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Um termo, algumas definições, inúmeros significados

2 ESSA TAL DEPRESSÃO: UM CÃO NEGRO SEMPRE A ME

3.1 Um termo, algumas definições, inúmeros significados

A palavra depressão tem sido utilizada, nos dias atuais, tanto para nomear um estado melancólico normal (tristeza), quanto para designar um sintoma, uma síndrome e/ou uma (ou várias) doença (Porto, 1999; Moreno, Dias & Moreno, 2007).

Como sintoma, Porto (1999) e Moreno, Dias & Moreno (2007) destacam que a depressão pode aparecer, concomitantemente, com os mais diversos quadros clínicos, tais como alcoolismo, demência, esquizofrenia, doenças coronarianas e doenças renais, ou ainda como resposta a eventos estressantes ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas.

Como síndrome, os mesmos autores supracitados destacam que a depressão caracteriza-se não apenas pelas alterações típicas do humor, tais como tristeza, irritabilidade, anedonia, entre outras, mas também por alterações de natureza cognitiva, psicomotora e vegetativa.

Por fim, a depressão como um transtorno do humor tem sido concebida de diferentes formas, ao longo do tempo, demonstrando que não se trata de um

conceito estático, rígido, mas que varia de acordo com a cultura e a época em que é analisada, bem como sofre influência da preferência dos autores e do ponto de vista que se adota ao estudá-la. Termos como depressão maior, distimia, melancolia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II são corriqueiros na psicologia/psiquiatria dos anos 1990 para designar os diversos tipos de episódios depressivos (Porto, 1999).

A literatura médica da primeira década dos anos 2000 enquadra a depressão no grande grupo dos denominados transtornos mentais do humor. Segundo a CID- 10, transtornos do humor são aqueles

nos quais a perturbação fundamental é uma alteração do humor ou do afeto, no sentido de uma depressão (com ou sem ansiedade associada) ou de uma elação. A alteração do humor em geral se acompanha de uma modificação do nível global de atividade, e a maioria dos outros sintomas são quer secundários a estas alterações do humor e da atividade, quer facilmente compreensíveis no contexto dessas alterações. A maioria desses transtornos tende a ser recorrente e a ocorrência dos episódios individuais pode freqüentemente estar relacionada com situações ou fatos estressantes (OMS, 2007, p. 324).

Para Nardi (2006) o termo transtorno não é exato, mas sua utilização no âmbito da depressão é justificável, uma vez que a sua etiologia ainda não está claramente definida. A palavra transtorno sugere a existência de um grupo de sintomas ou de comportamentos clinicamente identificáveis. O termo é mais específico que síndrome, que se refere a um grupo de sintomas, mas não chega ao vigor de doença, termo que é normalmente empregado quando se tem maior conhecimento sobre os agentes causadores dos mecanismos patológicos (etiopatologias), como, por exemplo, doença de Chagas.

Os transtornos do humor são atualmente classificados em dois grandes grupos: os transtornos depressivos e os transtornos bipolares. Apesar de eles compartilharem de alguns sintomas semelhantes, as evidências emergentes aludem que estes são grupos diferentes de transtornos do humor, sendo, portanto, necessário considerá-los em separado (Holmes, 2001).

No que se refere especificamente aos transtornos depressivos, Stefanis & Stefanis (2005, p. 13) dizem que a depressão é “um construto diagnóstico

complexo aplicado a indivíduos com um conjunto particular de sintomas, sendo o humor deprimido e a perda de interesse os principais”.

De forma mais detalhada, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define a depressão como sendo

a common mental disorder that presents with depressed mood, loss of interest or pleasure, feelings of guilt or low self-worth, disturbed sleep or appetite, low energy, and poor concentration. These problems can become chronic or recurrent and lead to substantial impairments in an individual's ability to take care of his or her everyday responsibilities. At its worst, depression can lead to suicide, a tragic fatality associated with the loss of about 850 thousand lives every year (WHO, 2009).

Há de se considerar que o termo depressão é hoje, em 2010, amplamente utilizado, não somente no âmbito da psicopatologia, mas também na economia, meteorologia, ciências biológicas, entre outras, mas com sentidos completamente diferentes. No senso comum a palavra é utilizada com freqüência para nomear toda sorte de adversidades e vicissitudes da vida contemporânea (Stefanis & Stefanis, 2005; Gonçales & Machado, 2007). Diante desse quadro, Stefanis & Stefanis (2005) alertam para a importância de se distinguir corretamente estados emocionais disfóricos transitórios, relacionados a perdas e ao luto, e a depressão clínica que leva a uma série de perturbações profundas no funcionamento mental e social do indivíduo. Os autores continuam a sua argumentação dizendo que

a depressão clínica é um transtorno mental que, devido a sua gravidade, tendência a recorrência e alto custo para o indivíduo e a sociedade, é uma condição medicamente significativa que precisa ser diagnosticada e tratada de forma adequada (Stefanis & Stefanis, 2005, p. 13).

A proliferação do termo depressão e sua utilização em múltiplos contextos reduziu a sua especificidade diagnóstica e o seu sentido psicológico. A adoção do termo “transtorno depressivo” para designar de forma mais ampla as patologias nas quais a depressão é o sintoma principal resolveu em parte aquele problema, mas não eliminou por completo a confusão que ainda é verificada ao se proceder a uma tentativa de definição daquelas doenças (Stefanis & Stefanis, 2005).

À guisa de concepções e definições sobre a depressão, Peres (2003) busca na tradição psicanalítica uma resposta bastante eloqüente, que talvez possa ajudar a traduzir toda essa controvérsia em torno do termo. Ao privilegiar o termo melancolia em detrimento do termo depressão, o autor argumenta que “a melancolia lança um desafio sobre a fronteira entre o somático e o psíquico, o estrutural e o atual, a neurose e a psicose, acenando, mais propriamente, para o nosso não saber que para o nosso saber”.

Assim parece ser a depressão, um transtorno mental de difícil diagnóstico e de difícil conceituação, dada a sua natureza multifacetada e multisintomática que, por vezes, se traduz em sintomas e sentimentos que se diferenciam de forma acentuada em grau e, em muitos casos, em espécie (Mackenzie, 1999; Gazalle, et al.., 2004; Stefanis & Stefanis, 2005). Por isso, também, a prevalência desse transtorno deve ser influenciada ao longo do tempo, já que se o conceito muda, o diagnóstico e a possibilidade de auto-declaração também mudam, levando, por conseguinte, a variações nas taxas de prevalência.