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Desarmamento na América do Sul

No documento O governo Bernardes e a Liga das Nações (páginas 52-55)

CAPÍTULO 2 SEGUNDA FASE DA REPÚBLICA VELHA

2.4 A Missão Militar Francesa e a questão desarmamentista

2.4.3 Desarmamento na América do Sul

A posição assumida pelo Governo brasileiro na Liga das Nações também é retomada na agenda regional com os vizinhos americanos. Às vésperas da Conferência de Santiago, o Brasil tenta realizar uma conferência preliminar em Valparaíso entre Argentina, Brasil e Chile, excluindo os demais países, para discutir a questão dos armamentos e expor a difícil realidade de aplicar uma regra invariável e única a países em condições geográficas tão desiguais. Na visão

168 A SOCIEDADE das Nações. Exposição lida na Sociedade Brasileira de Direito Internacional pelo seu presidente

brasileira, interessa expressamente a essas três nações chegar a uma solução definitiva sobre a questão armamentista, uma vez que são os países mais importantes na esfera militar do continente sul-americano. Todavia, uma campanha é feita contra o Brasil na imprensa colocando-o numa situação delicada, pois ele é acusado de aspirar uma hegemonia no continente e estimular uma política armamentista e militarista. O não apoio à tese brasileira, em fazer uma conferência preliminar, mostra certo isolamento brasileiro no continente. Um outro ponto que merece a atenção do Brasil se refere à tese XII, inscrita na agenda da Conferência de Santiago pelo Chile, que propõe a “adoção de uma convenção destinada a reduzir, a uma proporção igual, os gastos militares e navais.”169 Porém, essa proposta malogra, pois a Argentina recusa a idéia justificando que tal atitude pode trazer conseqüências desagradáveis para os países vizinhos.170

Assim, é realizada a 5ª Conferência Internacional Americana sem acontecer, à priori, a reunião preliminar que o Brasil tanto defendeu. Apesar da tensão na conferência ser mantida e de ser insuflado na imprensa que o Brasil anima as paixões nacionalistas, a Conferência tem um resultado positivo. É elaborado o Tratado de Gondra171 que prevê um mecanismo institucional para regular pacificamente os conflitos entre os países latino-americanos e resolver as questões relativas à limitação dos armamentos. O princípio de tal tratado é classificado por Bernardes como “um começo de efetivação prática do ideal pan-americano”.172

O Brasil pretende guardar uma “harmonia de ação na América e na Europa”, tendo como norteador para seus argumentos o artigo 8º do Pacto da Liga. Bernardes ressalta a importância desses dois sistemas, a América e a Europa, pois é dentro deles que “se desenvolve neste momento toda a vida internacional do universo.”173 Por essa razão, o Brasil ataca a exclusividade dos tratados gerais e ressalta a importância dos acordos regionais,174 como este realizado na

169 GARCIA, 2003, op. cit., não paginado. 170

Ibid., p. 236-247.

171 “Quando o resto do mundo ainda procura e acha difícil encontrar um meio idôneo de prevenir a calamidade da

guerra, e a própria Liga das Nações, nesse nobre afan, que tanto devemos acoroçoar e aplaudir consegue apenas esboçar um projeto de tratado de garantia mútua, esbarrando nas dificuldades suscitadas pela questão, muito grave e muito delicada para as grandes potências, mas um pouco irrelevante, ao rigor, sem grande significado para as nossas Repúblicas, da redução e limitação dos armamentos, as três Américas encaram de frente o árduo problema e o resolvem a contento com o Tratado Gondra”. O Brasil é o primeiro país a ratificar o Tratado, a Argentina não o ratifica impossibilitando-o de entrar em vigor. APM. Belo Horizonte, 1924. p. 84-85. (Mensagens Presidenciais).

172

Ibid., p. 84.

173 Ibid., p. 84-85, p.87.

174 Entendimentos e tratados entre as chancelarias dos países interessados. Exemplo: Preliminar de Valparaízo e

Conferência de Santiago.175 O Tratado de Assistência Mútua, por exemplo, na opinião brasileira, não consegue eficazmente “impedir diretamente a guerra ou limitar a competição em armamentos” e nem “fazer a redução de armamentos em proporção à assistência oferecida.”Melo Franco faz uma crítica também à Conferência de Saint Germain mostrando, “com argumentos de ordem técnica, as falhas do sistema projetado” para o ponto de vista continental e a “desnecessidade do referido sistema, em vista da aprovação por 16 nações americanas do tratado Gondra,”176 inclusive com a participação dos Estados Unidos. Assim, somente uma série de acordos particulares pode remediar esse problema que “corresponde a hipóteses definidas e que interessa inicialmente a um número limitado de Estados”. A conclusão prática é que “conviria combinar os acordos particulares com as obrigações gerais”, ou seja, enquadrar os tratados regionais nos princípios da Liga das Nações e tomar o que a solidariedade internacional pode oferecer com o Pacto da Liga complementando sua insuficiência com os tratados regionais. É mister, portanto, aplicar tratados gerais e particulares e não um exclusivo.177

Para finalizar as relações do Brasil com seus vizinhos latino-americanos surgem algumas questões que merecem ser evidenciadas. O contato com os vizinhos americanos faz ressaltar as particularidades do país, seja nas questões culturais, políticas ou até mesmo sociais. Além disso, a grandeza territorial do Brasil e seu aumento de terras, através das negociações fronteiriças, colocam o país numa posição de privilégio. Essa situação deixa a Argentina em estado de alerta. Outro motivo que faz com que a Argentina veja o Brasil como um rival em potencial é a decisão do governo brasileiro de desenvolver sua potência militar naval e manter a política de aprimoramento militar. Essa decisão pode alterar o equilíbrio de poder na região. Ao mesmo tempo, ainda existe a promoção brasileira no sistema internacional, como sua forte presença na Liga das Nações e, também, seus vários contatos internacionais através da criação de Embaixadas. O quadriênio Bernardes é marcado pelo aumento das representações diplomáticas no Brasil, confirmando o estreitamento das relações internacionais no pós-guerra. Bernardes define esse momento como um “sintoma da crescente importância do Brasil no concerto político das nações”. Assim, verifica-se a elevação à categoria de embaixada de várias delegações credenciadas no Brasil, como as da República Argentina, Japão, México, Chile e Argentina, Áustria, Egito, São

175

Brasil já assinou Gondra, consequentemente superfluidade para a América um Tratado Garantia Mútua. AHI. Rio de Janeiro, 1924. (Cx. 274/3/5).

176 APM. Belo Horizonte, 1925. p. 33-34. (Cx. 119, AB-PR, 1923-04-09/1925-11-20). 177 AHI. Rio de Janeiro, 1923. (Cx. 274/2/2).

Domingos etc. Nos anos 20, o número de embaixadas é elevado a 34 no total.178 Esses fatores deixam as relações entre Brasil e Argentina num patamar de tensão no que se refere ao equilíbrio continental, além de uma luta de egos entre os dois países.

No documento O governo Bernardes e a Liga das Nações (páginas 52-55)