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Como mostrado na seção anterior, os compostos 1 e 2 recém-sintetizados

apresentam formação de interações CF···FC, que são indicadas como

estabilizantes/atrativas pelos métodos QTAIM e NCI. O composto 2 apresenta átomos de flúor diaxiais quimicamente não equivalentes, que apresentam uma constante de acoplamento experimental 4JFF de 29 Hz. Um valor significativamente menor da constante de acoplamento 3JFF de 14 Hz é observado para pares de átomos de flúor axiais e equatoriais e, enquanto que ~0 Hz para a constante de acoplamento 4JFF entre átomos de flúor diequatoriais. O valor alto da constante para o acoplamento 4JFF entre os átomos de flúor diaxiais é intrigante e sugere que esta é transmitida “via espaço”.

Na literatura, há evidências experimentais e teóricas, que sugerem que átomos de flúor em compostos orgânicos podem formar interações atrativas ou repulsivas.187,191-192 Contudo, assim como ligações de hidrogênio clássicas envolvendo átomos de flúor (Seção 3.3),193 tais interações CF⋅⋅⋅FC são ainda pouco entendidas. Interações CF⋅⋅⋅FC têm sido classificadas como Tipo I e Tipo II, dependendo da geometria entre as ligações C-F (Figura 19).187,188191,192193

Figura 19: Representações gráficas e classificação das interações CF···FC Tipos I e II de

acordo com a literatura e a Tipo III, discutida no presente trabalho.

No presente trabalho será analisada a constante de acoplamento 4JFF do composto 2 para elucidação da interação CF⋅⋅⋅FC observada entre os átomos de F diaxiais. Uma vez que as ligações C-F estão em uma orientação sin, esta não deve corresponder nem a uma interação do Tipo I e nem do Tipo II, mas a uma

que será aqui classificada como do Tipo III (Figura 19). O trabalho foi também estendido ao 1,8-difluoronaftaleno (3) e aos seus regioisômeros 4 e 5 (Esquema 2). Além disso, foram estudados os dímeros do CH3F, CH2F2, CHF3 and CF4 em diferentes arranjos, bem como outras moléculas que pudessem apresentar interações CF⋅⋅⋅FC intramoleculares. O trabalho aqui apresentado é discutido utilizando-se métodos como a QTAIM e o NCI e análise NBO, em conjunto com valores experimentais e teóricos de constantes de acoplamento JFF. Os procedimentos dos cálculos teóricos estão descritos em detalhes na Seção de Anexos B.

Esquema 2: Estruturas dos compostos 3-5. A interação CF⋅⋅⋅FC proposta para o regioisômero 3 é indicada.

Baseado na QTAIM, Alkorta et al.194 mostraram que átomos de flúor podem formar interações CF⋅⋅⋅FC de longa distância e encontraram uma boa correlação entre valores de constantes de acoplamento JFF experimentais e o valor da densidade eletrônica (ρ) no BCP. Por outro lado, a distância CF⋅⋅⋅FC em 1 e 2 é altamente dependente do nível teórico e do conjunto de bases utilizado (Tabelas B1 e B2 na Seção de Anexos B). Quando cálculos de QTAIM são aplicados para as geometrias de 1 e 2 obtidas em diferentes métodos e conjuntos de base (gráficos moleculares e detalhes nas Figuras B1 e B2 da Seção de Anexos B), um Bond Path (BP) referente à interação CF⋅⋅⋅FC é obtido apenas para métodos que encontram uma distância CF⋅⋅⋅FC ≤ 2,79 Å, que é a mesma distância encontrada experimentalmente por difração de raios-X. O método NCI, por outro lado, encontra interações CF⋅⋅⋅FC que são classificadas como atrativas para todos os métodos aqui aplicados (Figuras B2-B5 na Seção de Anexos B). Esses resultados, portanto, reforçam as conclusões de Lane et al.,195 que indicam que o critério da

QTAIM, que requer estritamente a formação de um BCP para se observar interação entre 2 átomos, é muito restritivo, para se inferir formação de ligação química no caso de interações fracas e de longas distâncias. O método NCI tem também sido proposto como uma ferramenta adequada para se estudarem tais interações, sendo capaz de diferenciar interações atrativas de repulsivas.196

Aplicando-se os métodos QTAIM e NCI para 3 e 4 (veja detalhes na Seção de Anexos B), a formação da interação CF⋅⋅⋅FC é predita para 3, mas não para 4 (Figura 20), mesmo que a distância CF⋅⋅⋅FC deste último seja de apenas ~2,7 Å. O valor positivo do Laplaciano no BCP da interação CF⋅⋅⋅FC obtido pela QTAIM para os compostos 1-3 (Tabela B3 na seção de Anexos B) indica que tal interação é de camada fechada para todos esses compostos, com alto caráter iônico. De fato, Osuna et al.188 encontraram, utilizando o método teórico SAPT (Symmetry-Adpted Perturbation Theory), que as interações CF⋅⋅⋅FC operantes em hidrocarbonetos fluorados são interações de camada fechada, que têm componentes de interações de dispersão e eletrostáticas.

Figura 20: Gráficos moleculares obtidos pelos métodos QTAIM e NCI para 3 e 4 (nível

MP2/aug-ccpVDZ). Ambas as metodologias indicam formação de uma interação CF⋅⋅⋅FC para 3, mas não para 4.

Com o intuito de se relacionarem as interações atrativas, preditas por NCI à estabilização ou instabilização energética, foram estudadas interações intermoleculares CF⋅⋅⋅FC em outros sistemas moleculares. Assim, foram estudados os dímeros lineares formados para os compostos CH3F, CH2F2, CH3F e CF4 (Figura 21). As PES (Potential energy surfaces) construídas para os arranjos lineares dessas moléculas indicaram que as interações CF⋅⋅⋅FC são repulsivas para os dímeros do CH3F e CH2F2, em quaisquer orientações relativas; todavia

são atrativas para os dímeros do CHF3 e CF4 (Figura 22). Esses resultados podem ser entendidos pela orientação relativa dos momentos de dipolo (µ) entre os monômeros de cada par de dímeros em alguns casos (Figura 21), mas o mesmo não é verdade para o CHF3 no arranjo para o dímero do “quelato III”, que apresenta interações CF⋅⋅⋅FC atrativas (~0,12 kcal mol-1

para o total de 3 interações CF⋅⋅⋅FC).

Figura 21: Representações geométricas para os dímeros lineares formados pelos

compostos CH3F, CH2F2, CHF3 e CF4. Orientações dos momentos de dipolo para cada

monômero são também representados.

O dímero do CH3F tem os seus momentos de dipolo orientados um contra o outro, sendo a interação mais repulsiva, em comparação com os outros dímeros (Figura 22a). Os momentos de dipolo para o CH2Cl2 no arranjo trans têm uma orientação antiparalela (Figura 21); e, embora a sua PES seja repulsiva a qualquer distância (Figura 22a), a repulsão flúor-flúor neste dímero é menos pronunciada do que no dímero do CH3F. Como esperado, baseando-se na orientação dos momentos de dipolo, a PES do dímero do CH2F2 em um arranjo cis é mais repulsiva do que este mesmo dímero no arranjo trans (Figura 22a). O dímero do CHF3 com um arranjo trans forma uma interação CF⋅⋅⋅FC atrativa, que começa à ser atrativa a partir de 2,75 Å de distância e apresenta, aproximadamente, a mesma energia de estabilização do que o dímero do CF4 em ambos arranjos cis e trans (~0,2 kcal mol-1 para a geometria de equilíbrio), cujos monômeros têm momento de dipolo igual a zero. O arranjo cis do dímero do CHF3, por outro lado,

não tem um arranjo antiparalelo dos seus momentos de dipolo (Figura 21) e apresenta uma interação CF⋅⋅⋅FC levemente repulsiva (0,01 kcal mol-1

) no nível MP2/aug-cc-pVDZ. Estes resultados indicam que os arranjos relativos dos momentos de dipolo entre os monômeros influenciam a energia de interação entre os dímeros.

Superfícies de valor constante de RDG, obtidas pelo método NCI, foram computadas para alguns dos dímeros em diferentes distâncias CF⋅⋅⋅FC (Figura B7). Foram encontradas interações atrativas para todos os dímeros aqui estudados a distância de 3 Å, incluindo-se o dímero do CH3F com sua PES completamente repulsiva (Figura 22).

a) 2,00 2,25 2,50 2,75 3,00 3,25 3,50 3,75 4,00 4,25 4,50 4,75 5,00 -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0 CH 3F CH2F2 (trans) CH2F2 (cis) CH2F2 (quelato II) Distância CF···FC (Å) E n e rg ia d a i n te ra ç ã o C F ·· ·F C ( k c a l m o l -1) b) 2,00 2,25 2,50 2,75 3,00 3,25 3,50 3,75 4,00 4,25 4,50 4,75 5,00 -0,4 -0,2 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 CHF3(trans) CHF3 (cis) CHF 3 (quelato III) CF 4 (linear) CF 4 (quelato II) CF4 (quelato III) Distância CF···FC (Å) E n e rg ia d a i n te ra ç ã o C F ·· ·F C ( k c a l m o l -1)

Figura 22: PES para (a) dímeros do CH3F e CH2F2, que apresentam apenas interações

CF⋅⋅⋅FC repulsivas e (b) dímeros do CHF3 e CF4, que apresentam interações CF⋅⋅⋅FC

atrativas (exceto para o dímero do CHF3 em orientação cis).

Em comparação às interações intermoleculares para os dímeros CX4 (X= H ou F), não é possível saber diretamente se interações CF⋅⋅⋅FC são atrativas ou repulsivas, quando elas ocorrem intramolecularmente, como nos compostos 1-3. O isômero 3 tem valor de momento de dipolo próximo ao do 4 (3,45 vs 3,43 D no nível MP2/aug-cc-pVDZ). Contudo 3 é 0,76 kcal mol-1 mais estável do que o 4 no nível MP2 [0,74 kcal mol-1 para cálculos single point no nível CCSD(T)/aug-cc- pVTZ]. Embora não seja esperado que a interação CF⋅⋅⋅FC predita para o composto 3 estabilize este em ~0,8 kcal mol-1 em comparação com 4, uma vez que o valor máximo da interação atrativa para os dímeros com arranjo “CHF3 trans” e “CF4 quelato I” é de no máximo 0,2 kcal mol-1, esta poderia, junto com o

fato de que interações repulsivas dos dipolos das ligações Cδ+-Fδ- estejam mais próximos para 4 do que para 3 (separados por 3 ligações e 4 ligações, respectivamente), apresentar contribuição para esta maior estabilidade do composto 3. Ambos os métodos QTAIM e NCI indicam que a interação CF⋅⋅⋅FC para 3 é atrativa. De fato, Matta et al. 197 mostraram, utilizando-se da QTAIM, que interações CF⋅⋅⋅FC para 3 e, para muitos outros derivados desse composto, são atrativas, mas não podem estabilizar tal isômero em comparação ao 1,5- difluoronaftaleno, que apresenta um valor de momento de dipolo igual a zero.

Contudo, recentemente, Jabłonski,198 baseado principalmente no método “open- closed”, criticou a análise QTAIM feita por Matta e indicou que a interação CF⋅⋅⋅FC, e outras interações que apresentam ambiguidades nas suas classificações como atrativas ou repulsivas, devem ser determinadas, baseando-se em métodos de mensuração de energia, como o método “open-closed” e por reações isodésmicas, ao invés da QTAIM ou outros métodos correlacionados. Além disso, Sánchez- Sanz et al.,199 publicaram um artigo recente em colaboração com Alkorta e Elguero (Alkorta e Elguero publicaram na Ref. 194, baseando-se em resultados da QTAIM, que a interação CF⋅⋅⋅FC no composto 3 é atrativa), em que eles aplicaram um novo método chamado Electron density shift (EDS), que indicou que a interação CF⋅⋅⋅FC no composto 3 é, na verdade, repulsiva.

Antes de discutir a parte energética em maiores detalhes (vide infra), vejamos a possível relação entre as interações CF⋅⋅⋅FC e as constantes de acoplamento JFF, que podem ser importantes indicadores de interações “através do espaço”. Os valores de 4JFF são 59,0 Hz e de 6,5 Hz para 3 e para o 1,3-difluorobenzeno,200 respectivamente, sendo este último uma molécula modelo para o isômero 5. Essa grande diferença, de mais de 50 Hz, é claramente relacionada à interação de longa distância CF⋅⋅⋅FC no composto 3. O valor de JFF no 1,2-difluorobenzeno, uma molécula modelo para 4, é ainda menor (aproximadamente -21 Hz),200 mas este é um acoplamento a três ligações, que pode ter um caminho de transmissão de acoplamento através de ligações covalentes. Del Bene et al.201 estudaram constantes de acoplamento nJFF, através de ligações químicas em diferentes benzenos fluorados, e mostraram que constantes de acoplamento 3JFF têm valores

grandes e negativos para os compostos estudados, como para o 1,2- difluorobenzeno, cujo valor de 3JFF é dominado pelos termos PSO (Paramagnetic spin-orbital) e SD (Spin dipole) de Ramsey.202 Em contraste, a constante de acoplamento 4JFF “pode ser positiva ou negativa e ter valor grande ou pequeno dependendo do tipo de átomos entre as ligações C-F”, como para o 1,3- difluorobenzeno, que apresenta um valor experimental de 6,5 Hz e é dominado pelo termo PSO.201 Embora o valor de 3JFF no composto 4 esteja em acordo com o 1,2-difluorobenzeno, que é sua molécula análoga, o valor do 4JFF no composto 3 não está de acordo com o do 1,3-difluorobenzeno, e, portanto, corrobora com a interpretação de que há mecanismo de transferência de interaçãp de acoplamento escalar “via espaço” operando em 3, mas não em 4. Os valores das contribuições dos termos de Ramsey para as constantes de acoplamento, que são os termos FC (Fermi Contact), SD (Spin Dipole), PSO (Paramagnetic Spin Orbital) e DSO (Diamagnetic Spin Orbital), para os compostos 3-5 são mostrados na Tabela 4.

Tabela 4: Contribuições teóricas (nível BHandH/EPR-III) para as constantes de

acoplamento nJFF obtidas para os compostos 1-5 (em Hz), e valores experimentais de nJFF

obtidos da literatura. Valores teóricos obtidos no nível SOPPA(CCSD)/EPR-III são também mostrados entre parênteses.

1 2 3 4 5 JFF 21,91 (18,88) 34,53 (28,78) 55,21 (53,48) -6,56 (-11,29) -4,97 (-1,20) FC 24,17 (20,74) 35,95 (29,98) 57,51 (51,13) 1,85 (-0,53) -3,40 (-0,94) SD 3,74 (2,79) 4,15 (3,22) -6,07 (-1,40) 22,71 (15,72) -6,96 (-2,53) PSO -6,90 (-5,59) -6,65 (-5,47) 2,82 (2,81) -31,25 (-26,62) 6,31 (3,17) DSO 0,90 (0,94) 1,08 (1,05) 0,94 (0,93) 0,13 (0,14) -0,92 (-0,91) nJ

FF exp. --- 29,0 59,0 -20,8[a] 6,5[a]

[a]

Valores de nJFF experimentais para 4 e 5 correspondem ao 1,2-difluorobenzeno e 1,3-difluorobenzeno,

respectivamente. (Valor calculado de 3JFF para o 1,2-difluorobenzeno = -13,09 Hz).

A constante de acoplamento JFF no composto 3 é dominada pelo termo FC, enquanto as de 4 e 5 são dominadas por ambos os termos SD e PSO. Esses resultados estão em acordo com interpretações da literatura, que indicam que

constantes de acoplamento JFF transmitidas “através do espaço” têm maior contribuição e apresentam valor positivo do termo FC.203 De fato, as contribuições para 4JFF do composto 3 foram previamente relatadas na literatura, cujo estudo indicou que o termo FC para 3 consiste em +75 Hz devido à mecanismo de transferência “através do espaço” e -19 Hz devido à transferência através de ligações covalentes.204

As contribuições significativamente diferentes do termo FC para os compostos 3 e 4 são intrigantes, uma vez que ambos têm valores calculados de distância CF⋅⋅⋅FC similares (2,617 Å e 2,726 Å para 3 e 4, respectivamente, no nível MP2/aug-cc-pVDZ). Entretanto, 3 tem ligações C-F paralelas, enquanto 4 apresenta uma relação angular entre essas ligações, com um valor calculado dos ângulos F-C-C de 119,5º. Assim, não apenas a distância entre os átomos de flúor é importante para se determinar o valor do acoplamento “através do espaço” em interações CF⋅⋅⋅FC, mas também a relação angular entre as ligações C-F.

Baseando-se na bastante conhecida dependência do valor das constantes de acoplamento JFF e a distância CF⋅⋅⋅FC,205 Mallory et al.206,207 propuseram a teoria de superposição de pares isolados, que indica que o mecanismo “através do espaço” para JFF em diferentes derivados do 1,8-difluoronaftaleno occore por superposição dos orbitais 2p dos pares de elétrons isolados dos átomos de flúor. Confirmado por Contreras et al.208 e Tuttle et al.,204 esse modelo tem sido usado para se entenderem não apenas constantes de acoplamento JFF, mas também acoplamentos “através do espaço” JFN e JPP.209,210 De fato, os NBOs correspondentes aos orbitais 2p dos pares de elétrons isolados dos átomos de flúor indicam que os compostos 1-3 têm considerável superposição entre estes orbitais, enquanto o composto 4 não apresenta tal superposição (Figura 23). Com efeito, a análise NJC (Natural J-coupling)211 sobre o termo FC indica que os orbitais 2p dos pares de elétrons isolados dos átomos de flúor fornecem as maiores contribuições para os valores positivos e altos dos compostos 1 (+33,82 Hz para cada par de elétrons isolados 2p dos átomos de F), 2 (+38,55 Hz para cada par de elétrons isolados 2p dos átomos de F) e 3 (+44,10 Hz para cada par de elétrons isolados 2p dos átomos de F) no nível BHandH/EPR-III. Tais

contribuições são muito menores para 4 (+8,80 Hz para cada par de elétrons isolados 2p dos átomos de F) e mesmo negativos para 5 (-16,5 e -13,2 Hz para os átomos de F nas posições 1 e 3, respectivamente).

Figura 23: orbitais NBO dos pares de elétrons isolados 2p dos átomos de F para os

compostos 1-4. Superfícies foram obtidas com um isovalor de 0,04 ua. Somente 1-3 apresentam superposição entre os pares de elétrons isolados dos átomos de F.

O modelo de Mallory pode, portanto, explicar os valores das constantes de acoplamento “via espaço”, mas não pode predizer se a interação entre os átomos de flúor é atrativa ou repulsiva.206 Como mostrado para os dímeros CH4-XFX (Figura 22), interações CF⋅⋅⋅FC podem ser tanto atrativas como repulsivas. De acordo com os resultados de NCI, as interações CF⋅⋅⋅FC são atrativas para os compostos 1-3. Façamos agora uma análise crítica desse resultado.

F

F F

F

diaxial (6a) diequatorial (6b)

4J

FF= 14,25 Hz

4J

FF= 0,03 Hz

E=1,16 kcal mol-1 ∆E=0,00 kcal mol-1

µ= 3,63 D µ= 2,49 D

Figura 24: Confôrmeros do cis-1,3-difluorocicloexano (6). Valores de 4JFF , momentos de

dipolo (µ) e energias relativas (∆E) estão indicados.

Entre os 2 possíveis confôrmeros “cadeira” do 1,3-difluorocicloexano (composto

6, Figura 24), o confôrmero diequatorial 6b é predito por ser 1,16 kcal mol-1 mais estável do que o diaxial 6a, no nível MP2/aug-cc-pVDZ, mesmo que este último

2

apresente uma interação CF⋅⋅⋅FC atrativa, como mostrado pelo método NCI (Figura 25). A maior estabilidade do confôrmero 6b é presumivelmente devido ao menor valor de momento de dipolo deste (2,49 D) em comparação com o do 6a (3,63 D). O valor calculado de JFF para 6a é de 14,25 Hz (BHandH/EPR-III), enquanto é praticamente zero (0,03 Hz) para o 6b, mesmo que este último apresente uma geometria em “W” para as ligações F-C-C-C-F.

(a) (b)

Figura 25: (a) Gráfico molecular obtido por NCI para o 1,3-difluorocicloexano diaxial (6a).

Valor de RDG = 0,5 ua e escala azul-verde-vermelho variando de −0,02 < sinal(λ2)ρ < +0,02 ua no nível MP2/aug-cc-pVDZ. (b) Gráfico de RDG vs sinal(λ2)ρ para 6a.

Reações isodésmicas podem indicar energias de estabilização/desestabilização para interações não-covalentes e são comumente utilizadas na literatura para este propósito.180 A reação isodésmica (1) para a formação do 6a à partir de 2 monofluorocicloexanos (Esquema 3) pode ser adequada para se quantificar a interação entre os átomos de flúor axiais. Essa reação é fortemente endotérmica, com +2,83 kcal mol-1 de energia no nível MP2/aug-cc-pVDZ, o que indica que a interação CF⋅⋅⋅FC no 6a é repulsiva, o que está em aparente contradição com os resultados NCI. O mesmo foi encontrado para a formação do 3 através da reação isodésmica (2), que é predita por ser endotérmica por 3,69 kcal mol-1. Enquanto parte desta aparente desestabilização pode ser novamente devido aos maiores valores de momento de dipolo dos produtos difluorados em comparação com os reagentes monofluorados, este não deve ser o principal fator neste caso, uma vez que os momentos de dipolo totais ao longo das reações, isto é, a soma de ambos os lados da reação, são praticamente invariáveis (veja Esquema 3). A esperada repulsão dipolar entre as ligações C-F (Tipo III na Figura 19), parece ser a

responsável pelas endotermicidades dessas reações isodésmicas. O mesmo foi encontrado para o isômero 4 [equação (3) no Esquema 3], cujas reações isodésmicas reproduzem as energias relativas entre os isômeros 3 e 4 muito bem; compare, por exemplo, as diferenças entre os valores de ∆E dados entre parênteses no Esquema 3 (∆∆E = 3,81 - 2,96 = 0,85 kcal mol-1) com a energia calculada de 0,76 kcal mol-1. Assim, a maior desestabilização do isômero 4 em comparação ao 3 pode estar relacionada com a maior proximidade das ligações C-F neste primeiro isômero.

Esquema 3: Reações isodésmicas para os compostos 3-6. Energias (em kcal mol-1) e momentos de dipolo (µ) obtidos no nível MP2/aug-cc-pVDZ são também indicados. Valores de ∆∆E são relativos ao composto 5 e são indicados entre parênteses.

Que o composto 4 é menos estável que o 3 devido a interações eletrostáticas e que a interação CF⋅⋅⋅FC no composto 3 é de fato repulsiva, como indicado pelas reações isodésmicas, é apoiada pela análise NBO (vide

infra). Em similaridade com os resultados NBO que serão apresentados, Weinhold et al.212 mostraram, por meio do método NBO, que, contrário a resultados obtidos por QTAIM, interações do tipo CH⋅⋅⋅HC no cis-2-buteno e derivados são repulsivas ao invés de atrativas. Com efeito, aplicando-se o método Natural Steric Analysis (NSA)213 para o composto 3, nós encontramos que a superposição dos pares de elétrons isolados 2p dos átomos de flúor (interação nF → nF) é repulsiva em 0,93 kcal mol-1 no nível B3LYP/aug-cc-pVDZ e 0,88 kcal mol-1 no nível HF/aug-cc-pVDZ (o método NSA não pode ser aplicado para o método MP2 ou outros métodos pós-Hartree Fock)213 e que é inexistente ou menor do que 0,1 kcal mol-1 para os compostos 1, 2 e 4. Por outro lado, a análise Natural Coulomb Electrostatic (NCE), que fornece a energia potencial eletrostática, utilizando-se cargas Naturais aplicadas na equação clássica de Coulomb (ENCE = ΣA,BQAQB/RAB), indica que 4 tem energia eletrostática menos negativa (ENCE = -160,0 kcal mol-1) em comparação com 3 (ENCE = -231,1 kcal mol-1) e com 5 (ENCE = -244,9 kcal mol-1) e, consequentemente, sofre as repulsões eletrostáticas mais fortes; o que está em acordo com a maior proximidade das ligações δ+C-δ-F em 4. De maneira semelhante, a análise NRT (Natural Resonance Theory)214 indica que a ordem de ligação CF⋅⋅⋅FC em todos os compostos 1-5 é zero. Assim, o método NBO indica que 3 deve ser mais estável que 4 devido a interações eletrostáticas, ao invés de interações CF⋅⋅⋅FC atrativas em 3.

É também bastante conhecido na literatura que os deslocamentos químicos (δ) de átomos de 19

F são blindados caso o átomo de flúor analisado participe de interações atrativas e desblindado no caso de participar de interações repulsivas, quando este está em posição ipso em anéis de naftaleno.215 O Esquema 4 compara os valores experimentais e teóricos (BHandH/6-311+G**) de δ do composto 3 com os do 1-flúor-naftaleno e 1-flúor-8-metilnaftaleno. Os valores experimentais e teóricos estão em boa concordância, apresentam a mesma tendência nos valores de δ e ambos indicam que 3 apresenta átomos de flúor mais desblindados que o átomo de flúor no 1-flúor-naftaleno, que tem um átomo de H em posição ipso com o átomo de flúor, mas mais blindados que

o átomo de flúor no 1-flúor-8-metilnaftaleno e, consequentemente,215 que os átomos de flúor no composto 3 interagem repulsivamente um com o outro.

[a]

Obtido da referência215

[b] Obtido da referência216

[c] Obtido pela diferença entre o tensor blindagem do átomo de 19F calculado para o CFCl 3

e dos derivados do naftaleno.

Esquema 4: Deslocamentos químicos experimentais do 19F (δF) obtidos em CDCl3 e

valores teóricos obtidos no nível BHandH/6-311+G** sobre geometrias otimizadas em