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2 GESTÃO, DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO – PRINCÍPIOS

2.1 Considerações iniciais – Teoria e Prática, Relações

2.1.3 Gestão – Que conceito é esse?

O conceito de gestão tem cada vez mais ganhado espaço no contexto brasileiro. Tanto em lugares teoricamente próprios, aqueles afetos ao ideário empresarial, quanto em releituras ampliadas, englobando aspectos outros que vão desde espaços dentro das organizações, até a inclusão de novas organizações, como no caso específico da gestão do universo escolar.

Discutir essa questão exige compreender, de uma maneira geral, quais bases sustentam esse conceito. Sobre o mesmo Ferreira (2004) destaca que gestão “significa tomada de decisões, organização, direção. Relaciona-se com a atividade de impulsionar uma organização a atingir seus objetivos, cumprir suas responsabilidades”. A autora continua a discussão a partir dos trabalhos de Cury14

(2002) e há relação direta com os processos de tomada de decisão,

[...] à compreensão de gestão como tomada de decisões vale acrescer a contribuição de Cury (2002), quando salienta que este termo também provém do verbo latino gero, gessi, gestum, gerere, que significa: levar sobre si, chamar a si, exercer, gerar. Assim como em um dos substantivos derivados deste verbo, gestatio, ou seja, gestação, percebe-se o ato pelo qual se traz em si e dentro de si algo novo, diferente: um novo ente. “Da mesma raiz provêm os termos genitora, genitor, germen. A gestão, neste sentido, é, por analogia, uma geração similar àquela pela qual a mulher se faz mãe ao dar a luz a uma pessoa humana (FERREIRA, 2004, p. 1242).

Tendo por referencial o conceito de gestão sob a ótica dos processos decisórios, acrescentamos à discussão os aspectos postos pelo Ministério da Saúde no redesenho de sua sistemática, na qual a gestão é vista como ação humana intencional,

[...] a gestão é um campo de ação humana que visa à coordenação, articulação e interação de recursos e trabalho humano para a obtenção de fins/metas/objetivos. Trata-se, portanto, de um campo de ação que tem por objeto o trabalho humano que, disposto sob o tempo e guiado por finalidades, deveria realizar tanto a missão das organizações como os interesses dos trabalhadores. (BRASIL, 2009, p. 14).

14CURY, C.R.J. Gestão democrática da educação: exigências e desafios. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, São Bernardo do Campo, v. 18, n. 2, jul./dez. 2002

Ainda focada nas relações estabelecidas entre as finalidades organizacionais e a operacionalização do processo como um todo, destaca-se a ideia da gestão como procedimento necessário,

[...] a gestão se faz necessária, entre outros, por não haver previamente coincidência entre as finalidades da organização e interesses e desejos dos trabalhadores. Uma das tarefas da gestão é, portanto, construir coincidências entre os interesses e necessidades dos trabalhadores, a disposição de meios e os fins da organização. Não sendo necessária nem previamente estas coincidências, a gestão tem por objeto os conflitos derivados desta discrepância. Assim, a gestão toma por objeto o trabalho humano e lida com uma multiplicidade e diversidade de interesses que nele se atravessam. (BRASIL, 2009, p. 14).

Por fim o estudo destaca a necessidade de não entender as relações postas de um modo ideal, em que não residem conflitos entre interesses individuais e organizacionais, evitando assim encarar de modo simplista e ingênuo uma relação complexa margeada por conflitos de interesse e poder,

[...] o trabalho humano é composto por contradições, apresentando- se, ao mesmo tempo, como espaço de criação e de repetição; espaço de exercício da vontade e ação pelo constrangimento de outrem; trabalho para si e trabalho demandado do outro, encarnado em sujeitos e coletivos que portam necessidades (sempre sócio- históricas). Assim, é ilusão pensar que se trabalharia sempre a favor dos interesses e das necessidades dos agentes imediatos do trabalho. Trabalhar resulta, pois, da interação de elementos paradoxais, os quais determinam tanto a sua realização como sentido, quanto como alienação para seus agentes. (BRASIL, 2009, p. 15)

Ansoff15 (1994) apud Piazza (2006) agrega à discussão um caráter conceitual técnico, destacando que pensar em gestão necessariamente nos leva a refletir sobre as relações, orientações e determinações ativas do caminho a ser tomado por uma organização na busca de seus objetivos, englobando um conjunto de análises, decisões, comunicação, liderança, motivação, avaliação, controle, entre outras atividades próprias da administração.

Observando o viés da complexidade própria do conceito de gestão e seus processos Junquilho (2001, p. 316) destaca “a gestão, bem como a ação gerencial

15 ANSOFF, H.

Comment on Henry Mintzberg’s rethinking strategic planning. Long Range Planning, v.27, n.3, p.31-32, 1994.

não podem ser analisadas sem a incorporação dos níveis institucional, organizacional e comportamental”. O autor continua sua discussão da complexidade desse processo a partir da obra de Reed16 (1989), observando as três principais perspectivas que pontuaram as últimas 3 décadas, conforme figura 17 a seguir,

Figura 17 - Perspectivas de Gestão Fonte: Adaptado de Junquilho (2001)

Valpaços (2011) amplia a discussão dos processos gestores segundo a ação dos gestores e seus papéis, para tanto o autor recorre às pesquisas de Donelly, Gibsone Ivancevich17 (2000, p. 43-46), pontuando que no interior das organizações

existem três níveis diferentes de gestão:

Nível Operacional (Gestão de primeiro nível): Esta função encontra- se no centro da organização, e a tarefa de gestão é desenvolver a melhor afectação de recursos que produzam os resultados desejados. Nível Técnico (Gestão intermédia): Aqui as tarefas de gestão são gerir a função operacional; servir de ligação entre os que produzem o bem ou serviço e os que o utilizam. Os gestores deste nível devem garantir que têm os materiais adequados e ver se os bens são vendidos ou os serviços utilizados, a fim de o nível operacional realizar o seu trabalho. Nível estratégico (Gestão de topo): As tarefas consistem em garantir que o nível técnico opera

16 REED, M. The sociology of management. London: Harvester Wheatsheaf, 1989.

17 DONELLY, J., GIBSON, J., & IVANCEVICH, J. Os gestores e seus ambientes. In Administração. (pp.31-55) Lisboa: MacGraw-Hill, 2000.

dentro dos limites da sociedade; aqui determinam-se os objectivos e a direcção a longo prazo da organização. Neste nível os gestores são responsáveis por tentar influenciar o ambiente da organização, movendo influências, fazendo publicidade. (VALPAÇOS, 2011, p. 23)

O autor em suas pesquisas identifica e caracteriza tanto os espaços quanto a correlação entre eles, podemos perceber a partir da discussão que existe uma relação procedimental direta de interdependência mútua entre eles e, mais do que isso, uma linearidade de ação com vistas à consecução dos objetivos. A organização é percebida em seu todo, tendo seus procedimentos de trabalho desenhados em face dessa complexidade e com base exclusiva em seus objetivos essenciais, no seu público. A gestão é integrada e processual, operacionalizada segundo perfis decisórios e ritos específicos e, via de regra, deve ser margeada por níveis de interdependência, ou independência relativa entre seus gestores e diferentes níveis de gestão, no qual o uso e gozo da autonomia é relativo e está focado no gerenciamento de influências e forças produtivas com foco sempre definido pela missão institucional, ou seja, os níveis de gestão não existem por si só, bem como não coexistem por si só, sua razão de ser reside na integração coordenada, equilibrada e justificada pelo fim que a organização como um todo pretende atingir.

Atingir e garantir a operação dos processos gestores dentro de uma organização nos remete a identificação, clara e objetiva, do que os operadores desses processos, ou seja, os gestores, de fato irão desenvolver em suas rotinas. Definir perfis e ações profissionais a serem desempenhados, não se trata de um ato simplista e cartesiano desenvolvida a partir de tarefas e pontos específicos, mas sim de um quadro marcado pela complexidade própria das relações humanas e de poder. Nesse sentido, Valpaços (2011) completa a discussão do papel do gestor a partir dos perfis de gestão desenhados por Mintzberg18 (1999b) e Donelly, Gibson e Ivancevich (2000), ilustrados abaixo, no qual os autores agrupam esses profissionais em 03 grupos e identificam não só seus perfis, como ações operativas próprias de cada um deles e sua aderência com os processos gestores. O quadro desenha e identifica os papéis desenvolvidos pelos gestores, ou seja, as ações próprias desse espaço de trabalho desempenhado no universo das organizações.

18MINTZBERG, Henry, (1999b/1990). Profession: manager. Mythes et réalités. In Harvard Business Review – Le Leadership (pp. 12-53). Paris: Éditions d‟ Organisation, 1999. Tradução bras. – Trabalho Executivo: O folclore e o fato.

Figura 18 - Papéis do Gestor

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos estudos de Mintzberg (1999b) e Donelly, Gibson e Ivancevich (2000) apud Valpaços (2011)

A partir da discussão aqui destacada podemos perceber a complexidade do conceito de gestão e seus desdobramentos diversos, tanto nas esferas conceituais quanto operacionais, colocando questões que exigem olhares contextualizados, fugindo de perspectivas gerenciais extremamente objetivas e ingênuas, bem como de proposições excessivamente politizadas e inoperantes. Enseja-se, dessa forma, a busca de um meio termo, de um viés que dialogue com as diversas esferas, atores e interesses envolvidos em qualquer processo de gestão, permitindo a construção dos fluxos decisórios e efetiva ação.