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2 GESTÃO, DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO – PRINCÍPIOS

2.1 Considerações iniciais – Teoria e Prática, Relações

2.1.1 Democracia

No contexto de uma gestão democrática, cabe inicialmente situar o marco referencial de democracia, ou seja, aquele que se perfaz, ou pelo menos se persegue, dentro de uma realidade social dinâmica.

Vieira (2001), ao conceituar democracia destaca que,

[...] a democracia não constitui um estágio, ela constitui um processo. O processo pelo qual a soberania popular vai controlando e aumentando os direitos e os deveres é um processo prolongado, implicando avanço muito grande dentro da sociedade. Quanto mais coletiva é a decisão, mais democrática ela é. Qualquer conceito de democracia, aliás, há vários deles, importa em grau crescente de coletivização das decisões. Quanto mais o interesse geral envolve um conjunto de decisões, mais democráticas elas são (VIEIRA, 2001, p.14).

O autor percebe este conceito como um processo em constante evolução, relacionando seu avanço ao movimento de coletivização das decisões. Reis (1995) ao discutir esse mesmo conceito destaca sua correlação operacional com a ação do Estado,

[...] a democracia envolve, antes, por definição, a problematização do processo de fixação dos fins da ação do Estado, com o reconhecimento de que há fins diversos e às vezes divergentes ou mesmo conflitantes (em correspondência com a multiplicidade dos interesses de que são portadores os diferentes grupos e categorias da sociedade) e de que é preciso tratar de agregar fins múltiplos, se possível compatibilizá-los por meio de negociações, definir prioridades com recurso a procedimentos que venham a ser percebidos como legítimos etc. (REIS, 1995, p. 126).

O autor referenda, assim, a democracia, sob a ótica operacional pública, como um processo concreto que tem como princípio fundamental organizar ações a partir de prioridades legítimas. Ocorre que a legitimidade, de acordo com o exposto, está agregada à ideia de finalidade, dos múltiplos fins a que se destina. Rawls9(1993) apud Avritzer (2000), ao discutir a temática alista os fins,os quais convencionou chamar de razões e, destaca ainda, a diferença entre as razões efetivamente públicas e as razões que, mesmo existindo em razão de grupos ou segmentos específicos, não seriam assim consideradas razões públicas.

Nem todas as razões são públicas uma vez que existem as razões não públicas das igrejas, das universidades e das muitas associações da sociedade civil... A razão pública é uma característica de uma população democrática: é a razão dos seus cidadãos, daqueles que partilham o status igual da cidadania. O objeto (subject) da sua razão é o bem público, aquilo que uma concepção política de justiça requer das estruturas básicas das instituições, dos fins e das causas que essas devem servir (RAWLS, 1993, p. 213).

O reconhecimento que mesmo razões coletivas não são necessariamente razões democráticas, de que não existe uma relação cartesiana entre interesses coletivos de grupos – mesmo os de associações civis – e legitimidade democrática, reforça a necessidade de se perceber a democracia nos espaços institucionais públicos sob o prisma operacional, como processo dialógico claro e objetivo.

Bobbio (2000) ao discutir o conceito de democracia, a situa como “um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (BOBBIO, 2000, p. 22), e destaca ainda que só é efetiva a participação, quando aqueles que são chamados a participar são colocados em condições adequadas para tal, ou seja, o processo deve existir de maneira em que as pessoas participem percebendo seus espaços de atuação, de manifestação, tendo em vista que estamos tratando a democracia como processo operacional que persegue a justiça através da consecução de direitos, através dos resultados que essa participação resulta.

Não se trata aqui do estabelecimento de espaços de poder e limitação institucional, mas sim de construção coletiva de processos operacionais que garantam a efetivação de interesses ou razões públicas legítimas e significativas no universo da gestão pública, é a participação instrumentalizada marcada pelo que Melucci (1996) definiu como caráter interativo. Seriam os espaços onde as coletividades ganham significado, o autor destaca que a construção coletiva é o meio “através do qual diferentes indivíduos ou grupos definem o significado de suas ações” (MELUCCI, 199610, p. 67 apud AVRITZER, 2000, p. 26). Ainda sobre essa

relação, Souza (2009) recorre a Bobbio e Arendt e destaca que o poder nesse

10MELUCCI, A. (1996). Challenging Codes: Collective Action in the Information Age. Cambridge University Press.

contexto “assemelha-se mais ao poder decorrente da capacidade humana de agir em conjunto com outros, construindo uma vontade comum.”.

Cohen (1997) apud Avritzer (2000) contribui para a discussão quando agrega a ela a importância entre democracia e resultados. O autor destaca que os membros de uma associação democrática “[...] preferem instituições nas quais a conexão entre a democracia e os seus resultados são mais evidentes [...]” (COHEN, 199711,

p. 73 apud AVRITZER, 2000, p. 41), ou seja, a relação democrática tem que ser não somente concreta e factível, mas trazer resultados diretos sobre o processo, tem que ser de possível operacionalização de modo a alcançar, efetivamente, os objetivos sobre as quais está fundada.

A relação existente entre os princípios democráticos gerais e as práticas próprias da gestão democrática e participativa, sobretudo no que tange a sua efetivação no espaço da educação pública, aqui considerada tanto as estruturas sistêmicas quanto as unidades escolares e, tendo por foco, a vontade pública é explicada abaixo conforme pontua a figura 15;

11COHEN, J. (1997). "Procedure and substance in deliberative democracy", in J. Bohman and W. Rehg (ed).Deliberative Democracy. Cambridge, MIT Press.

Figura 15 - Princípios Democráticos e Gestão Escolar Pública Fonte: Elaborada pelo Autor

Reside assim o desafio de propor um modelo de gestão que concilie o ideal democrático definido nas Políticas Públicas de Gestão Escolar com os princípios de Administração Pública, sobretudo os da transparência, legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, eficiência, celeridade, participação, proteção da confiança legítima e interesse público, na busca pela justiça através da plena consecução das razões públicas, isto é, estabelecer uma proposta de gerir a escola de maneira democrática, com vez e voz a todos os envolvidos, com organização de processos operacionais (POPs12) que busquem equilíbrio nas decisões e combatendo práticas

12Em inglês, Standard Operating Procedure, foi conceituado por Colenghi-1997, como a descrição detalhada de todas as operações necessárias para a realização de um determinado procedimento [...]. Têm uma importância capital dentro de qualquer processo funcional, cujo objetivo básico é o de garantir, mediante uma padronização, os resultados esperados por cada tarefa executada. [...] É uma ferramenta dinâmica, passível de evolução que busca profundas transformações culturais na instituição, nos aspectos técnico e político-institucionais. Fonte:http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_22206/artigo_sobre_procedimento_operacional_p adr%C3%83o

autoritárias muito comuns nestes espaços sem, no entanto, engessar o processo ao ponto de ser necessária uma assembleia para a compra de uma lâmpada por exemplo.

Desta feita, elegemos como princípio de trabalho a transposição do ideal democrático participativo, com a previsão de participação através do exercício pessoal de cidadania nos atos de governo (CARVALHO, 2002, p.109) – entendendo aqui governo como a ação institucional pública personificada na gestão da escola – e observando equilíbrio das ações com inspiração no princípio de freios e contrapesos estabelecido entre os poderes.

O objetivo é transpor, de maneira operacional clara e factível, para o microuniverso gerencial público que é a escola, os princípios democráticos sobre os quais repousam as Políticas Públicas de Gestão Democrática, corrigindo assim os vícios gestores que prejudicam o processo e terminam por incidir na sua descontinuidade.