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Depressão é também coisa de gente pequena e de gente jovem

2 ESSA TAL DEPRESSÃO: UM CÃO NEGRO SEMPRE A ME

4.2 Depressão é também coisa de gente pequena e de gente jovem

O reconhecimento de que a depressão é um transtorno que atinge crianças e adolescentes é bastante recente na literatura sobre psiquiatria e psicologia. Acreditava-se, até a década de 1970, que o transtorno depressivo, nessa faixa etária, fosse raro ou inexistente (Bahls, 2002; Harrington, 2005; Calderaro & Carvalho, 2005), e que as crianças fossem incapazes de experimentar muitos dos fenômenos característicos dos transtornos depressivos em adultos (Harrington, 2005). Contudo, nas últimas décadas, o interesse pelo tema tem crescido, especialmente depois de o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos reconhecer, em 1975, a existência da depressão entre crianças e adolescentes (Bahls, 2002). Segundo Harrington (2005) pesquisas clínicas realizadas no Reino Unido mostram que um em cada quatro pacientes psiquiátricos infantis sofrem de transtorno depressivo, denotando que a depressão pode estar se tornando mais prevalente também entre os mais jovens (Bahls, 2002; Harrington, 2005).

Um estudo realizado em Los Angeles, citado por Bahls (2002) mostrou que 25% dos indivíduos adultos com diagnóstico de depressão grave relataram ter vivenciado o primeiro episódio do transtorno antes dos dezoito anos de idade. A idade média na qual o primeiro episódio de depressão grave costuma ser reportado em crianças é nove anos de idade (Bahls, 2002). Numa revisão bibliográfica para a realização de um estudo sobre a epidemiologia da depressão entre crianças e adolescentes de uma escola pública de Curitiba, realizado por Bahls (2002), a prevalência da depressão entre as crianças variou entre 0,4% e 3,0% e entre os adolescentes ficou entre 3,3% e 12,4%.

É bastante complexo definir o quadro clínico da depressão entre as crianças e os adolescentes, devido às mudanças físicas e cognitivas que ocorrem nessa fase da vida. As crianças pequenas têm dificuldades para descrever como estão se sentindo e, não raro confundem emoções como raiva e tristeza, sendo difícil para elas descreverem sintomas cognitivos de suma importância para o correto diagnóstico da depressão, como a desesperança e a auto-inferiorização

(Harrington, 2005; Calderaro & Carvalho, 2005). Os adolescentes, por sua vez, costumam sentir as suas experiências de vida com uma profundidade muito peculiar. Sendo assim, oscilações acentuadas de humor são comuns nessa fase da vida e não necessariamente denotam um quadro de transtorno depressivo (Harrington, 2005).

Crianças com depressão têm, com freqüência, muitos problemas, como fracasso escolar, funcionamento psicossocial comprometido e transtornos psiquiátricos co- mórbidos, tais como transtornos de conduta, estados de ansiedade, problemas de aprendizagem, hiperatividade, anorexia nervosa e recusa a freqüentar a escola (Bahls, 2002; Harrington, 2005; Calderaro & Carvalho, 2005).

É bastante comum que a criança depressiva se envolva em situações que tragam perigo à sua integridade física. Mesmo tendo, muitas vezes, consciência do perigo, ela passa por conflitos inconscientes que a leva a exibir determinados comportamentos de risco como forma de chamar a atenção das pessoas para o seu sofrimento, já que não consegue ainda verbalizá-lo com maestria. Tentativas de suicídio são comuns. No entanto, os meios escolhidos por ela são menos eficazes do que aqueles escolhidos por adolescentes e adultos. Por estigma social ou inabilidade dos próprios pais e/ou familiares, o gesto é identificado como sendo “coisa de criança”. É preciso, contudo, sensibilizar aos pais e aos profissionais da área da saúde para o fato de que as crianças também apresentam conflitos existenciais e que uma tentativa de suicídio não é “coisa de criança sadia” (Calderaro & Carvalho, 2005).

Nos adolescentes o quadro da depressão é bastante preocupante. Normalmente, o primeiro episódio acontece entre os 12 e os 19 anos (Bahls, 2002). Do ponto de vista clínico, os sintomas apresentados são muito similares aos dos adultos. No entanto, adolescentes com depressão tendem a se originar, com mais freqüência, de famílias com altas taxas de psicopatologia, podendo ter experimentado eventos vitais adversos (Calderaro & Carvalho, 2005). A baixa auto-estima, a piora no desempenho escolar, a ideação e tentativa de suicídio (com altas taxas de letalidade – podendo chegar a 10% nos casos de depressão grave), bem como

problemas graves de comportamento, uso abusivo de álcool e drogas tornam a depressão nessa fase da vida particularmente preocupante (Bahls, 2002).

Os determinantes socioeconômicos e demográficos apresentados na seção anterior também operam nos quadros de depressão infanto-juvenil. De uma forma geral, crianças e adolescentes que vivem em contextos de miséria são mais propensas a desenvolver os transtornos depressivos. Nesses contextos, com muita freqüência, além das privações típicas trazidas pela baixa renda, coexiste o desemprego, as uniões transitórias entre os casais, a violência e o alcoolismo, confluindo para o aparecimento da depressão nessa fase da vida.

Bahls (2002) argumenta que o mais importante fator para o aparecimento da depressão em crianças e adolescentes é a presença da depressão em um dos pais. Segundo dados apresentados pela autora, a existência de histórico familiar para a depressão, em especial na mãe, chega a aumentar o risco do aparecimento do transtorno em até três vezes. Eventos estressores ambientais como violência física e sexual, perda de um dos pais, irmão ou amigo íntimo, seguem-se imediatamente em importância aos fatores genéticos.

Tratamentos psicoterápicos e farmacológicos têm sido empregados no tratamento da depressão infanto-juvenil. Contudo, como destaca Harrington (2005), existem poucas evidências de resultados eficazes para a maioria deles, embora alguns tratamentos tenham se mostrado promissores. Ademais, acredita-se que a maioria das crianças e dos adolescentes com depressão seja sequer identificada, tampouco encaminhada para tratamentos adequados, o que agrava ainda mais esse quadro (Bahls, 2002).

Uma estrutura familiar adequada, uma relação materno-infantil saudável, num contexto social menos empobrecido, bem como o tratamento dos familiares com depressão é essencial para se prevenir o aparecimento do transtorno depressivo entre crianças e adolescentes (Calderaro & Carvalho, 2005).

Portanto, em suma, a depressão infanto-juvenil é um problema de saúde pública, com taxas consideráveis de prevalência entre a população, altos riscos de reincidência, com desdobramentos que podem ser sentidos por toda a vida. Especialmente entre os adolescentes, a depressão apresenta altas taxas de

morbidade e de mortalidade (pela via do suicídio, particularmente). Logo, a depressão entre crianças e jovens não é nem normal, nem uma fase que vai passar por si só. É um transtorno sério que requer apoio familiar, tratamento psicoterapêutico e psiquiátrico (Harrington, 2005).