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Durie et al. reportaram as sínteses do sin-1,2,4,5-tetrafluorocicloexano (1) e do sin-1,2,3,4-tetrafluorocicloexano (2, Figura 9),184,185 que apresentaram elevadas polaridades e baixas viscosidades e, portanto, são potencialmente novos candidatos para serem utilizados como cristais líquidos. Os valores dos deslocamentos químicos (δ) de alguns átomos de 1

H dos compostos 1 e 2 apresentaram redução bastante significativa, quando obtidos em tolueno-d8 em comparação com CD2Cl2, que não foram totalmente compreendidos na ocasião da síntese dos compostos. No presente trabalho são reportados cálculos teóricos para 1 e 2, a fim de se destacarem as interações específicas com moléculas do solvente aromático, que dão origem a essas blindagens incomuns dos núcleos de 1

H. Os procedimentos realizados para o presente trabalho estão descritos na Seção de Anexos A.

sin-1,2,4,5-tetrafluorocicloexano (1) sin-1,2,3,4-tetrafluorocicloexano (2)

Figura 9: Estrutura do sin-1,2,4,5-tetrafluorocicloexano (1) e do sin-1,2,3,4-

tetrafluorocicloexano (2).

Os valores experimentais e teóricos dos deslocamentos químicos de 1H dos compostos 1 e 2 em CD2Cl2 e tolueno-d8 são apresentados na Tabela 1. A blindagem dos deslocamentos químicos dos átomos 1H em tolueno-d8 em comparação ao CD2Cl2 para 1 e 2 é uma manifestação bastante conhecida de deslocamento induzido pelo solvente aromático (ASIS –“aromatic solvent induced shift”),186 embora de incomum magnitude para ambos os casos, uma vez que alguns átomos de 1H são blindados em ~1,7 ppm. Para se entender estes resultados, foram realizados cálculos utilizando-se vários funcionais da DFT para 1

e 2 e para seus complexos formados com uma molécula de benzeno. Esses complexos foram usados para simular o efeito do tolueno como solvente ligado à "face positiva" de 1 e 2, isto é, na face molecular oposta à que os átomos de flúor estão direcionados.

Tabela 1: Valores experimentais e teóricos [BHandH/6-311+G(2d,p)][a] dos deslocamentos químicos de 1H (δ em ppm) para os compostos 1 e 2 (Numeração dos átomos mostrados na Figura 10).

1 (experimental) 1 (teórico) 2 (experimental) 2 (teórico)

átomo δ(CD2Cl2) δ(tolueno) ∆δ 1 livre 1.C6H6 ∆δ δ(CD2Cl2) δ(tolueno) ∆δ 2 livre 2.C6H6 ∆δ

H7 4,94 4,06 -0,88 4,88 4,48 -0,40 5,26 4,60 -0,66 5,28 4,88 -0,40 H8 1,63 -0,06 -1,69 1,23 0,37 -0,86 4,45 2,74 -1,71 4,04 2,77 -1,27 H9 2,46 1,74 -0,72 2,63 2,17 -0,46 --- --- --- --- --- --- H10 4,94 4,06 -0,88 4,88 4,48 -0,40 5,04 4,12 -0,92 4,95 4,46 -0,49 H11 4,53 3,22 -1,31 4,30 3,55 -0,75 4,57 3,30 -1,27 4,30 3,58 -0,72 H12 2,37 1,84 -0,53 2,28 1,89 -0,39 1,93 2,16 0,23 1,74 1,39 -0,35 H13 2,61 2,76 +0,15 2,87 2,55 -0,32 1,47 0,05 -1,42 2,47 2,16 -0,31 H14 4,53 3,22 -1,31 4,30 3,55 -0,75 2,10 1,16 -0,94 1,17 0,45 -0,72 H17 --- --- --- --- --- --- 2,28 1,32 -0,96 2,24 1,84 -0,40 [a]

Foram utilizadas geometrias obtidas a partir de cálculos B3LYP/def2-TZVP.

Ambos 1 e 2 têm valores de momento de dipolo elevados e distribuições de carga altamente polarizadas, que têm caráter bastante negativo na face molecular contendo os átomos de flúor ("face negativa") e positiva na face oposta ["face positiva", vide mapas de potencial eletrostático (MPEs) na Figura 10]. As moléculas de solvente aromático são ricas em elétrons π e, consequentemente, interagem preferencialmente às faces positivas, com uma energia de interação calculada de ~1,6 kcal mol-1, tanto para 1 quanto 2 no nível B3LYP/def2-TZVP. Este resultado é confirmado pelos gráficos moleculares obtidos a partir da QTAIM e do método NCI (Figura 11; detalhes da caracterização das interações por QTAIM são dados na Tabela A1 da Seção de Anexos A). O método NCI foi, em partes, desenvolvido a partir da QTAIM, a fim de superar as ambiguidades na classificação de interações interatômicas fracas como estabilizantes ou desestabilizantes (Seção 1.4.4.2), que é realizado através da análise topológica do gradiente da densidade eletrônica reduzida (RDG – Reduced density gradient), ao invés da própria densidade eletrônica (ρ).148

1 (µ = 4,49 D) 2 (µ = 4,71 D)

Figura 10: Estruturas otimizadas, mapas de potencial eletrostático (MPEs) e valores de

momento de dipolo dos compostos 1 e 2 (B3LYP/def2-TZVP). MPEs são plotados em escala de cores variando de -0,03 unidades atômicas (ua, vermelho) à +0,03 ua (azul) e mapeados na superfície de valor constante de ρ = 4.10-4 ua.

Ambos os métodos indicam formação de interações não apenas π...H-C intermoleculares entre os anéis de cicloexano e benzeno, mas também interações intramoleculares CF...FC. Interações CF...FC têm atraído muito interesse e controvérsia na literatura.187,188 Devido à complexidade destas interações, realizamos um estudo mais detalhado das mesmas (Seção 3.2).

1 (QTAIM) 1 (NCI) 2 (QTAIM) 2 (NCI)

Figura 11: Gráficos moleculares obtidos pelos métodos QTAIM e NCI a partir da

densidade eletrônica obtida de cálculos B3LYP/def2-TZVP. Pontos verdes, vermelhos e azuis nos gráficos moleculares da QTAIM representam pontos críticos de ligação (BCP –

Bond Critical Points), pontos críticos de anel (RCPs – Ring Critical Points) e pontos

críticos de gaiola (CCP – Cage Critical Points), respectivamente. As superfícies NCI são representadas em verde para interações de van-der-Waals atrativas em vermelho para regiões de depleção de densidade eletrônica (análogas aos RCPs da QTAIM). As superfícies NCI foram obtidas com valor de RDG = 0,6 e escala azul-verde-vermelho variando de -0,02 a 0,02 ua.

Potenciais de interação soluto-solvente foram obtidos a partir de cálculos de varredura da distância entre átomos de hidrogênio alifáticos e átomos de carbono aromáticos em passos de 0,03 Å, utilizando-se os funcionais B3LYP (Figura 12) e B97-D. O funcional B97-D foi escolhido em adição ao popular B3LYP, uma vez que interações de dispersão poderiam ser importantes para descrever as interações π···HC. De fato, o mínimo de energia obtido com o funcional B97-D é muito mais profundo do que em comparação com o funcional B3LYP (Figura 13). O mínimo de energia do funcional B3LYP tem menor energia (-1,6 kcal mol-1) e distâncias π⋅⋅⋅H-C maiores (~3,1-3,2 Å) em comparação com as do funcional B97- D (-6 kcal mol-1 e ~2,6-2,7 Å, respectivamente). Essencialmente, os mesmos resultados são obtidos quando correções empíricas são adicionadas como cálculos “single points” nas geometrias obtidas pelos cálculos B3LYP. A comparação entre todos estes métodos é mostrada na Figura 13.

2.9 3.0 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 -1.55 -1.50 -1.45 -1.40 -1.35 -1.30 -1.25 -1.20 -1.15 ∆∆∆∆ E ( k c a l m o l -1 ) distância C19···H8 (Å)

1.C

6

H

6 2.7 2.8 2.9 3.0 3.1 3.2 3.3 3.4 -1.60 -1.55 -1.50 -1.45 -1.40 -1.35 -1.30 -1.25 -1.20 ∆∆∆∆ E ( k c a l m o l -1 ) Distância C19···H8 (Å)

2.C

6

H

6

Figura 12: Complexos formados entre os compostos 1 ou 2 e uma molécula de benzeno

e gráfico de energias de interação obtidas no nível teórico B3LYP/def2-TZVP.Correções de BSSE (Basis set superposition error) foram realizadas para cada ponto das curvas.

Os deslocamentos químicos de 1H foram calculados para as moléculas livres 1 e 2 e para os seus complexos com benzeno, utilizando-se as geometrias obtidas com os funcionais B3LYP e B97-D. É esperado que a diferença entre as moléculas isoladas e os complexos com benzeno pode estar relacionada com as variações dos valores de deslocamento químico observado entre os solventes CH2Cl2 e tolueno-d8. De fato, os resultados para os dois conjuntos de estruturas (B3LYP e B97-D) seguem as mesmas tendências observadas no sentido

qualitativo, em particular, para o composto 1, em que a ordem relativa dos deslocamentos químicos está em boa concordância (Figura 14). Curiosamente, os desvios obtidos para as geometrias calculadas com o funcional B3LYP proporcionou um ajuste melhor em relação aos valores experimentais do que os calculados no nível B97-D (Tabelas A2-A5 na Seção de Anexos A). Para o funcional B97-D, alguns desvios em relação aos deslocamentos químicos observados experimentalmente podem atingir até 2 ppm, como o átomo H8 no composto 2 (Tabela A5).

1.C6H6 2.C6H6 2.2 2.4 2.6 2.8 3.0 3.2 3.4 3.6 -6 -4 -2 0 2 4 6 Distância C19···H8 (Å) B3LYP B3LYP-D B3LYP-D3 B97-D E ( k c a l m o l -1) 2.0 2.2 2.4 2.6 2.8 3.0 3.2 3.4 -7 -6 -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Distância C19···H8 (Å) B3LYP B3LYP-D B3LYP-D3 B97-D E ( k c a l m o l -1)

Figura 13: Energias de interação para os compostos 1 e 2 com benzeno, utilizando-se

diferentes funcionais da DFT: B3LYP/def2-TZVP (quadrados pretos); B3LYP-D/def2-TZVP (asteriscos); B3LYP-D3/def2-TZVP (círculos abertos); B97-D/def2-TZVP (triângulos pretos). Correções de BSSE (Basis set superposition error) foram realizadas para cada ponto das curvas.

Como uma consequência da complexação de 1 e 2 com benzeno, os elétrons π do anel benzênico blindam mais efetivamente os átomos de hidrogênio de 1 e 2 posicionados em direção ao “cone de proteção” do benzeno, que são os hidrogênios axiais da “face positiva” do anel cicloexano. Assim, os átomos axiais H8, H11 e H14 sofrem os maiores efeitos de blindagem, uma vez que interagem

mais fortemente com as moléculas do solvente e, consequentemente, estão mais próximos ao cone de proteção causado pelos elétrons π dos anéis aromáticos (vide Tabela 1).

Figura 14: Gráfico das diferenças (∆) entre os deslocamentos químicos de 1H (∆δ) calculados para as moléculas livres e complexadas com benzeno versus diferença de deslocamento químico observado experimentalmente entre CH2Cl2 e tolueno (em ppm);

círculos pretos: composto 1 e triângulos abertos: composto 2.

Como mencionado acima, quando correções de dispersão são incluídas para se calcularem as interações alcano-areno (sejam provenientes de cálculos B3LYP-D, B3LYP-D3 ou B97-D), os mínimos de energia potencial são mais negativos e a distância intermolecular deste complexo diminui em relação ao B3LYP (Figura 13). Os deslocamentos químicos se mostraram sensíveis a essa menor distância dos funcionais com correções DFT-D e DFT-D3 e têm pior correlação com os valores experimentais do que o B3LYP sem essas correções. Aparentemente, o nível B3LYP, que pode descrever as contribuições eletrostáticas das interações alcano- areno corretamente, fornece modelos razoáveis para uma média de geometrias, que uma molécula no solvente poderia adotar (ao invés da geometria de equilíbrio) para os casos aqui discutidos. Para uma descrição mais quantitativa, dever-se-iam incluir mais moléculas do solvente e obter uma média das possíveis geometrias,

∆δ(expt)

∆δ(calc)

∆δ(expt)

que o solvente adotaria ao redor do soluto, em uma escala de tempo razoável; e avaliar o efeito dessa geometria média do solvente sobre os deslocamentos químicos dos átomos de 1H do soluto, utilizando-se, por exemplo, cálculos de dinâmica molecular. Contudo, aparentemente, o modelo teórico simples aqui proposto consegue descrever grande parte do efeito do solvente, observado experimentalmente e assim, hipoteticamente, indica que deve haver uma predominância da formação de um complexo, como o da Figura 12, por exemplo, mesmo considerando-se um grande conjunto de moléculas do solvente em incessante movimento ao redor do soluto.

Dessa maneira, pode-se observar que a blindagem dos núcleos de 1H de 1 e 2 em solventes aromáticos é resultante, principalmente, da interação desses com os elétrons π do anel aromático do complexo soluto-solvente como representado na Figura 12, ao invés do efeito de “empacotamento”, se muitas moléculas do solvente fossem levadas em conta como moléculas explícitas. Pode-se demonstrar tal hipótese, repetindo-se os cálculos de deslocamento químico de 1H para o monômero imerso em um modelo de solvente implícito (IEFPCM) do benzeno. Relativo aos cálculos de fase gasosa, os deslocamentos químicos relativos são desblindados e não diferenciam os átomos de hidrogênio da “face positiva” e os da “face negativa”. A desblindagem é de aproximadamente 0,3 e 0,2 ppm para 1 e 2, respectivamente (Tabela A6 na Seção de Anexos A).

Recentemente, foi relatada a síntese do sin-3-fenil-1,2,4,5-tetrafluorocicloexano (3).189 Esta molécula é um análoga do composto 1, tendo sido proposta como uma nova estrutura para ser utilizada como cristal líquido. À parte de sua aplicação, o composto 3 é um bom modelo para analisar a complexação do anel do cicloexano com grupos aromáticos, uma vez que foi possível obter a estrutura de raios-X do composto 3 na qual se verificou que os grupos fenila interagem com a "face positiva" dos anéis de cicloexano em moléculas vizinhas com quase a mesma geometria obtida para 1 (Figura 15c).

a)

b)

c)

Figura 15: (a) Estrutura otimizada do composto 3 em nível B3LYP/def2-TZVP (b) Seu

mapa de potencial eletrostático (MPE), mostrando a "face positiva" (parte molecular inferior) e "face negativa" (parte molecular superior) e (c) a estrutura de raios-X experimental, que mostra a interação de um grupo fenila da molécula inferior do trímero com a "face positiva" do anel de cicloexano da molécula central do trímero com um arranjo aproximadamente paralelo; observa-se que há também uma interação entre a "face negativa" do anel de cicloexano central com outro grupo fenila da molécula superior num arranjo perpendicular.

Comparando-se a distância intermolecular cicloexano•••areno observada experimentalmente para 3 (C···H = 3,46 Å) com a do complexo 1.C6H6, os valores otimizados em B3LYP para o último são mais próximos do experimental (~3,25 Å; Figura 12), que o obtido com o funcional B97-D (~2,71 Å, Figura 13). Para avaliar se o bom desempenho aparente do funcional B3LYP também é atingido para as interações intermoleculares em 3, o cristal molecular completo deste composto foi

também otimizado, empregando-se o protocolo QM/MM (“Quantum

Mechanics/Molecular Mechanics”) recentemente desenvolvido por Björnsson e Bühl,190 juntamente com uma variedade de funcionais com e sem correções de dispersão incluídas (detalhes do protocolo estão relatados na Seção de Anexos A). Distâncias interatômicas obtidas para cada método teórico e experimental são mostradas nas Tabelas A7 e A8 na Seção de Anexos A.

Comparado com o complexo 1.C6H6 na fase gasosa, a inclusão de correções de dispersão DFT-D e DFT-D3 têm um efeito muito menor sobre as distâncias intermoleculares em comparação com a estrutura cristalina do composto 3. Por exemplo, quando se compara o B3LYP/def2-TZVP com o B3LYP-D3/def2-TZVP, a maioria das distâncias intermoleculares entre o cicloexano e as frações fenila vizinhas diminuem apenas ligeiramente (aproximadamente 0,03 Å), ou seja, muito menos do que para os complexos com benzeno 1.C6H6 e 2.C6H6 discutidos

acima. O nível B3LYP/def2-TZVP apresenta melhor desempenho na reprodução da estrutura do sólido, a julgar pelo desvio da raiz quadrada média (RMSD – “Root Mean Square Deviation”) entre as coordenadas otimizadas e experimentais de todos os átomos de C e F na região do trímero (~0,04 Å , Figura 16a). Outras combinações de nível/base, incluindo-se funcionais com correções de dispersão, têm valores de RMSD ligeiramente maiores do que o B3LYP/def2-TZVP (Tabelas A7 e A8 na Seção de Anexos A).

O efeito das moléculas do cristal na orientação relativa das interações intermoleculares pode ser avaliado, relaxando-se uma secção do mesmo. A Figura 16a mostra o trímero do composto 3 relaxado, utilizando-se o método QM/MM superposto à geometria do trímero obtida experimentalmente por difração de raios-X. A Figura 16b, por outro lado, mostra o mínimo obtido no nível B3LYP/def2-TZVP do trímero do composto 3 isolado em relação à geometria experimental. Enquanto o método QM/MM, que leva em consideração o efeito do cristal na orientação relativa entre as moléculas do trímero, fornece uma superposição muito próxima à experimental, a geometria do trímero isolado é notavelmente distorcida.

a)

b)

RMSD = 0,036 RMSD = 1,207

Figura 16: Superposição de uma secção da estrutura do cristal obtido experimentalmente

do composto 3 (cinza/azul claro) com (a) a mesma secção obtida do cristal otimizado pelo método QM/MM (preto/azul escuro) e (b) Geometrias calculadas na fase gasosa (B3LYP/def2-TZVP; preto/azul escuro) e seu RMSD em comparação com o experimental (Å).

Deslocamentos de 1H para o composto 3 foram obtidos no nível BHandH/6- 311+G(2d,p) para uma única molécula isolada e para a molécula central do

trímero em ambiente cristalino (geometrias B3LYP-def2-TZVP de cálculos de QM/MM). Os deslocamentos químicos de 1H calculados para o monômero do composto 3 e para seu trímero são concordantes, no sentido qualitativo, com os experimentais em CDCl3 e em tolueno-d8, respectivamente (Tabela 2). Além disso, os dados para o trímero estão em boa concordância com os do composto 1 complexado com benzeno (compare valores das Tabelas 1 e 2); e, portanto, podem confirmar que a geometria calculada pelo funcional B3LYP para o composto 1 sem correções de dispersão é próxima à média das geometrias que o solvente poderia adotar ao redor de 1.

Tabela 2: Valores de blindagens magnéticas isotrópicas (σ) para átomos de 1H obtidos teoricamente [BHandH/6-311+G(2d,p)] e deslocamentos químicos (δ) em ppm para o monômero do composto 3 e para a molécula central do trímero (QM) do cristal otimizado por cálculos QM/MM (B3LYP/def2-TZVP). Valores experimentais em solução de CDCl3 e

tolueno-d8 são também mostrados (numeração dos átomos na Figura 15).

Átomo de H δ(monômero) [a] δ[a] (trímero;QM/MM) ∆δ δ(CDCl3) Experimental δ(tolueno-d8) ∆δ H7,H10 5,58 5,18 -0,40 5,05 4,38 -0,67 H8 3,49 2,18 -1,31 2,53 1,54 -0,99 H11,H14 4,83 2,97 -1,86 4,62 3,59 -1,03 H12 2,82 2,31 -0,51 2,53 1,96 -0,57 H13 2,62 2,46 -0,16 2,73 2,68 -0,05 [a] δ = σTMS (31,62 ppm) - σH

Outro aspecto interessante do composto 3, que é indicado por cálculos teóricos e pela geometria obtida experimentalmente por difração de raios-X, é que um dos anéis benzênicos tem preferência por uma topologia cujo plano do anel se alinha perpendicularmente ao plano médio no anel cicloexano (Figura 15a). A preferência por esta geometria para um monômero do composto 3 e a pequena distância entre o átomo de hidrogênio em posição orto do anel benzênico e 1 dos átomos de flúor em posição axial (2,22 Å), sugerem formação de uma LHI não usual C-H⋅⋅⋅F-C. Outro fator que indica que há formação de uma LHI C-H⋅⋅⋅F-C é que a geometria calculada não é simétrica, isto é, as distâncias entre o hidrogênio em posição orto do anel benzênico e os 2 átomos de flúor diaxiais do cicloexano são diferentes: 2,22 Å e 2,70 Å, respectivamente.

A barreira de rotação do anel benzênico calculada no nível B3LYP/def2-TZVP (Figura 17) é de ~4 kcal mol-1, que é bastante baixa e passível de rotação rápida à temperatura ambiente. Portanto, a LHI C-H⋅⋅⋅F-C é supostamente fraca e, embora possa ser a responsável pela distorção do alinhamento anel benzênico em relação ao anel de cicloexano, deve ter menor importância para a energia de rotação da ligação C-C entre esses anéis. A formação da LHI C-H⋅⋅⋅F-C pode, contudo, contribuir significativamente para a transmissão das constantes de acoplamento “através do espaço” 1hJFH e 2hJCF. a) b) 0 40 80 120 160 200 240 280 320 360 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Ere l ( k c a l m o l -1) ângulo diedro(φ) F F F F H H φ NO2

Figura 17: Barreira de energia torsional da ligação C-C, que une os anéis de cicloexano e

benzeno, calculada no nível B3LYP/def2-TZVP para os compostos a) 3 e b) 4.

A formação de LHI C-H⋅⋅⋅F-C é indicada por ambos os métodos QTAIM e NCI (Figura 18). O valor de 1hJFH, que seria a constante de acoplamento transmitida via ligação de hidrogênio entre os átomos de hidrogênio orto e os átomos de flúor diaxial, são mostrados na Tabela 3. O valor de 1hJFH experimental é de ~1 Hz, que poderia ser também transmitido via ligações covalentes (5JFH) ao invés de LHI. O valor da constante de acoplamento 2hJCF experimental é de ~2,4 Hz. Os valores obtidos teoricamente estão em boa concordância com o experimental (Tabela 3).

Uma melhor evidência da formação de LHI poderia ser obtida se houvesse maior restrição da ligação C-C que une os anéis benzênicos. Tal aproximação foi atingida experimentalmente, estudando-se o nitro-derivado do composto 3 (composto 4; Figuras 17 e 18).189 O composto 4 apresenta um grupo nitro em posição orto do anel benzênico, que pode formar uma LHI N=O⋅⋅⋅H-C, cuja formação é indicada por ambos métodos QTAIM e NCI (Figura 18). De fato, a

formação dessa LHI aumenta bastante a energia da barreira torsional do composto 4 (~12 kcal mol-1) em relação ao 3 (~4 kcal mol-1).

a) b) c)

d) e) f)

Figura 18: Gráficos moleculares obtidos pelos métodos QTAIM e NCI para os compostos 3 [a)-b)]e 4 [d)-e)], a partir da densidade eletrônica obtida de cálculos B3LYP/def2-TZVP.

As superfícies NCI foram obtidas com valor de RDG = 0,6 e escala azul-verde-vermelho variando de -0,02 à 0,02 ua. Gráficos de RDG vs sinal(λ2)ρ para c) 3 e f) 4.

Embora a constante de acoplamento 1hJFH experimental tenha valor invariável entre os compostos 3 e 4, o valor de 2hJCF aumenta consideravelmente para o 4 (7,3 Hz) em relação ao 3 (2,4 Hz). O aumento no valor dessa constante de acoplamento pode ser entendido se levarmos em conta que a barreira torsional do composto 4 é bastante alta e, portanto, a geometria deste composto se mantém praticamente apenas como a do confôrmero mostrado na Figura 18. Cálculos teóricos (Tabela 3) sugerem que ambas as constantes de acoplamento 1hJFH (3 = 1,57 Hz; 4 = 2,79 Hz) e 2hJCF (3 = 3,86 Hz; 4 = 8,00 Hz) deveriam aumentar para o composto 4 em relação ao composto 3. Assim, ambos, cálculos teóricos e experimento, indicam formação de LHI C-H⋅⋅⋅F-C, que deve auxiliar na transmissão das constantes de acoplamento 1hJFH e 2hJCF, sobremaneira esta última.

Tabela 3: Constantes de acoplamento (Hz) obtidas para as geometrias de menor energia

dos compostos 3 e 4 (nível BHandH/EPR-III). As distâncias aF⋅⋅⋅H mostradas são as mais curtas para cada geometria. Os carbonos orto indicados por um ponto (•) são aqueles que apresentam 2hJCF. Média dos valores teóricos e experimentais são também indicados.

3 4 1h J(Hproximal,aFax) 3,60 3,67 1h J(Hproximal,bFax) 2,54 1,91 5 J(Hdistal,aFax) -0,10 --- 5 J(Hdistal,bFax) 0,25 --- Média JHF 1,57 2,79 JHF experimental 1,0 1,0 2h J(Cproximal,aFax) 13,4 13,4 2h J(Cproximal,bFax) 2,41 2,59 4 J(Cdistal, a Fax) 0,37 -0,01 4 J(Cdistal,bFax) -0,74 -0,54 Média JCF 3,86 8,00 [a] JCF experimental 2,4 7,3 [a] Valores de J

FC (Cdistal) foram desprezados.

Conclusões para a Seção 3.1:

Em geral, os modelos teóricos simples aqui aplicados podem racionalizar os valores dos deslocamentos químicos observados experimentalmente em solução de tolueno, para os compostos 1 e 2. A contribuição governante nos valores de deslocamentos químicos é indicada como sendo o contato entre um anel aromático a partir do solvente e a "face positiva" do anel de cicloexano. As tendências qualitativas são reproduzidas para os complexos entre 1 ou 2 e uma única molécula de benzeno no nível B3LYP, ou seja, mesmo sem a inclusão de correções de dispersão. Este nível também foi validado usando um protocolo QM/MM, desenvolvido recentemente para a otimização de cristais moleculares, onde foi encontrada uma excelente concordância entre os resultados calculados com o funcional B3LYP e a estrutura cristalina observada para o novo composto 3, que é governada pelas interações intermoleculares cicloexano•••areno. A natureza dessas interações foram caracterizadas pelos métodos topológicos QTAIM e NCI. Além disso, ambos resultados teóricos e experimentais indicam que o composto 3

apresenta formação de LHIs C-H⋅⋅⋅F-C, que podem atuar como vias de transmissão de constantes de acoplamento 1hJFH e 2hJCF. O composto 4, que apresenta apenas 1 confôrmero estável, tem maiores valores de 1hJFH e 2hJCF e, portanto, confirma que a LHI C-H⋅⋅⋅F-C pode auxiliar na transmissão dessas constantes de acoplamento.

Os resultados destes trabalhos foram publicados nos periódico Helv. Chim. Acta, ano 2014, volume 97, páginas 797–807 e no periódico Chem. Eur. J., ano 2014, volume 20, páginas 6259–6263.

Seção 3.2: Estudo de interações CF···FC em cicloexanos e