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2 COMUNICAÇÃO, INTERNET E DEMOCRACIA

2.2 DEMOCRACIA DIGITAL: NOVO DESIGN INSTITUCIONAL?

Democracia Digital ou Ciberdemocracia “pode ser entendida como a capacidade dos novos ambientes de comunicação de ampliar o grau e a qualidade da participação pública no governo” (KAKABADSE et al, 2003, p. 47). Além do enfoque na participação, a ciberdemocracia pode ser compreendida também como o uso deliberado das novas tecnologias da informação e da comunicação para reconfigurar práticas políticas e instituições democráticas (design institucional). A ideia central aqui é que as instituições democráticas podem adquirir novos desenhos ao utilizar os dispositivos tecnológicos oferecidos pela Internet (para gerar representações eletrônicas de si mesmas), ampliando práticas políticas (tais como a transparência do Estado, oferta de

informações políticas, participação do cidadão nos assuntos públicos, etc.) que as fazem parecer mais porosas e democráticas do que de fato são.

A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar, tanto quanto possível – graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva oferecidas pelo ciberespaço –, a expressão e a elaboração de problemas da cidade pelos próprios cidadãos, a auto-organização das comunidades locais, a participação nas deliberações por parte dos grupos diretamente afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas e sua avaliação pelos cidadãos (LÉVY, 1999, p. 186).

Segundo conta Grosswiler (1998), desde o século XIX, com o aparecimento do telégrafo, estudiosos têm buscado explorar o potencial democrático das tecnologias da comunicação. Com o surgimento da televisão a cabo na década de 70, alguns deles foram arrebatados com a ideia de ter indivíduos governando diretamente de suas casas através dos meios de comunicação (DAHLBERG, 2001). Dentre as críticas dirigidas à teledemocracia, contudo comentava-se que a estrutura inflexível e de mão-única da televisão dificultava a efetiva realização de propostas e demandas oriundas de perspectivas democráticas mais participativas. O aspecto sedutor que agora atrai os holofotes para a Internet parece ser a sua flexibilidade, que, por sua vez, confere a ela a capacidade de adequar-se aos diferentes discursos retóricos de diversos modelos democráticos.

Nesta perspectiva, através de um estudo exploratório, Dahlberg (2001) demonstra que a Internet pode ser desenhada para fornecer mecanismos e instrumentos capazes de atender às demandas de diferentes concepções de democracia. Desse modo, os liberais, cuja preocupação principal é prover os indivíduos com as informações necessárias para que façam seus julgamentos e os meios adequados para registrar suas escolhas, buscam explorar o potencial que a Internet oferece para expandir o fluxo de informações e permitir o voto em casa. Comunitaristas, por sua vez, acreditam que a Internet parece ser o melhor meio para a construção de comunidades onde indivíduos podem compartilhar valores e concepções de “bem comum”. Finalmente, deliberacionistas acreditam que, através da Internet, cidadãos podem ter acesso às informações necessárias e reunir-se em espaços discursivos para discutir e deliberar sobre questões de interesse público (Gomes, 2010).

Do ponto de vista liberal, o trabalho de Slaton e Becker (2000) parece ilustrar satisfatoriamente o modo como ferramentas da Internet são usadas para redesenhar as

democracias representativas. Primeiro, os autores atribuem às inovações tecnológicas um significativo papel no processo de transformação de instituições e práticas democráticas. Depois, eles reconhecem que as democracias representativas modernas nunca foram desenhadas para funcionar como democracias e que, portanto, precisam ser transformadas. Decorre, portanto, destas duas afirmações a hipótese de que as iniciativas da Internet são componentes chaves para a transformação da democracia. Com o intuito de demonstrá-la, Slaton e Becker (2000) propõem analisar quatro destes mecanismos: a) voting from home; b) scientific deliberative polling; c) eletronic town meetings; e d) direct democracy activities. Todos se referem a iniciativas desenvolvidas fora da Internet, mas que a partir dela podem ser realizadas com mais comodidade, de forma mais rápida e com baixos custos. Findam seu artigo afirmando que as novas tecnologias da informação e da comunicação estão ampliando as influências dos cidadãos nas democracias de tal modo que “o século XXI trará uma nova forma de democracia representativa que será dramaticamente diferente daquela do século XVIII” (p. 209).

Em um estudo mais recente, Kakabadse et al (2003) tensionam ainda mais a relação entre ferramentas digitais e democracia, ao sugerir que a democracia eletrônica seria um modelo diferente e independente de outros modelos, tais como aquele de democracia direta e o de democracia representativa. Mais ainda, os autores argumentam que sob a ideia de democracia eletrônica existiriam, na verdade, quatro outras subcategorias, a saber: a) o modelo de burocracia eletrônica, que se refere ao pacote de serviços oferecidos eletronicamente pelo governo; b) o modelo de gerenciamento da informação, pautado numa comunicação mais efetiva conectando os cidadãos e seus representantes; c) o modelo populista que permite aos cidadãos registrar suas visões sobre as questões atuais; e d) o modelo da sociedade civil, cuja meta é fortalecer as conexões entre os cidadãos e promover um robusto e autônomo site para o debate público.

No entanto, os limites do uso dos dispositivos da Internet para a configuração de novos designs institucionais tornam-se mais visíveis nos estudos analíticos do que nos exploratórios. Witschge (2002), por exemplo, realizou uma pesquisa que buscou investigar se a Internet tinha potencial para sustentar a democracia deliberativa, analisando as conversações políticas. Embora não tenha apresentado uma conclusão definitiva sobre a questão, seu estudo apontou para algumas direções que devem ser consideradas. Primeiro, Witschge detecta uma escassez de trabalhos que analisem qualitativamente os dispositivos da Internet e suas contribuições para os modelos

democráticos. Segundo, há uma necessidade de concentrar esforços com a finalidade de buscar compreender os usuários da Internet. Terceiro, a Internet não é um espaço social estável, mas um espaço complexo utilizado por diferentes pessoas com finalidades distintas. Por fim, é preciso levar em consideração tanto o contexto online como o contexto offline ao se avaliar as contribuições dos dispositivos tecnológicos.

Outro estudo semelhante foi realizado por Wiklund (2005), buscando avaliar as contribuições fornecidas pelos dispositivos tecnológicos empregados por arranjos institucionais de governos eletrônicos a partir de um modelo habermasiano de democracia deliberativa. Em outras palavras, seu objetivo foi investigar o potencial deliberativo da infraestrutura da Internet em websites de municípios suecos. Nesse estudo, Wiklund concluiu que, embora os dispositivos fornecidos pela Internet tenham algum potencial democrático, hoje eles ainda são pouco explorados e satisfazem limitadamente aos ideais democráticos deliberativos. Ademais, o uso dos recursos tecnológicos não resolve alguns problemas, tais como a desigualdade do acesso à tecnologia, a presença de poderes econômicos e administrativos tentando controlar o uso dos dispositivos tecnológicos e a desigualdade de conhecimento para fazer uso efetivo das oportunidades.

De fato, a questão da desigualdade do acesso pode ser entendida a partir de duas dimensões. A primeira diz respeito à desigualdade no acesso às novas tecnologias da informação e da comunicação, que permite o predomínio de uma elite formada principalmente por indivíduos do sexo masculino, brancos e com boa educação. Esta dimensão também se refere às desigualdades nas capacidades e habilidades de dominar os instrumentos tecnológicos disponíveis para deles fazer o melhor uso. A outra dimensão diz respeito à desigualdade de acesso à informação de qualidade, ou seja, à capacidade de não se perder diante da miríade de informações tornadas disponíveis na rede. De acordo com Buchstein (1997), os meios tradicionais oferecem certos filtros que ajudam a coletar, avaliar e distribuir a informação. A Internet, por sua vez, não oferece tais filtros, ao menos não do modo como é oferecido pelos meios tradicionais. O fato é que, na rede, o indivíduo tem que ser capaz de distinguir quais informações lhes são úteis e, portanto, a variação desta capacidade pode vir a conferir algumas vantagens.

No que tange à questão do controle dos dispositivos tecnológicos, Moore (1999) insinua que há forças econômicas disputando o controle da Internet. Comenta,

sobretudo, que o processo de globalização da indústria midiática traduz-se numa dominação corporativa do fluxo global de informações e no gerenciamento centralizado da opinião pública global. Devido à sua ubiquidade, a Internet parece encaixar-se perfeitamente no projeto das grandes corporações midiáticas. Além destas, nas palavras de Moore (1999, p. 41), “parecem ser as organizações de direita que mais fazem uso político efetivo da internet no presente – organizando listas de campanhas, mobilizando opiniões sobre questões específicas, etc.”. Embora possa parecer que há alguma dose de teoria da conspiração nestas afirmações, é necessário que os próximos estudos considerem esta questão como uma variável importante. Conforme lembram Hague e Loader (1999, p. 14), “as forças condutoras por trás do desenvolvimento do que Castells chama de sistema multimídia não são do governo, mas do mercado”.

Muito do que se tem discutido sobre ciberdemocracia está baseado na ideia de que tanto o espaço público quanto a noção de cidadania estão sendo transformadas pelas formas de comunicação emergentes, sobretudo a Internet (STREET, 1997). Aqueles estudos que buscaram analisar qualitativamente o uso de dispositivos tecnológicos para transformar práticas e instituições democráticas têm sugerido que as contribuições são limitadas.