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Movimentos de esquerda

No documento O governo Bernardes e a Liga das Nações (páginas 62-66)

CAPÍTULO 3 O QUADRIÊNIO DE 1922 A 1926

3.1 Movimentos de esquerda

Desde 1870 os proletários pensam em formar organizações nacionais freados, entretanto, por uma série de fatores como divergência teórica e tática, falta de integração nas comunicações, distâncias geográficas, etc. Algumas dispersas greves operárias ensaiam seus protestos no cenário político nacional, mas somente ganham visibilidade com a greve situada em São Paulo em 1917 que reúne 50.000 trabalhadores.20 Em 1922 essa articulação começa a se evidenciar com mais força devido à formação do Partido Comunista Brasileiro (PCB). As graves crises internas ocasionadas pelos problemas ligados à agricultura, à exploração capitalista, à opressão da massa popular e ao monopólio econômico e político da classe dominante levam à aglutinação desse partido. Essa agitação representa uma progressiva participação na vida política por parte da massa popular brasileira.

Dentre os fatores internacionais que influem a criação do PCB está, especialmente, a Revolução de 1917 na Rússia.21 Um dos motivos que leva a essa revolução está inserido no multifacetado cenário da Primeira Guerra Mundial que gera desastrosas conseqüências ultrapassando todas as fronteiras e espalhando uma insatisfação geral. A reação dos segmentos sociais que são vítimas de uma ordem que sufoca seus objetivos, se manifesta na concretização de ideologias de esquerda gerando conflitos e mais violência. Essa insatisfação pode ser vista no Brasil na grande legião de operários sem trabalho, acompanhado por uma carestia sem igual do custo de vida, deflagrando, além das crises internas, dificuldades de caráter externo.

As informações iniciais no Brasil sobre a Revolução na Rússia são ainda muito precárias e distorcidas. Muitos chegam a confundi-la com o anarquismo. Somente com a fundação do partido comunista brasileiro é que as coisas começam a clarear. Não se pode perder de vista, entretanto, que o limite de ação do partido, nos primeiros anos de sua formação, é estreito e que a propaganda entre os operários não detém tanta eficiência. Além disso, o partido comunista tem de travar uma luta, principalmente contra o anarquismo, a fim de esclarecer e diferenciar seus ideais. Apesar dessas dificuldades, pode-se afirmar que as notícias no Brasil sobre a Revolução Russa

20 BREDA DOS SANTOS, Norma. Le Brésil et la Société des Nations. 1996. 269f. Tese (Doutorado em Ciências

Políticas) – Universidade de Genebra, Genebra, 1996. p. 61.

21 A permanência da Rússia na guerra agrava a situação interna do país abrindo espaço para a manifestação dos

bolcheviques. A revolução decreta reforma agrária, nacionalização das grandes indústrias e bancos e ainda propõe a paz imediata. O Ocidente, para conter a revolução, cria um cordão sanitário. VIZENTINI, Paulo Fagundes.

encontram um ponto a seu favor, uma onda de protestos operários, como a greve geral em São Paulo em 1917.

Dessa maneira, o Partido começa a atuar editando a mensagem do Movimento Comunista no Rio de Janeiro e explanando suas intenções:

Com referência à organização partidária, desejamos e preconizamos a união, solidamente baseada num mesmo programa ideológico, estratégico e tático das camadas mais conscientes do proletariado. As experiências próprias e alheias nos aconselham unidade de concentração de esforços e energias, tendo em vista coordenar, sistematizar, metodizar, a propaganda, a organização e a ação do proletariado.22

Assim, de maneira bem tímida, começam a surgir protestos no país como, por exemplo, o Manifesto de 30 de abril de 1925 no Rio de Janeiro que conclama os proletariados a se unirem pela paz e “recusarem aos governos dos países em guerra o direito de perturbar a vida internacional.” Continua o Manifesto: “Nós queremos uma paz real, uma paz estável, uma paz baseada numa efetiva solidariedade internacional das classes trabalhadoras.” Por fim, o Canto internacional chama os trabalhadores à ação: “Façamos nós por nossas mãos tudo que a nós nos diz respeito!”23 Percebe-se, nesses discursos, que a questão da paz nesse momento é um fato que preocupa tanto organizações, quanto Estados, afinal razões não faltam para tal apreensão.

O Partido Comunista Brasileiro realiza alguns congressos no país a fim de divulgar e disseminar seus ideais. Há, ainda, no partido uma tendência a expor a contradição “agrarismo

versus industrialismo” nas disputas do imperialismo no Brasil. Além disso, o partido solicita sua

filiação à Internacional Comunista sendo aceito, em princípio, “como simpatizante.”24

A conseqüência do surgimento dessa corrente ideológica no Brasil é uma intensa campanha anticomunista travada, especialmente, no Governo de Artur Bernardes. Com a expansão da imprensa, o governo consegue estimular uma campanha contra a propagação dessas idéias socialistas e difundir o nacionalismo. A repressão interna é evidente, somada aos alarmes externos nos quais os países intensificam a cooperação policial e a troca de informações - veja a importância das relações internacionais para ajustar a política interna. Outra conseqüência vindoura do crescimento da esquerda é o intenso controle de vistos a imigrantes vindos do leste

22

CARONE, 1969, op. cit., p. 212.

23 Ibid., p. 187-210.

24 GARCIA, Eugênio Vargas. Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920. Brasília/DF:

europeu e da Rússia25. O interessante a se observar nesse momento é que enquanto o Brasil promove uma política de seleção de estrangeiros, existe na Liga das Nações um Comitê organizado para dar passaportes aos refugiados russos. Assim, a preocupação dos representantes brasileiros na Liga é se deve “aceitar tais passaportes e quais as providências que devem ser tomadas para evitar decepções comunistas.”26 Esse ponto é mais uma contradição da República e do Governo Bernardes uma vez que enquanto a Liga clama pela cooperação e solidariedade, o Estado brasileiro adota medidas rigorosas tendentes a diminuir os direitos dos estrangeiros e barrar a entrada no país. O Brasil está mais uma vez diante de uma situação delicada perante a Liga.

Não se pode também negar o fato de o Governo Federal “perder o controle da imigração” e muitos dos italianos presentes no Brasil “pegar em armas e formar batalhões” a fim de auxiliar os acontecimentos em São Paulo.27 Como conseqüência, Artur Bernardes manda expedir um telegrama circular aos cônsules “proibindo-lhes que visem passaportes de imigrantes.” Mas como São Paulo tem “grandes necessidades de braços não tarda em reclamar a revogação dessa determinação.” Contudo, essa atitude não afasta o receio de que a “questão se complique ainda mais e venha a dificultar,” caso o “Governo de Mussolini teime em querer fazer o Brasil responsável pelas mortes e prejuízos sofridos pelos italianos durante a rebelião paulista.”28

O processo de expulsão dos “estrangeiros indesejáveis” é, ainda assim, bastante utilizado, baseado na Lei Adolfo Gordo, de 1907, que procura conter a “ação de imigrantes anarquistas e anarco-sindicalistas em greves operárias”. A fim de garantir a ordem pública em razão de alguns indivíduos se “comportarem de maneira perniciosa e serem expulsos de seus país devido seu espírito rebelde e pela falta de ocupação lícita,”29 especialmente depois da grande guerra, é criado o decreto legislativo 4.247 de 6 de dezembro de 1922 para regular a entrada de estrangeiros em território nacional. Outras providências ainda são tomadas como o decreto 16.761, de 31 de dezembro de 1924 que confere à Diretoria de Povoamento “novos e mais amplos poderes e

25 Muitos desses imigrantes vêm para o Brasil fugindo do regime bolchevista ou são refugiados da guerra civil que

foi travada na Rússia.

26 APM. Belo Horizonte, 1926. (Cx. 120, AB-PR, 1926-01-12/ 1926-09-09).

27 Uma corrente de imigrantes vem para o Brasil no final do século XIX e nos primeiros decênios do século XX para

trabalhar nas terras do café. Os imigrantes também são importantes para a ocupação de terras despovoadas proporcionando uma integração territorial, principalmente, nas regiões estratégicas – de regiões fronteiriças.

28 AHI. Rio de Janeiro, 1925. (Cx. 274/2/13). 29 BREDA DOS SANTOS, 1996, op. cit., p.122.

encargos, no sentido de tornar mais eficientes a fiscalização da entrada de imigrantes no território nacional.”30

Para entender essa estratégica de expulsão dos “desclassificados da modernidade” e dos “agentes patológicos importados que ameaçam contaminar o tecido social”31 utilizar-se-á como referência as análises de Bauman sobre a Modernidade. O autor faz uma classificação entre ordem e caos com o intuito de separar esses dois atributos a fim de eliminar tudo que venha a perturbar a ordem. A nova sociedade moderna percebe que o Estado soberano é o responsável por manter a ordem, uma vez que ela não é natural nem espontânea. O Estado tem, assim, o poder de “definir, produzir, manipular e administrar” a bifurcação ordem versus caos. A sociedade, racionalmente planejada, deve dividir a população em “plantas úteis a serem estimuladas e cuidadosamente cultivadas e ervas daninhas a serem removidas ou arrancadas” negando, para os últimos, o direito de autodeterminação. A ordem torna-se “sinônimo do poder, de controle e repressão da alteridade existente”.32

É com esse sentido que procura o Estado brasileiro descartar e afastar tudo que possa perturbar a ordem33 - a restrição aos imigrantes ligados ao comunismo representa uma faceta desse controle social. Artur Bernardes, durante seu governo, utiliza-se de vários meios para controlar o caos. O domínio narrativo, na opinião de Bauman, é o que determina quem são os inimigos e Bernardes detendo o controle desse meio, principalmente através da Lei da Imprensa, que controla as notícias e informações, pode manipular o discurso de acordo com seus interesses imediatos. Com efeito, há uma limitação do princípio da liberdade pessoal. Essa limitação pode ser através do controle dos meios de comunicação, da restrição da entrada de imigrantes indesejáveis ou da pressão contra qualquer elemento que venha destituir a ordem. Dessa maneira, o Governo garante sua autoridade e tenta manipular o desenvolvimento social, fomentando a coesão e homogeneizando o corpo social de maneira que prevaleça a auto-afirmação da ordem e o controle do caos.

Um último ponto que merece ser destacado no que se refere aos movimentos de esquerda é a tentativa da Liga das Nações, por meio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de

30 APM. Belo Horizonte, 1926. p. 248. (Mensagens Presidenciais). 31 GARCIA, 2006, op.cit., p. 514.

32

Cf. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. passim.

33 Estrangeiros, idosos, pessoas ociosas, homossexuais, prostitutas e jovens rebeldes, todos esses elementos se

regular as relações de trabalho de modo a melhorar suas condições e com isso tentar eliminar as influências do comunismo no mundo. A OIT tem por finalidade trazer o equilíbrio econômico- social do mundo, com o intuito de assegurar a ordem civil e a paz entre as nações. As periódicas reuniões desse órgão, estabelecidas pelo art. 400, parte XIII, do Tratado de Versalhes tratam de questões diversas como higiene, tempo de jornada e direito de associação. A Organização tem representantes dos governos, dos empregados e dos empregadores, o que facilita a conciliação. O Brasil, como membro da Organização Internacional do Trabalho, vê a necessidade de tomar providências no sentido de prestar esclarecimentos “sobre trabalho, previdência social” e está sempre “pronto a cooperar na elaboração e execução de resoluções legislativas ou governamentais, quer relativas à nossa vida econômica, quer decorrentes de obrigações internacionais.”34 Todavia, esse discurso não está coerente com a prática da década de 1920, na qual acordos entre grevistas e empregados são realizados no “âmbito das relações privadas, sem qualquer garantias de ordem legal concernentes a contratos coletivos de trabalho.”35

No documento O governo Bernardes e a Liga das Nações (páginas 62-66)