir sede, torna a desidratação provável; a deficiência cognitiva pode resultar da hiperglicemia, e a memória pode melhorar com o controle glicêmico.

Incontinência urinária, confusão mental, perda de peso e quedas são achados que levam à suspeita imediata do Diabetes. Síndromes especiais no caso do idoso consistem em caquexia diabética (anorexia, miopatia dolorosa, perda de peso e depressão) e amiotrofia (perda de massa e fraqueza da musculatura da cintura pélvica e dos músculos da coxa são diagnósticos de exclusão, mas devem ser considerados no idoso diabético).

do idoso e sobrecarregar a família no processo dinâmico de relações intergeracionais, destaca-se a necessidade de maior controle do diabetes. É preciso perceber o processo do envelhecimento, inicialmente sob uma visão teórica, aspecto no qual me refiro às teorias gerais do envelhecimento, embora conscientes de que, nas palavras de Berger & Mailloux-Poirier (1995, p.102), “estamos longe de compreender com precisão os múltiplos fatores e processos de deterioração implicados no fenômeno multidimensional do envelhecimento”.

O destino biológico nos conduz inexoravelmente à velhice, mas o caminho percorrido varia segundo o contexto social (FERRARI, 1999). O fenômeno biológico ocorre em diferentes ritmos de envelhecimento: há mudanças normais associadas à velhice e outras que devem ser distinguidas como processos patológicos, devendo ser considerada a polipatologia que acompanha o idoso portador de uma doença crônica.

Fisiologicamente, a doença caracteriza-se por um dos três efeitos: menor utilização de glicose pelas células corporais e conseqüente aumento de concentração de glicose sangüínea para 300 a 1200 mg/dl; aumento acentuado da mobilidade de gordura das áreas de armazenamento, produzindo metabolismo lipídico anormal e depósito de lipídio nas paredes vasculares, levando à arteriosclerose e depleção de proteínas corporais.

Quando a quantidade de glicose que chega aos túbulos renais com o filtrado glomerular se eleva em demasia, uma proporção significativa de glicose começa a aparecer na urina, causando diurese, que significa perda de quantidade excessiva de água pela urina, levando consigo NaCl e K+ em virtude do efeito osmótico da glicose nos túbulos, impedindo a reabsorção tubular de água. Em conseqüência, uma das características mais importantes do diabetes é a tendência ao surgimento de desidratação, como mencionado anteriormente, quase sempre associada ao colapso circulatório. Outra complicação comum do diabetes é a acidose, alternância entre o metabolismo de carboidratos e de gorduras. Quando o corpo depende quase totalmente de gordura para fins energéticos, o nível de ácido acetoacético nos líquidos corporais pode levar ao coma e à morte.

O desencadeamento da doença é exacerbado no idoso mesmo considerando o processo de envelhecimento normal, uma vez que seu corpo está passando pelas

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alterações próprias da senescência. E como recomenda Souza (2000, p.31),

[...] é de fundamental importância que o profissional interessado nesta área esteja atualizado nas peculiaridades anatômicas e funcionais do envelhecimento, sabendo discernir com máxima precisão os efeitos naturais deste processo (senescência) das alterações produzidas pelas inúmeras afecções que podem acontecer ao idoso (senilidade).

Para tanto, Souza (2000) enfatiza que aguçar tal precisão é buscar evitar que alterações encontradas no idoso possam ser erroneamente atribuídas ao seu envelhecimento normal, o que impediria a detecção de processos patológicos passíveis de tratamento ou mesmo cura, e também que sinais e sintomas explicados pela senescência sejam equivocadamente atribuídos a doenças, impedindo que o próprio envelhecimento seja tratado como doença.

Essa abordagem deve servir de alerta para que profissionais do cuidado se dispam de significados impregnados em sua cultura, que colocam o processo de envelhecimento lado a lado com o desenvolvimento de doenças que se caracterizam exclusivamente por perdas e incapacidades. Chama atenção também para o fato de que é preciso encarar a velhice como uma área de conhecimento sempre a ser (re)descoberta diante dos freqüentes avanços científicos. Apesar desses avanços, epidemiologicamente o número de pessoas idosas com diabetes vai continuar a crescer, podendo, em futuro próximo, aumentar a demanda nos serviços públicos de saúde. E para supri-la, é necessário implementar redes de relacionamento informal entre membros da família, amigos e vizinhos, posição também proposta e defendida pela 25ª Conferência Sanitária Americana (1998), pois no processo de envelhecimento é preciso perceber os aspectos da cronicidade do ponto de vista psicológico, cultural e sociológico, além das modalidades de adaptação do idoso e da família num contexto social de dinâmicas de relações de convívio intergeracional.

Evidencia-se, então, o papel da família e suas responsabilidades na condução dos relacionamentos no âmbito domiciliar, cabendo-lhe a continuidade dos cuidados a seus idosos, assumindo efetivamente seu papel de co-participante do processo de cuidar, pois os aspectos e desafios clínicos para o cuidado do idoso, como evitar os

sintomas e as complicações da hiperglicemia e da hipoglicemia e minimizar ou retardar as complicações micro e macrovasculares (CARUSO & SILLIVAN, 2000) dependem sobremaneira da capacidade da família para readaptar-se às novas necessidades com vistas a promover o bem-estar da pessoa idosa e da família como um todo.

A esse respeito, o Relatório Mundial sobre Cuidados Inovadores para Condições Crônicas (2003) faz as seguintes referências no item: “Pacientes e famílias preparados, informados e motivados”, destacando inicialmente que “os pacientes e as famílias compõem um terço da tríade, para controlar e prevenir as condições crônicas”. E que eles precisam estar:

[...] informados sobre as condições crônicas, incluindo seu ciclo, as complicações esperadas e as estratégias eficazes para prevenir as complicações e administrar os sintomas, [...] motivados para mudar seus comportamentos e manter estilos de vida saudável, aderir a tratamentos de longo-prazo e autogerenciar suas condições crônicas, [...] preparados com habilidades comportamentais para administrar suas condições crônicas em casa. Isso inclui a disponibilidade de medicamentos e equipamentos médicos, instrumentos de automonitoramento e habilidades de autogerenciamento (OMS, 2003, p.50).

O Relatório da OMS (2003) relata a partir de um estudo radonizado que o autogerenciamento do diabetes representa um grande desafio, por envolver mudanças comportamentais do portador para integrar as suas necessidades diárias de cuidados, como autogerenciamento dos níveis de glicose no sangue, aderência ao tratamento e adaptações ao medicamento, verificações regulares para detectar problemas com os pés, dietas alimentares e atividades físicas. Enfatiza que, no caso específico do diabetes, o portador da doença e a família são responsáveis por mais de 95% do tratamento. Identificaram que as intervenções comportamentais foram eficazes em vários marcadores biológicos para diabetes. Obtiveram redução nos níveis de hemoglobina glicosada, na taxa de gordura e na ingestão geral de calorias, no peso e nos vários níveis de glicose no sangue, e também melhora na pressão sanguínea.

Tais estudos contribuem para mudar o paradigma sobre o Diabetes Mellitus e seu portador e valorizar a família como unidade dinâmica de relações entre seus membros.

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Em tal sentido, convém destacar a ampla revisão de literatura realizada por Silva (2001) sobre estudos que abordam a temática Diabetes Mellitus, concluindo que os avanços ainda são tímidos, e a maioria, na área de Enfermagem, se inclinam para o aspecto educativo do seu portador. Na revisão não aparecem estudos sobre dinâmica de relações familiares intergeracionais e transgeracionais e o Diabetes Mellitus. Silva destaca ter dirigido o seu olhar para a compreensão do processo de viver do diabético com a doença, não se preocupando somente com suas causas e conseqüências.

Para tanto, a família é uma unidade dinâmica de relações entre seus membros envolvidos em um contexto de complexidade, intersubjetividade e singularidade que pressupõe alguma reciprocidade, com responsabilidades recíprocas num determinado contexto domiciliar. E em tal sentido, Ângelo (in, DUARTE, 2000, p. 27) diz que:

No contexto do atendimento domiciliário, tomar a família como perspectiva significa, sobretudo considerar o seu grande potencial como aliada na manutenção e na restauração da saúde de seus membros, mas também que este potencial é determinado pelas suas percepções das experiências que vivenciam, que por sua vez influenciam suas ações no manejo destas mesmas experiências. Este processo confere a família um papel ativo na vivência do cuidado da saúde de seus membros, e não o de depositária passiva das ordens profissionais.

Neste momento, pretendo percorrer outros caminhos e avançar no tema, buscando compreender a dinâmica das relações familiares e intergeracionais envolvendo o idoso portador de Diabetes Mellitus tipo 2 no convívio familiar em seu domicílio, buscando compartilhar as eventuais descobertas com a comunidade científica em geral, pois é no contexto domiciliar que se dão as relações de cuidado, como registra a ampla literatura nacional e internacional, inclusive porque é a família que provê de 80 a 90% dos cuidados necessários a seus membros idosos (ÂNGELO apud DUARTE, 2000).