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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

1.4 Cálculos teóricos

1.4.3 Natural Bond Orbitals (NBO)

Tentou-se descrever neste texto o método NBO de maneira bastante geral e evitando-se representações matemáticas. Reviews e abordagens mais detalhadas são indicadas no decorrer do texto.

A análise NBO154 descreve uma função de onda de N elétrons em termos de orbitais localizados que são bastante próximos aos conceitos de ligação química de estruturas de Lewis, comumente apresentados em livros-texto e bastante difundidos na comunidade acadêmica. O conceito de “orbitais naturais”, como originalmente proposto por Löwdin, se refere a um procedimento matemático aplicado sobre uma função de onda de qualquer complexidade, que fornece os melhores orbitais possíveis para a interpretação da função de onda por conceitos bastante difundidos em Química. Em outras palavras, as ocupações/populações dos orbitais obtidos pela análise NBO são altamente condensadas nos orbitais de menor energia, que correspondem às ligações e aos pares de elétrons isolados de uma estrutura aproximadamente de Lewis. Assim, os orbitais do método NBO descrevem a função de onda de um dado sistema molecular como orbitais localizados, que diretamente se correlacionam com conceitos empíricos usados em química básica, como hibridização e ressonância, e que constituem a teoria moderna de ligações entre átomos.

Assim, os orbitais moleculares canônicos/deslocalizados obtidos a partir de métodos como os descritos na Seção 1.4.1, dos quais a interpretação de conceitos empíricos já bastante estabelecidos em Química é difícil de ser obtida, uma vez que representam a função de onda por inúmeros orbitais moleculares deslocalizados, podem ser transformados em orbitais localizados pela análise NBO e outros métodos de localização orbitalar, que descrevem a função de onda tão bem quanto os orbitais deslocalizados, mas são mais fácies de serem interpretados.150,155

Na designação do método NBO, orbitais atômicos são representados por orbitais atômicos naturais (NAOs – Natural Atomic Orbitals).156 Assim, NAOs podem ser utilizados para substituir orbitais atômicos oriundos da função de onda calculada por métodos teóricos descritos na Seção 1.4.1, que, em contrapartida aos NAOs, não possuem ocupância máxima localizada nos orbitais de valência, mas deslocalizada entre os orbitais de valência e orbitais de Rydberg (orbitais de “extravalência”, que têm valores de número quântico principal maiores do que os elétrons de valência). NAOs, diferentemente de orbitais atômicos convencionais que apresentam ocupância de apenas 1 ou 2 elétrons inteiros, podem apresentar qualquer ocupância não-inteira variando-se de 0 a 2 (em acordo com o princípio da exclusão de Pauli). NAOs de Rydberg não apresentam ocupância zero. A ocupância desses orbitais, contudo, é considerada baixa o suficiente (0,0001e ou menos), para serem ignorados na interpretação dos NAOs. Perceba que NAOs não devem ser confundidos com orbitais atômicos oriundos de “conjunto de bases mínima”, uma vez que estes últimos fornecem valor de energia atômica muito diferente se comparado com um “conjunto de bases completo”. NAOs, por outro lado, podem fornecer a energia exata obtida da função de onda numérica calculada por qualquer nível teórico com um conjunto de bases de qualquer complexidade.157

Quando NAOs interagem em um ambiente molecular, dois efeitos principais ocorrem. O primeiro é a transferência de elétrons na formação da ligação química, com o átomo mais eletronegativo recebendo elétrons do átomo menos eletronegativo. Como resultado, é esperado que os NAOs correspondentes

aumentem ou diminuam em tamanho com o ganho/perda de elétrons. O segundo é uma consequência da superposição de orbitais. Por exemplo, se 2 NAOs duplamente ocupados interagem, ocorre repulsão entre esses NAOs, que são então contraídos, resultando na chamada “repulsão estérica”, que contribui para o aumento da energia total do sistema e deformação da forma dos NAOs. Dessa maneira, NAOs apresentam informação química, uma vez que respondem às perturbações causadas pelo ambiente molecular.155 Assim, a carga atômica de um átomo arbitrário A, que não é um observável físico, pode ser obtida teoricamente pela soma das cargas em cada um de seus “i” NAOs:

4% ∑ 4 Eq. 7

A carga total (qT) de uma molécula então é dada pelo somatório das cargas atômicas (qA) de cada átomo (A) do sistema molecular:

45 ∑ 4% % Eq. 8

Tal procedimento para o método NBO é chamado de Natural Population Analysis (NPA).158

Na teoria NBO, NAOs se combinam para formar NHOs (Natural Hybrid Orbitals)159 por uma combinação linear de todos os NAOs. Tal procedimento é similar à formação de orbitais híbridos a partir de orbitais atômicos na TLV (Teoria de Ligação de Valência) de Pauling.160 Assim, a combinação linear dos NHOs, que foram obtidos como uma combinação linear de NAOs, formam os NBOs. Dessa maneira, um orbital NBO ligante (combinação em fase) entre dois átomos A e B (σAB) pode ser escrito como

σAB = cAhA + cBhB Eq. 9

que também origina um orbital antiligante (combinação fora de fase):

σAB = cAhA - cBhB Eq. 10

Sendo hA e hB NHOs dos átomos A e B e cA e cB os coeficientes de cada NHO para a formação do NBO correspondente. Assim, diferentemente dos orbitais moleculares convencionais, que são formados por contribuição de vários orbitais moleculares em uma molécula e, portanto, deslocalizados; NBOs são resultantes da superposição de orbitais híbridos, formados pela combinação linear dos NAOs

de apenas dois átomos e, consequentemente, são orbitais localizados apenas entre esses átomos e não deslocalizados por toda a molécula.157

Os NBOs localizados podem então interagir entre si de maneira repulsiva, se ambos estiverem preenchidos por elétrons, por uma interação de “4 elétrons e 2 orbitais” ou atrativamente, se 1 deles estiver preenchido por elétrons e o outro vacante, por uma interação chamada de “2 elétrons e 2 orbitais”. Assim, a estrutura final obtida pelo método NBO, muito embora seja representada por elétrons altamente localizados nos orbitais ligantes, que respondem geralmente por mais que 99% da quantidade de elétrons total de um sistema molecular, não é uma estrutura de Lewis exata sem possibilidade de deslocalização eletrônica. Ao invés disso, NBOs ligantes ocupados (σ ou π, por exemplo), geralmente duplamente ocupados, interagem com NBOs antiligantes (σ* ou π*) vacantes, caso haja simetria para superposição entre esses orbitais, o que gera então estabilização eletrônica, devido à deslocalização eletrônica que ocorre como consequência ao maior volume ocupado pelo par de elétrons do NBO ligante. Os orbitais resultantes da superposição de NBOs ligantes e antiligantes são chamados de NLMOs (Natural Localized Molecular Orbitals).161 Embora os orbitais extravalentes de Rydberg também sejam potenciais orbitais receptores de elétrons, os orbitais antiligantes de valência são de longe a fonte mais importante de orbitais receptores para a maioria dos sistemas moleculares. O método NBO então consegue não apenas representar a função de onda como uma estrutura de Lewis localizada, mas descrever as possíveis deslocalizações eletrônicas, que surgem devido a efeitos de, por exemplo, conjugação e hiperconjugação, quantitativamente.162

Utilizando-se o método NBO, é possível deletar todos os orbitais antiligantes de um sistema molecular. Neste caso hipotético, as ocupâncias dos orbitais antiligantes deletados são transferidas de volta para os NBOs ligantes que apresentem uma interação com estes orbitais antiligantes. Assim, obtém-se uma estrutura perfeitamente de Lewis, com uma energia associada E(L), onde hipoteticamente efeitos de conjugação e hiperconjugação não são levados em

conjugação/hiperconjugação [E(NL); NL = não-Lewis] para um sistema molecular particular pode ser obtida pela diferença entre a energia total E(T) antes da deleção dos orbitais antiligantes e após a deleção E(L), uma vez que:

E(T) = E(L) + E(NL) Eq. 11

Na realidade, E(NL) representa não apenas as energias das interações de conjugação/hiperconjugação, mas também a energia dos elétrons que porventura estivessem nos orbitais de Rydberg, uma vez que esses orbitais também devem ser deletados, para se ter o valor mais próximo possível da energia da estrutura de Lewis E(L). Além disso, E(L) pode ser utilizado como uma estimativa das contribuições dos efeitos chamados de “clássicos”, que são os estéricos e eletrostáticos, para a energia total do sistema molecular, uma vez que efeitos “quânticos” (conjugativos/hiperconjugativos) foram deletados e apenas os de origem clássica permanecem após a deleção.

Enfim, o método NBO permite uma análise rigorosa da função de onda calculada por métodos modernos de química computacional, sejam esses provenientes de métodos ab initio ou DFT. NBOs podem ser chamados de “conjunto de bases ideal para químicos” no sentido que permitem que a função de onda seja interpretada em termos de conceitos fundamentais em Química como: estruturas de Lewis, hibridização e ressonância. A partir de NAOs e NHOs, NBOs podem ser construídos e utilizados para se entender e quantificar efeitos clássicos e quânticos, que são onipresentes em sistemas moleculares. Independente do detalhamento matemático, os resultados obtidos pelo método NBO são intuitivos e fáceis de serem analisados, como será mostrado na Seção de Resultados e Discussão.