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2 COMUNICAÇÃO, INTERNET E DEMOCRACIA

2.4 INTERNET E PUBLICIDADE

Muitos teóricos da democracia digital têm ressaltado, com certo otimismo, o potencial da internet em reforçar, ampliar ou aprimorar o escopo da transparência sobre os assuntos públicos.

A potencial vantagem da internet como um medium é permitir que corpos legislativos distribuam livremente diferentes tipos de informação, particularmente as densas publicações oficiais tais como textos completos de legislações pendentes e relatórios governamentais, direta e simultaneamente a uma ampla comunidade de usuários de modo eficiente, rápido e equitativo. [...] A internet permite a transmissão de tudo desde a versão completa de documentos oficiais e a agenda diária dos assuntos parlamentares até a transmissão de arquivos audiovisuais dos debates da Câmara durante as sessões parlamentares e tours “virtuais” no prédio. [...] Todo este material, se bem planejado e apresentado, pode ajudar a tornar o processo político, mesmo as minúcias mais secretas dos assuntos parlamentares, mais aberta ao escrutínio público, favorecendo a força desinfetante da publicidade contra o possível abuso de poder (NORRIS, 2001, p. 138).

Neste sentido, Coleman (2009) ressalta que as próprias instituições políticas, tais como os parlamentos, têm reconhecido o significativo papel que as tecnologias digitais de comunicação podem desempenhar no processo de difusão da informação. Por exemplo, já em 1995, o parlamento britânico organizou uma comissão específica dedicada ao estudo para a exploração das novas oportunidades de publicação eletrônica. O grupo foi designado para tomar três decisões cruciais. Primeiro, deveria decidir sobre a que tipo de informação política os cidadãos deveriam ter acesso. A este respeito, a comissão chegou à conclusão de que todo tipo de informação concernente aos procedimentos e atividades das casas legislativas deveriam estar à disposição de todos os cidadãos. A segunda questão se referia à cobrança ou não pelo acesso às informações fornecidas, tendo a comissão optado por fornecê-las livremente. E a terceira questão dizia respeito a como armazenar e disseminar as informações parlamentares. Então, em 1996, foi criado o domínio www.parliament.uk, um portal na internet que funciona como uma manifestação digital do parlamento britânico.

Alguns teóricos acreditam que o uso das tecnologias digitais de comunicação para a disseminação de informações oferece algumas vantagens se comparado aos meios de comunicação tradicionais. Primeiro, os websites parlamentares oferecem a oportunidade de prover um amplo estoque de informações sobre a atividade legislativa para uma larga audiência a um custo bem reduzido tanto para quem produz quanto para quem consome esta informação. Com relação à produção, a internet reduz o custo financeiro para produzir e estocar a informação, que ainda se mostra menor do que aquele para divulgação na TV, por exemplo. Com relação ao consumo, a internet reduz os custos envolvidos no ato de se informar, acrescentando celeridade, praticidade e conforto ao processo (BUCHSTEIN, 1997; DIMAGGIO et al, 2001; SETÄLÄ e GRÖNLUND, 2006).

Segundo, a internet permite evitar os filtros jornalísticos característicos dos meios tradicionais de comunicação, possibilitando também uma maior liberdade sobre a extensão e qualidade do que se quer publicar, inclusive possibilitando a promoção do próprio parlamentar. A questão aqui é driblar a lógica e a gramática dos meios de comunicação de massa, mais especificamente os critérios de seleção e produção da cobertura política pelo jornalismo, que tem privilegiado aqueles fatos e acontecimentos relacionados a situações de escândalos e corrupção em detrimento da visibilidade de outros temas relacionados à atividade politica cotidiana (BARNETT, 1997; GOMES,

2005; OWEN, DAVIS e STRICKLER, 1999; BENNET, 2003; KAHN e KELLNER, 2004).

Terceiro, do ponto de vista do cidadão, os sites parlamentares permitem o acesso a um conjunto de informações que não são facilmente encontradas nos meios tradicionais, tais como documentos, transcrições, relatórios, dados técnicos, registros audiovisuais, etc. Neste sentido, a internet, semelhante a uma ampla biblioteca, aparece como um grande repositório de informações constantemente disponível e ao qual o cidadão pode ter acesso remotamente quando lhe for conveniente (BUCHSTEIN, 1997; GOMES, 2005; LESTON-BANDEIRA, 2007).

Há também, entretanto, um veio discursivo que adota uma postura menos otimista quanto à difusão de informações através da rede mundial de computadores. Primeiro, argumenta-se que um expressivo aumento do volume de informação disponível não significa necessariamente um aumento na qualidade desta informação. Na verdade, um grande volume de informação pode inclusive conduzir à invisibilidade, pois pode se tornar cada vez mais difícil encontrar um conteúdo específico dentro de um vasto e complexo conjunto de informações disponíveis. A situação ainda é agravada devido à ausência do sistema de filtragem (que coleta, seleciona, avalia e distribui), o que dificultaria a capacidade em diferenciar aquelas informações qualificadas de outras não confiáveis, equivocadas, inverídicas ou sem sentido. Além disso, o livre fluxo de informações funciona tanto para o bem quanto para o mal, permitindo que todo tipo de discurso circule pela rede, inclusive aqueles que incitam o ódio, preconceito e a exclusão de indivíduos e grupos sociais (BUCHSTEIN, 1997; GOMES, 2002; POLAT, 2005; WILHELM, 2000; WOLTON, 2003).

O modo como as instituições políticas irão se apropriar das tecnologias digitais de comunicação para produzir maior transparência sobre os assuntos públicos, entretanto, ainda não está muito claro. Neste sentido, Coleman (2005) argumenta que as instituições tendem a se adaptar às novas tecnologias lentamente, a partir de três estágios: primeiro, as instituições usam as novas tecnologias para automatizar processos existentes; depois, passam a reconhecer nestas novas ferramentas as oportunidades para um trabalho mais eficiente; e, por fim, as instituições acabam se reestruturando para usufruir os benefícios destas tecnologias.

Portanto, ao invés de discutir se a Internet produz efeitos nocivos ou não para a transparência nas instituições, parece ser mais interessante verificar de que modo estas instituições estão se adaptando a estas novas tecnologias. Deve-se ter em mente que o simples fato de uma instituição política apropriar-se dos recursos e dispositivos digitais para disseminar informações não quer dizer necessariamente que ela se tornou mais transparente. É fundamental verificar ainda a qualidade do conteúdo disponível e o modo como se encontra organizado no portal.

De toda sorte, o aumento da transparência do Estado a partir da oferta destas informações através das tecnologias digitais de comunicação podem conduzir para o que Gomes (2011) identifica como um fortalecimento da capacidade concorrencial da cidadania. Segundo o argumento do autor, não se pode negar que no interior das democracias contemporâneas são travadas permanentemente lutas concorrenciais pela oportunidade de influenciar ou determinar a decisão política no Estado. Desse modo, iniciativas digitais podem contribuir para aumentar e/ou consolidar "quotas relevantes do poder do cidadão em face de outras instâncias concorrentes [sistema político, campos e corporações sociais] na disputa pela produção da decisão política no Estado ou na esfera social" (p.10). Ainda que não tomem as decisões diretamente, os cidadãos podem, através do uso da Internet, ampliar sua capacidade em influenciá-las (SÆBØ et al, 2008).