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O Tratado de paz e a formação da Liga das Nações

No documento O governo Bernardes e a Liga das Nações (páginas 95-100)

CAPÍTULO 4 O SURGIMENTO DA LIGA DAS NAÇÕES E A PARTICIPAÇÃO

4.3 O Tratado de paz e a formação da Liga das Nações

Vários planos e projetos surgem para estabelecer a estrutura e a constituição geral da Liga das Nações. Entretanto, nenhum trabalho preparatório oficial é feito nos primeiros momentos. Quando Wilson chega à Europa, no pós-guerra, percebe que há tido pouco progresso na Conferência da Paz. Nesse meio tempo surge a publicação do General britânico Smuts, The

League of Nations: a Practical Suggestion. Essa obra começa a desenhar as intenções do

funcionamento da Liga que deve ser:

Não somente um meio possível de prevenir as guerras futuras, senão, ainda mais, como um grande órgão da vida pacífica da civilização, como o suporte de um novo sistema internacional que será erguido sobre as ruínas dessa guerra. A maior oportunidade na história se achará mediante o maior passo a frente no governo do homem. [...] a Sociedade não deve ser algo adicional, algo externo, superposto à estrutura preexistente. Deve ser uma mudança orgânica, deve estar erguida com a mesma estrutura de nosso sistema político.28

Em resumo, de suas palavras infere-se que a Liga deve ter uma atividade dinâmica e contínua. As intenções de “salvaguardar a paz, organizar e regular a crescente rede de assuntos internacionais” é a base de elaboração do Pacto da Liga, que deve “ser o grande centro internacional a que todo Estado possa acudir para conselho e ajuda.”29 Ela tem por finalidade “manter a paz e a justiça internacional por meio de um mecanismo de segurança coletiva.”30

28 WALTERS, op. cit., p. 44-45. 29

Ibid., p. 46.

30 BARACUHY, Braz. Vencer ao perder: a natureza da diplomacia brasileira na crise da Liga das Nações (1926).

Brasília/DF: FUNAG, 2005. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado, Instituto Rio Branco, 2003. p. 33.

As negociações de paz31 vão, então, prosseguindo e abordando discussões relativas a diversos assuntos desde questões territoriais, até a organização do Pacto da Liga das Nações.32 Em 25 de janeiro de 1919 reúnem-se em Paris dirigentes de 32 países para assinar o Tratado de Versalhes. Este armistício de paz em suas 440 cláusulas trata, dentre outras coisas, das reparações de guerra, desarmamento e segurança, indenizações e da criação da Liga das Nações. Alguns autores como Keynes, por exemplo, critica o tratado por ter se “afastado demasiado” dos 14 pontos de Wilson.33 Versalhes não consegue produzir uma estrutura estável no continente, o que acaba multiplicando as áreas de tensão e os atritos. O presidente americano, todavia, rebate a constatação de Keynes afirmando que a Liga das Nações corrigirá as imperfeições e compensará os erros do Tratado de Versalhes. Há, nesse sentido, uma preocupação quanto à instauração desse tratado de paz, principalmente no que se refere à Liga das Nações. Prova disso é a declaração de Clemenceau no dia da assinatura do armistício: “vencemos a guerra, agora, temos que vencer a paz e isso pode ser mais difícil.”34 Como o Pacto da Liga das Nações é parte integrante do Tratado, a Sociedade só começa a funcionar quando o Tratado entra em vigor. Isso ocorre, enfim, em 10 de janeiro de 1920, data inaugural da Liga. A partir desse momento, o mundo tem um “órgão protetor” de personalidade internacional que vem “traçar a rota jurídica a seguir na órbita internacional.”35

Diferentes propostas são feitas para a implementação do Pacto. Dentre elas encontra-se a de Léon Bourgeois, que defende uma organização militar na Liga das Nações para casos

31 Perceber que quem participa oficialmente dessas negociações na elaboração dos tratados são as potências aliadas.

Estas não permitem que os vencidos e neutros façam parte, a não ser para expressar sua opinião e ponto de vista em reuniões informais. O Brasil envia três representantes para participar das negociações, graças ao apoio dos Estados Unidos, com o argumento que o país possui muitos imigrantes alemães, então sua participação é imprescindível. Já na Conferência, os representantes brasileiros notam a diferença de papel das grandes e pequenas potências.

32 Em relação à Liga das Nações chegam ao seguinte acordo: “1) É essencial para manter a estabilidade do mundo

que as Nações associadas estejam agora reunidas para estabelecer a criação de uma Sociedade das Nações para promover a cooperação internacional, para assegurar o cumprimento das obrigações internacionais acertadas e para prever salvaguardas contra a guerra. 2) Esta Sociedade deve ser criada como parte integral do Tratado de Paz geral e deve estar aberta a todas as nações civilizadas, as quais podem confiar nela para promover seus objetivos. 3) Os membros da Sociedade devem reunir-se periodicamente em uma conferência internacional e devem ter uma organização permanente e um secretariado para levar a cabo os assuntos da Sociedade nos intervalos entre as Conferências. A Conferência, portanto, nomeia um Comitê representativo dos governos associados para trabalhar nos detalhes da constituição e das funções da Sociedade. WALTERS, op. cit., p.48-9.

33 Cf. KEYNES, John Maynard. As conseqüências econômicas da paz. Brasília/DF: Ed. UnB, 2002. passim. 34 HENIG, Ruth. Versailles and after 1919-1933. New Work: Lancaster Pamphlets, 1995. p.15.

eventuais.36 A proposta é negada de imediato por potências como Inglaterra e Estados Unidos. Um anteprojeto é também apresentado, inclusive, no Parlamento alemão, pelo deputado Erzberger, que discute questões referentes à liberdade dos mares, armamentos, estrutura da Liga e, por certo, considera a presença da Alemanha neste órgão. Esse projeto, todavia, nem é levado em consideração pelos idealizadores do Pacto mesmo porque a Alemanha não faz parte da cúpula organizacional. Por conseguinte, é aprovada a tese inglesa que levanta o pressuposto de que a Liga terá apenas uma força moral para atender aos problemas internacionais não estando dotada, portanto, de autoridade legal nem recursos militares para fazer efetiva sua autoridade. Assim é desenhada a primeira imagem de como funcionará essa nova organização internacional. Vários outros aspectos entram em pauta nas discussões referentes à estrutura organizacional da Liga. Mas antes de entrar nesse debate há ainda outras questões que devem ser ressaltadas relativas às dificuldades iniciais de se concretizar o Pacto.

As previsões iniciais de Grey, de que a colocação em prática de um ideal enfrenta em seu percurso muitos obstáculos, parece se confirmar no caso da Liga das Nações. Nos Estados Unidos, país do homem precursor do ideal da Sociedade, os ventos começam a soprar contra suas idéias. Iniciam-se no Congresso americano as eleições e Wilson, tentando angariar votos para seu partido, discursa pedindo ao povo que vote por uma maioria democrata a fim de facilitar as negociações e apoiar o plano de paz. Esse fato indigna os republicanos, que acreditam que Wilson está se aproveitando da situação para influenciar a votação interna do país. O resultado final das eleições é uma vitória para o Partido Republicano e uma derrota para Wilson. Como resultado, é formada nos Estados Unidos uma campanha contra a Sociedade das Nações feita por seus opositores que defendem “uma política de afastamento dos perigos e misérias da Europa.”37 A autoridade de Wilson está, paulatinamente, sendo minada. Sob esse aspecto, parece que o mundo e, especialmente, a Liga das Nações perde o apoio do país que será o grande destaque nas relações internacionais no pós-guerra.

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Essa orientação tem explicação na constante rivalidade geopolítica entre França e Alemanha, por isso a preocupação dos franceses em constituir uma organização forte para fiscalizar atos e restabelecer o direito quando violado.

Com efeito, as críticas contrárias à assinatura do Tratado vão ganhando força e o senado americano acaba reprovando o acordo.38 Dessa maneira, os Estados Unidos abandonam a recém criada Sociedade das Nações e mantêm seu isolamento e sua recusa em assumir compromissos coletivos, fundamentalmente pelo fato desse país ter consciência de sua força individual. Essa consciência se deve pelo ensejo do pós-guerra em sublinhar uma nova distribuição de poder com destaque para o país americano. A não presença dos Estados Unidos na Liga revela que os interesses da política interna ainda são mais acentuados que a dedicação a um plano de ordem internacional em prol da paz. Os reflexos da atitude norte-americana fazem-se sentir por toda a história da Liga. Num primeiro momento, geram insegurança e insatisfação entre alguns membros em relação à eficácia que a Liga pode produzir. Não somente perde força política, mas a capacidade da Liga em proteger seus membros em tempo de guerra parece ter decaído, além dos recursos financeiros que essa nação poderia fornecer à organização. A longo prazo, os reflexos são percebidos, inclusive no Brasil, que sente a falta da representação permanente de um país americano no Conselho de Segurança e, por essa razão, formula a hipótese de substituição dos Estados Unidos enquanto este estiver fora39.

Alguns outros países também colocam empecilhos ao assinar o Tratado de Versalhes tardando, por conseqüência, o início das atividades da Liga. A Alemanha está entre esses países, pois, em princípio, demanda que seja oferecido um lugar para ela na Sociedade das Nações como prova da reconciliação entre os beligerantes. Wilson e Clemenceau consideram a hipótese, mas afirmam que essa nação deve primeiro demonstrar “mudança de atitude” para merecer fazer parte de uma organização tão sublime. Essa mudança de atitude significa para Wilson “desenvolver uma democracia efetiva” e para Clemenceau “levar a cabo o estipulado no Tratado”.40 Esse fato evidencia que a candidatura alemã a membro da Liga é uma hipótese futura aceitável e, até certo ponto, planejada; sendo apenas uma questão de tempo.

38 Os motivos pelos quais os EUA não ratificam o Pacto são: Os EUA possuem menos votos que a Inglaterra em

função dos domínios e colônias desta última; o Pacto contraria a tradição norte-americana de não imiscuir nos assuntos europeus; os EUA não desejam comprometer-se militarmente com a defesa da integridade territorial e da independência política dos membros da Liga; tampouco querem participar de boicotes e bloqueios pacíficos decretados pela Liga, guardando para si o direito de decidi-lo soberanamente. VASCONCELOS, Rui Pinheiro. A

retirada brasileira da Liga das Nações. 1993. 61 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) -

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993. p.11.

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Melo Franco sugere a fórmula pela qual o Brasil ocuparia o lugar dos Estados Unidos e a Espanha o da Alemanha. A Espanha reage de maneira negativa à essa sugestão e então o Brasil muda sua afirmativa colocando a Espanha como um representante dos países hispano-americanos. Assim, formaria na Liga dois grupos étnicos.

A grande oposição à entrada da Alemanha na Liga das Nações é a França. Desde o início das reivindicações alemãs, a França já se opunha abertamente a essa entrada. As rivalidades entre os dois países datam de bem antes, girando em torno de questões relativas ao poder. A geopolítica explica bem essa situação, pois o que está em jogo são fatores de fronteiras e domínio de territórios. Por conseguinte, está embutido nesses dois aspectos o apoio estratégico que cada uma das partes necessita para um equilíbrio de forças. O poder dirigido pela França compõe-se, principalmente, da Polônia, da Bélgica e da chamada pequena Entente, isto é, Tcheco - Eslováquia, Romênia e Iugoslávia. Com o apoio desses países, a França espera precaver-se contra o ressurgimento do poderio alemão. A Alemanha, apesar das reparações e dos obstáculos ao rearmamento, ainda pode ser considerada uma potência. Seu território não fora atingido pela destruição da guerra e a preservação da região de Ruhr, rica em recursos minerais, confere-lhe a possibilidade de uma rápida recuperação a médio prazo.

A Inglaterra é o principal país a intermediar as relações franco-alemãs com o único objetivo de conter a França nas questões referentes à Alemanha, uma vez que “uma Alemanha extremamente fragmentada pode alterar o equilíbrio de poder europeu em favor do franceses”. Assim, quando o Governo francês ocupa militarmente a região de Ruhr, em 1923, os ingleses não demoram a protestar iniciando “as gestões” no sentido de promover um acordo entre as duas partes41. As tentativas de entrada na Liga por parte da Alemanha são rejeitadas, principalmente pela França. Esse fato demonstra que a Liga é uma organização dos vencedores, ao invés de um instrumento imparcial de cooperação. As oposições dos dois países vão dominar ainda todo o ambiente da Liga das Nações, como será visto posteriormente, principalmente nos debates sobre o alargamento do Conselho de Segurança, nos quais a França usará de todas as artimanhas para garantir apoio estratégico às suas reivindicações e minar, por conseguinte, as ambições alemãs.

Não obstante, apesar do mal-estar que a não ratificação americana causa ao mundo, superado alguns dos percalços iniciais e decididas questões primordiais como a não presença da Alemanha na Liga, os idealizadores do projeto, até mesmo pela força da opinião pública e da imprensa que apóiam esse projeto, levam adiante a idéia da Sociedade das Nações e tomam fôlego para definir o aprimoramento da estrutura e funcionamento da Liga das Nações.

No documento O governo Bernardes e a Liga das Nações (páginas 95-100)