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Um transtorno de difícil diagnóstico, apesar de sua longa história

2 ESSA TAL DEPRESSÃO: UM CÃO NEGRO SEMPRE A ME

3.3 Um transtorno de difícil diagnóstico, apesar de sua longa história

Neste início da segunda década do século XXI o diagnóstico da depressão ainda é feito, pelo médico, especialmente pelo psiquiatra, com base no exame clínico do

paciente, procurando-se aferir os sintomas referidos e a história pessoal e familiar. Não existem, portanto, exames laboratoriais ou complementares capazes de confirmar um diagnóstico de depressão. Mesmo com a utilização de modernos exames, como a tomografia por emissão de pósitrons (PETscan), a tomografia por emissão de fóton único (SPECT) e a espectroscopia, as evidências são controversas e insuficientes para se acreditar que eles são capazes de evidenciar um padrão próprio do funcionamento cerebral de um indivíduo com depressão. Contudo, incentiva-se a utilização destes exames no diagnóstico, de forma coadjuvante, para que o médico possa descartar outras doenças que possuem sintomas semelhantes aos dos transtornos do humor (Nardi, 2006).

Nem todos os casos de transtornos depressivos demandam a hospitalização do indivíduo, o que, por um lado, é um aspecto muito positivo. Nos casos mais brandos da doença, as pessoas, muitas vezes, recusam-se a procurar o auxílio de um profissional da saúde. Contudo, esse fato faz com que muitos casos da doença não sejam sequer diagnosticados, nem tampouco tratados, porque as pessoas não buscam tratamento e começam a se acreditar como realmente preguiçosas, inferiores, deixando que a doença arrase os seus relacionamentos interpessoais, sua carreira profissional, seus sonhos (Holmes, 2001). As barreiras no acesso e na utilização dos serviços de saúde bem como crenças arraigadas no senso comum de que a depressão não é um transtorno e sim um modismo podem, talvez, ajudar, também, a explicar esse fato. Um diagnóstico rápido e preciso da doença é muito importante para que os efeitos mais drásticos da depressão possam ser mitigados a contento.

Para o correto diagnóstico da depressão, os médicos contam atualmente com o auxílio de manuais específicos de Saúde Mental, tais como os já citados “Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – 4a edição revisada” (DSM-IV-TR) e a “Classificação Internacional de Doenças” (CID-10). Esses manuais sugerem diagnosticar o transtorno depressivo com base em uma escala de sintomas, segundo critérios clínicos neles apontados (Leite et al., 2006).

Segundo Nardi (2006) as duas classificações tentam ser “ateóricas” quanto a possíveis etiologias, manejo clínico e tratamento. Os quadros clínicos descritos tanto na CID-10 quanto no DSM-IV-TR são apresentados de forma clara e objetiva, através de uma classificação que privilegia a presença ou a ausência de grupos de sintomas, acatando termos aceitos pelo consenso da comunidade científica, o que os torna instrumentos úteis para a pesquisa, a clínica e o ensino. Além disso, uma vantagem apontada pelo autor em relação a esses manuais é que eles primam pela simplicidade operacional, com pouca propensão a permitir ambigüidade, facilitando a replicação dos diagnósticos, ao mesmo tempo em que conferem confiabilidade à comunicação entre os profissionais.

Apesar de possuírem algumas diferenças (mormente no que se refere à terminologia), tanto a CID-10 quanto o DSM-IV-TR podem ser utilizados de forma intercambiável na prática clínica. De acordo com Stefanis & Stefanis (2005), eles dialogam nas seguintes características:

i) os transtornos depressivos, antes dispersos em vários grupos, foram agrupados sob um nome comum, o que sinaliza uma entidade sindrômica unificada;

ii) o termo “transtornos afetivos” foi substituído pelo termo “transtornos do humor”, numa tentativa de se delimitar as fronteiras da depressão ao excluir os transtornos de ansiedade daquele último grupo;

iii) a clássica distinção intraclasse entre os transtornos depressivos e os bipolares é mantida, mas o termo “unipolar”, utilizado até o final da década de 1990, caiu em desuso2;

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A não-adoção do termo “unipolar” se justifica porque, não raro, observa-se a existência de casos bipolares latentes que ocupam uma parte significativa do espectro depressivo (Stefanis & Stefanis, 2005). É comum, no entanto, ainda encontrar na literatura recente sobre depressão o emprego do termo “depressão unipolar” ao invés de “transtorno depressivo”, o que pode confundir o leitor menos acostumado com os termos da área psiquiátrica (ver, por exemplo, a utilização daquele termo em vários trechos da excelente obra de Moreno, Dias & Moreno, 2007).

iv) os critérios diagnósticos são alicerçados em sintomas descritivos e não explicativos;

v) o grau de severidade e a recorrência dos sintomas são utilizados como critérios especificadores e de subtipagem dos transtornos depressivos; vi) a delimitação diagnóstica é realizada tomando-se por base uma série de

sintomas centrais e complementares, que devem satisfazer aos critérios de número e duração para constituírem uma entidade diagnóstica distinta;

vii) a distimia (forma mais branda, porém mais persistente de depressão) é classificada como uma entidade separada dentro do quadro geral dos transtornos depressivos, e não mais como um subtipo de transtorno depressivo leve, como acontecia até fins da década de 1990.

No que se refere aos sintomas que definem um típico quadro de transtorno depressivo, há, também, uma confluência de idéias entre a CID-10 e o DSM-IV- TR:

i) baixo-astral ou estado deprimido a maior parte do dia, durante vários dias/semanas seguidos;

ii) diminuição do prazer (anedonia) na realização de todas (ou quase todas) as atividades cotidianas;

iii) perda significativa do peso sem se estar sob dieta ou ganho de peso (mais de 5% do peso corporal total num único mês), ou ainda perda ou aumento do apetite, praticamente todos os dias;

iv) insônia ou hipersônia, praticamente todos os dias;

v) agitação ou retardo psicomotores, praticamente todos os dias, quando observado por outros;

vi) fadiga ou perda de energia, praticamente todos os dias;

viii) diminuição da capacidade de pensar e de concentração, ou ainda indecisão, praticamente todos os dias;

ix) pensamentos recorrentes de morte (não apenas medo da morte) e idéias recorrentes de suicídio, sem um plano específico para fazê-lo, ou ainda tentativa ou elaboração de planos suicidas.

O diagnóstico da depressão é feito, portanto, em termos práticos, baseando-se em um número mínimo de sintomas típicos e associados, mediante a constatação da permanência desses sintomas por um período de no mínimo duas semanas. Importante destacar que para o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – 4a edição revisada (DSM-IV-TR) uma terceira característica deve ser verificada para se diagnosticar a depressão: o comprometimento em áreas importantes do funcionamento cognitivo e vegetativo, em especial. A CID-10 e o DSM-IV-TR concordam, no entanto, que não existe um único sintoma patognomônico capaz, por si só, de levar ao diagnóstico de um transtorno depressivo, bem como classificá-lo de forma monotética (Stefanis & Stefanis, 2005)

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