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Capítulo IV – A Quarta Fase das Licitações Públicas no Brasil? Entre tensões e ajustes

2. Reformas legislativas no regime jurídico das contratações públicas em geral

2.2. Panorama das reformas legislativas da Lei nº 8.666/93

2.2.2. Obstáculos às reformas: os vetos presidenciais

2.2.2.2. Demais vetos

Selecionei, dentre as 13 alterações legislativas restantes – ou seja, que não procuraram reinserir dispositivos banidos da redação original da Lei nº 8.666/93 –, três casos específicos, seja por tratarem de temas relevantes, seja por conterem elementos importantes para se compreender melhor o modelo jurídico que permeia a Lei Geral de Licitações e Contratos.

O primeiro deles diz respeito à definição, pela Lei nº 8.666/93, do conceito de participação indireta para os fins da licitação. Confira-se o dispositivo sobre o tema:

“Art. 9º. Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários: (...)

§ 3º Considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários”.

A Lei nº 8.883/94 objetivou modificá-lo, acrescentando à parte final do § 3º do art. 9º da Lei nº 8.666/93 a seguinte condicionante: “quando houver ingerência, subordinação ou dependência de natureza técnica, administrativa ou econômica de um em relação ao outro, de modo a comprometer o princípio de igualdade que rege o procedimento licitatório”. Nota-se que evidentemente se procurou flexibilizar restrições legais de modo a diminuir, ao menos a priori, o rol daqueles que não poderiam participar da licitação em função de ligações entre o autor do projeto (básico ou executivo) e o licitante.

O Presidente da República, no veto a esse dispositivo, alegou que estaria sendo acrescido à Lei nº 8.666/93 “condição eminentemente subjetiva, capaz de gerar perplexidade na aplicação da lei e prejudicar o desenvolvimento dos processos licitatórios”. Dito de outro modo, estar-se-ia tornando a lei menos objetiva, concedendo, reflexamente, mais discricionariedade à administração pública para se verificar concretamente a ocorrência da chamada participação indireta.

A segunda tentativa de alteração da Lei nº 8.666/93 que gostaria de destacar refere-se aos critérios de julgamentos a serem aplicados às contratações de serviços técnicos especializados em que não incidisse uma das hipóteses de inexigibilidade de licitação. Veja-se o dispositivo pertinente da Lei nº 8.666/93:

Lei nº 8.666/93 “Art. 13. (...)

§ 1º Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração.”

A modificação que se pretendia fazer por meio da Lei nº 8.883/94 consistia em substituir a parte final do dispositivo transcrito – “com estipulação prévia do prêmio ou remuneração” – por “ou mediante licitação dos tipos melhor técnica ou técnica e preço”. O objetivo era dar maior flexibilidade à administração para selecionar os prestadores de serviços técnico profissionais.

O veto presidencial, em suas razões, sustentou que a Lei nº 8.666/93 claramente definiu como critério de julgamento prevalecente para as licitações o menor preço, o qual somente poderia ser afastado quando tecnicamente recomendado – é o caso, por exemplo, da aquisição de bens de informática. Além disso, afirmou que, para contratações de serviços técnico profissionais especializados, deveriam ser utilizados os critérios de julgamento fixados na redação original da Lei Geral de Licitações e Contratos, por serem mais transparentes. Afinal, as contratações por técnica ou técnica e preço envolveriam a aplicação de critérios eminentemente subjetivos, “permeáveis a toda sorte de direcionamentos, o que recomenda extrema cautela na sua adoção”. Por fim, de forma genérica, considerou haver um suposto risco de dano ao erário público.

Observa-se que em ambos os casos expostos acima há o receio de que a administração goze de qualquer tipo de liberdade para decidir, nos casos concretos, a melhor forma de licitar. Esta visão de mundo tem como ideal o gestor boca da lei, cuja única competência seria aplicar as normas ao caso concreto, tendo pouca ou nenhuma margem para interferir no processo de seleção dos licitantes. Dessa forma, por cautela e por receio de dar azo a casos de corrupção, o melhor seria amarrar a administração pública, não se atentando para os desdobramentos desta decisão para a qualidade da gestão pública265.

O último dos casos a que gostaria de fazer referência diz respeito à tentativa, por parte da Lei nº 8.883/94, de inserir no rol dos serviços técnico profissionais especializados os de publicidade e divulgação. O objetivo, sem sombra de dúvidas, era diminuir o grau de abrangência do dever de licitar, com isso permitindo que estes serviços fossem contratados diretamente pela administração pública, por inexigibilidade de licitação266. Confira-se o conteúdo da alteração legislativa:

265

É preciso deixar claro que, nestes casos, não estou defendendo ou rechaçando a postura do Executivo ao vetar os dispositivos da Lei nº 8.666/93. Apenas procuro compreender a racionalidade que subjaz aos vetos.

266

É o que autoriza a Lei nº 8.666/93: “Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (…) II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular,

Lei nº 8.666/93

“Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a: (...)

VIII – publicidade e divulgação”

O Presidente da República, na justificativa do veto, em uma tentativa de descaracterizar os serviços de publicidade e divulgação como sendo técnicos profissionais especializados, alegou que o art. 13 da Lei nº 8.666/93 elencou serviços de natureza “eminentemente intelectual, em cuja contratação, mercê do elevadíssimo grau de especialização da pessoa a ser contratada, se torna de fato inviável a competição, justificando-se, assim, a inexigibilidade da licitação. Trata-se, em outras palavras, de contratações realizadas intuitu personae, onde o que releva são as condições personalíssimas do contrato, o que não ocorre, é forçoso convir, com os serviços de divulgação, realizados por empresas integrantes de mercado nitidamente competitivo, onde sempre é possível licitar, barateando, desse modo, os custos da Administração”.

A postura adotada neste caso coaduna-se com o espírito da Lei nº 8.666/93, ou seja, de ampliar o grau de abrangência do dever de licitar, acreditando-se que, por meio da licitação – e, consequentemente, da competição – a administração pública poderia realizar o negócio mais vantajoso possível que, no ponto de vista acima expressado, seria, necessariamente, o mais barato.